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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Atraiçoada é exactamente o sentimento que define o que, durante algum tempo, senti em relação a José Sócrates.
Fui eleitora de Sócrates para Primeiro-ministro nas duas eleições em que ganhou, primeiro em maioria absoluta e depois em relativa. Defendi as políticas de saúde e de educação dos seus governos, as opções estratégicas pelas energias renováveis, a aposta na literacia digital e nas tecnologias de informação. Ainda hoje defendo tudo isto.
Indignei-me com as manipulações políticas, as falsas acusações, as fugas de informação, a inacreditável forma como foi preso em directo. Tudo o que escrevi sobre o assunto, mantenho.
No entanto foram as suas palavras, as suas justificações, as suas alegações e as suas mentiras que me deixaram boquiaberta, que me deixaram indignada de novo, mas com a minha própria ingenuidade. Como me foi possível, a mim e a tantos outros, sermos tão redondamente enganados pela sua personalidade? É claro que fiz e faço um julgamento moral da sua pessoa, do seu carácter, e da sua falta de vergonha para afirmar que foi afirmando.
E por isso, se calhar como tantos outros, me senti atraiçoada naquilo que, para mim, era uma questão de honra, de probidade de quem nos governa. Não é preciso santidade nem virtudes robóticas e enganosas. Nunca confiaria em alguém sem mácula nem vício, porque as pessoas são uma mescla de tudo e tudo é necessário para se ser inteiro. Mas afirmar que se sente atraiçoado pelo partido parece-me uma tal forma de alheamento da realidade, de desconhecimento da sua própria pessoa, para não dizer de desfaçatez e falta de vergonha, que me custa a entender.
Não é fácil admitir perante nós próprios as nossas fraquezas e defeitos, as nossas ingenuidades e faltas de sagacidade. Mas não é possível fingir que as somas em dinheiro vivo trocadas entre Sócrates e o motorista, as justificações sempre diferentes da proveniência do dinheiro, primeiro da mãe, depois do amigo, o facto de guardar obras de arte em casa dos empregados, enfim, tantos e tão profusos disparates debitados ao longo destes anos que a ninguém convencem.
A Justiça tem o seu papel e ninguém deve ser condenado em praça pública. O que se passou e passa no caso do ex-Primeiro-ministro é um susto para qualquer cidadão. Mas não podemos fechar os olhos e os ouvidos ao que o próprio nos ofereceu e oferece. E não é bonito. Não são estas as características que desejo para alguém que nos represente e governe.
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