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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Domingo soalheiro e radioso.
Por Madrid, vagarosamente, caminhando na zona mais central, turística e mediática – Gran Vía, Plaza Mayor, Plaza del Callao, Puerta del Sol, a estátua símbolo da cidade - El Oso y el Madroño – as gentes, o bulício, as lojas, as fotos, tudo o que numa prazenteira manhã se pode desfrutar.
O Urso de Madrid
Demos com o Museo de San Isidro, na Plaza de San Andrés, que nos leva pela história das origens de Madrid. Uma boa surpresa, daquelas que descobrimos a deambular pelos lugares que queremos conhecer.
Como me disse o meu anfitrião e querido guia, os espanhóis, pelo menos os madrilenos, são muito parecidos connosco, fisicamente e na forma de estar no mundo. Sim, são mais barulhentos, mais informais, mais desinibidos – estas generalizações são sempre um pouco disparatadas. Por isso não se sente como um estrangeiro. E, na verdade, estamos a uma hora de viagem. Demora-se mais tempo a chegar a Bragança. Será que são mais felizes?
Plaza del Callao
Não me despedi de Madrid. Tenciono continuar a fazer visitas mais amiúdes, para respirar o ar de uma cidade contente com ela própria. E depois de um belo almoço, cujo restaurante ocupa um separador de uma calle, regressei ao aeroporto, rumo a Lisboa.
Até breve.
Estava muito curiosa com a viagem em alta velocidade que ia fazer para Segóvia. Achava, não sei porquê, que se deveria sentir qualquer coisa diferente de um comboio normal, como os nossos.
Lá fomos para a estação Chamartín, apanhar o AVE para Segóvia. Fomos quase a correr, porque havia trânsito (bem, correr é uma forma de dizer, porque eu ando, e devagar). Bilhete já comprado online, passar a segurança, entrar no AVE, sentar e...
Igual a qualquer outro comboio, com excepção da velocidade – cerca de 230 Km/h. Em 30 minutos chegámos à estação de Segóvia. Fantástico! Temos que investir na ferrovia de alta velocidade, pois é cada vez mais lógico, para distância pequenas e intermédias, deixar de usar aviões. É mais ecológico, rápido e confortável.
Segóvia, localizada no sopé da Sierra de Guadarrama, é uma cidade famosa pelo seu Aqueduto, um dos aquedutos romanos mais bem conservados, tendo sido declarada Património da Humanidade (a cidade velha e o aqueduto) pela Unesco, em 1985.
É, de facto, imponente. Pont-du-Gard é bastante maior. Mas o Aqueduto parece dividir a cidade e dar-lhe uma característica de centralidade e protecção muito interessantes.
Deambulámos pela cidade, fomos à judiaria, visitámos a catedral, subimos um pouco as muralhas, enfim, acrescentámos mais uns trrrrrrreinos funcionais à minha pessoa, que se sentia muito pouco fit com tanta subida e descida.
Não podia faltar o cochinillo (leitão assado) que estava delicioso. Regressamos (eu cansada) felizes, por mais um dia de passeio e de boa e querida companhia.
Depois da volta, também em AVE, e do descanso obrigatório para repor as forças, acabamos o dia com o repasto no Asador de Aranda. Desta vez foi um Cuarto asado de lechazo (cordeiro assado que se desfaz na boca) que estava mesmo divinal. O calor da sala, também motivado pelo excelente vinho bem escolhido pelo meu guia particular, amoleceu ainda mais o meu corpo, que se acomodou bem acomodado na cadeira, saboreando lentamente a refeição.
Que maravilhoso dia e que bem passado!
Nas várias deambulações a pé e de carro dos dias anteriores, passei por diversas vezes pelo Parque do Retiro, enorme jardim/parque, inicialmente desenvolvido para o Palácio del Buen Retiro (séc. XVI e XVII), tendo-se tornado público a partir do século XIX.
Estes jardins formam um conjunto grosseiramente rectangular, que está rodeado por várias portas de entrada e saída e por grandes artérias da cidade.
Passear pelo Retiro é caminhar, respirar, observar árvores, lagos, fontes, monumentos, palácios, cães a puxar os donos, crianças nas cadeirinhas, desportistas a correr, velhinhos e velhinhas a descansar.
Como para mim tudo é labiríntico, entrei pela Calle de Alfonso XII, andei às voltas por cerca de 2 horas e fui ter... à Calle de Alfonso XII. Mas o pior é que queria ir em direcção à Porta de Alcalá, mas fui exactamente no sentido oposto, ou seja, em direcção à estação de Atocha que, por sinal, está em obras.
Escusado será dizer que, cansadíssima, resolvi regressar ao alojamento para recuperar.
Esperava-nos uma noite de flamenco, no Café Ziryab, onde se assiste a um espectáculo com um dançarino e duas dançarinas, um cantor e um guitarrista, durante cerca de uma hora e meia.
Acompanhado de um bom vinho e unas tapitas para picar, foi uma noite muito bem passada e diferente.
Admiro este bailado cantado, que fiquei a apreciar ainda mais quando, no CCB, em 2006, assisti ao Ballet Nacional de España, precisamente com um espectáculo excelente de flamenco. Também Carlos Saura tem um filme que se chama precisamente Flamenco, de 1995, que vale muito a pena ver.
Mais um dia bem passado, junto de quem tanto gosto e que, mais uma vez, foi um anfitrião sem mácula.
Pois desta vez decidi ser mais inteligente. Fui de Uber até ao Museo Reina Sofia e, depois da visita, regressaria a pé ao alojamento, passeando prazenteiramente pela cidade.
Gostei imenso do museu. Fui ao edifício Sabatini, um dos que faz parte do grupo museológico. Era um antigo Hospital (Hospital de San Carlos), em actividade até 1965, construído no século XVIII pelo arquitecto Francisco Sabatini. Foi classificado como Monumento Histórico-Artístico em 1977, mas apenas em 1980, convertendo-se no museu actual apenas em 1990.
Visitei a exposição permanente - Territorios de vanguardia: ciudade, arquitectura y revistas - onde se encontram obras predominantemente do século XX. A exposição faz uma passagem pelo último século no que diz respeito às várias correntes artísticas, como cubismo, pós cubismo, surrealismo, realismo, integrando-as na vida, na evolução e nos movimentos sócio-políticos da época.
Guernica ao vivo é uma sensação estranha, pela dimensão e pela angústia e maravilhamento simultâneos. Está lá tudo o que nos oprime e assusta, tudo o que de horrível o Homem faz, tudo o que na arte é intervenção política e social – o grito de povo que sofre irremediavelmente.
Os vários estudos das figuras que aparecem no quadro, a evolução dos esquemas, as cores escolhidas, sendo a vida colorida e a morte branca, preta e cinzenta.
À saída, a loja com diversos objectos que se podem adquirir como recordação, a um tempo simples e bonitos.
Apenas tenho uma crítica – a falta de bancos para descansar.
Para o jantar El Bodegón Argentino, onde comemos una milanesa (bife panado), grande, grande, mas muito boa, acompanhada de um vinho bastante agradável. Um excelente remate do dia.
Ainda não aprendi a dosear o esforço que faço. Não consigo perceber que a idade que sinto não é a mesma que, na realidade, tenho.
Pedir um pequeno-almoço em Espanha não é assim tão fácil. Nunca sei como se pede pão torrado, ou sem ser torrado, mas lá me desenvencilhei, entre palavras tartamudeadas em portunhol e gestos, acabou por vir um croissant folhado, aberto ao meio, torrado, com faca e garfo, manteiga para eu barrar, e um café expresso pouco apetecível. No dia seguinte já consegui pão torrado com manteiga e doce de morango e um capuchino, bastante mais saboroso.
Mas no dia imediatamente após, enganei-me no que vi numa mesa ao lado, e pedi igual, pensando que era o mesmo pão do dia anterior. Mas não, saiu-me pão torrado, sim, mas com tomatada, sal e azeite, acompanhado do mesmo capuchino. Devo dizer que é bastante bom. Já tinha experimentado na Catalunha.
Portanto, para iniciar a minha visita cultural, o primeiro museu a visitar era o Museo Nacional Thyssen-Bornemisza, ao pé do Museo Nacional del Prado e do Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia.
Estava nublado, uma chuva miudinha inconstante, mas nada que me desencorajasse. Depois de delinear o caminho, iniciei a passada, vagarosa como se impõe, em direção ao museu. Fui andando, andando, andando, porta de Alcalá, praça Cibeles, olhando as ruas, as lojas, as pessoas, os carros, as trotinetes, a largueza, o chão mais amigo dos anciãos que a calçada portuguesa, descansando quando podia nos bancos que se vão espalhando e que condicionam suspiros de alívio para quem os usa.
Acabei por andar mais de uma hora. Cheguei feliz e cansada ao museu e decidi ir visitar, com áudio-guia, a coleção permanente, ouvindo a explicação de quadros específicos.
É sempre difícil escolher o que ver num grande museu. Tem obras de grandes pintores, ilustrando as correntes artísticas dos séc, XVIII ao XX. Fui olhando os vários quadros explicados, com muito mais interesse do que se não tivesse o guia.
Os jovens músicos - Antoine Le Nain
É curioso como os artistas se alimentam uns aos outros, partindo de um conjunto muito parecido de permissas e olhando para as texturas, as formas e a sua descontrução de maneiras muito semelhantes. Pablo Picasso e Georges Braque fundaram o movimento artístico a que se chamou Cubismo. Max Weber foi bastante influenciado por eles. Se observarmos estes 3 quadros, percebemo-lo muito bem.
Mujer con mandolina - George Braque
Hombre con clarinete - Pablo Picasso
Estación terminal "Grand Central"- Max Weber
Saí muito cansada, mas satisfeita por ter conseguido chegar a pé, andar tanto tempo e ter visto um dos museus emblemáticos da cidade. Almocei uma ensalada e fruta, caso raro em Espanha (não sei porquê, pois têm boa fruta) e fui para o alojamento, onde descansei ouvindo vários excertos de noticiários americanos sobre as próximas eleições.
À noite, esperava-me a minha querida companhia, e um restaurante peruano - Cevicheria Thani - com ceviche, piqué crioulo e sal lomo. Fantástica maneira de acabar um dia com tantos quilómetros.
Parque do Retiro
Ensaio o passo nas avenidas.
Ensino às articulações
a necessidade do movimento.
Tento o foco no olhar
do que à minha frente se desenha.
Pergunto ao espaço como se equilibra
se os pássaros desapareceram.
El puente
Si me dicen que estás al otro lado
de un puente, por extraño que parezca
que estés al otro lado y que me esperes,
yo cruzaré ese puente.
Dime cuál es el puente que separa
tu vida de la mía,
en qué hora negra, en qué ciudad lluviosa,
en qué mundo sin luz está ese puente,
y yo lo cruzaré.
[Amalia Bautista]
Se me disserem que estás do outro lado
de uma ponte, por estranho que pareça
que estejas do outro lado e que esperes por mim,
eu atravessarei essa ponte.
Diz-me qual é a ponte que separa
a tua vida da minha,
em que hora negra, em que cidade chuvosa,
em que mundo sem luz está essa ponte,
e eu a atravessarei.
[Tradução minha]
Madrid teve sempre uma sonoridade particular, quase como um slogan publicitário – Madrid me encanta. Grande, espaçosa, próspera, uma cidade de promessas e de esperanças.
Já há muito que tínhamos planeado esta visita, mais que uma viagem, uma visita. Já cá tínhamos estado há uns anos, e recordo as longas avenidas um enorme museu do Prado, um extensíssimo Parque do Retiro, mas pouco mais.
Neste momento, quando a palavra faz ressonância em mim, surge-me de imediato Roto Madrid*, o nome de um livro de Amalia Bautista, de que tanto gosto. Madrid quebrada, Madrid partida.
Aterrei após um voo rapidíssimo, muito mais rápido do que as horas de espera no Aeroporto de Lisboa, numa sala pequena, atulhada de gente e quase sem cadeiras para que as pessoas se sentassem.
Madrid-Barajas é grande. Tentei trazer o mínimo de bagagem e planear o máximo que pude, para que não me perdesse ou não me baralhasse, pois a minha distração e a minha falta de orientação são famosas e bem reais. Mas agora tenho que me bastar a mim própria.
Correu bem. Mal cheguei fui informada pelo meu anfitrião que íamos jantar ao 29 Fanegas (em Português 29 Alqueires). Pousei a bagagem no alojamento encontrado e, com o telemóvel e o google maps que passaram a ser os meus guias permanentes, lá fui aquilo que pensava serem 17 minutos de distância, a pé.
Foram 30 minutos. Vá lá que não estava frio. Comemos muito bem, muito bem mesmo, várias coisitas antes e uma ternera que se desfazia na boca!
Voltámos também a pé, o que faz as delícias da minha PT, sempre pronta a grandes trrrrrrrrrreinos seja onde for! Depois de um grande beijo ao meu querido anfitrião, achei melhor ir dormir. O próximo dia seria mais cansativo.
À minha esquerda, em cima da secretária, o meu chapéu de palha comprado em Apt. Está calor e sinto um apaziguamento que se vai tornando cada vez mais raro. Na televisão Jessica Fletcher continua a ver Cabot Cove encolher de gente, tantos os cadáveres dos assassinados e, consequentemente, os brilharetes por ela desvendados.
Nada melhor para um sábado de manhã. E o chapéu faz-me lembrar alguns episódios mais ou menos caricatos da nossa viagem por terras de França.
Um episódio digno de nota foi a nossa chegada a Toulon. Armados de waze, seguimos aplicadamente as instruções repetidas desesperadamente quando não virávamos para onde nos era determinado. Mas havia muitas ruas que estavam barradas com pilares, abertas apenas a moradores. Depois de várias voltas, estacionámos o carro e fomos a pé descobrir o hotel.
A nossa atitude de estrangeiros perdidos chamou a atenção de um senhor muito magrinho, com sinais evidentes de cirurgia cervical, com a pele mais escurecida que a nossa, com roupas largas e enxovalhadas. Dirigiu-se a nós simpaticamente e, quando percebeu o que se passava, foi levar-nos ao hotel. Não contente com isso, para nos ensinar o caminho de carro, pois o hotel tinha parque de estacionamento e, a pé, era longe, entrou no carro e indicou-nos o caminho.
Ao chegarmos ao hotel, oferecemos-lhe uma nota para lhe agradecer. Ele recusou veementemente e nós ficámos envergonhadíssimos pelo nosso gesto, com grande receio de o ter ofendido. De facto estamos mais ou menos habituados a esta simpatia da parte de arrumadores de carros. Fiquei a pensar que, provavelmente pelo seu aspecto magrebino, concluímos que fazia parte desse grupo. Ou seja, sentimo-nos horrivelmente mal, espantados e agradecidos pela disponibilidade e generosidade de alguém que nunca tínhamos visto e que não iríamos encontrar mais.
Outro episódio foi o que se passou em Cannes, também no hotel. Ao pequeno-almoço, a senhora que estava a varrer o pátio e a limpar as mesas ouviu-nos falar português, abriu um sorriso cúmplice e cumprimentou-nos também em português. Encetámos uma pequena conversa, ficando a saber que era cabo-verdiana emigrada em França.
O recepcionista, que nos queria esclarecer de alguma coisa, depreendendo que não nos sabíamos exprimir em francês, pediu à senhora que fizesse de intérprete. Gerou-se uma confusão porque nós respondemos em francês, ela já não sabia em que língua deveria falar e o recepcionista ficou todo baralhado.
Como se vê, os hotéis foram sede de várias situações inusitadas. Em Nimes, depois de nos instalarmos a descansar após a viagem, a primeira coisa que o meu encalorado marido fez, como sempre fazia, foi ligar o ar condicionado. No entanto o aparelho ficou mudo e quedo, apesar das várias tentativas e intervenções realizadas pelo meu desesperado companheiro.
Ligou para a recepção, já ligeiramente irritado, e seguiu as instruções que lhe deram. Mas o efeito foi nenhum. Ligou de novo para que alguém fosse reparar a avaria do ar condicionado.
Entretanto, eu tinha-me instalado confortavelmente, recostada na cabeceira da cama, com o portátil sobre os joelhos ligado a uma tomada que estava estrategicamente mesmo atrás da mesa de cabeceira, tendo desligado o inútil candeeiro, a ouvir vagamente a TV.
Quando o recepcionista chegou, muito simpático, olhou para o aparelho e a seguir foi à minha mesa de cabeceira, apontando a tomada onde estava ligado o portátil. Foi explicando sorridente que eu tinha desligado o candeeiro.... e o ar condicionado; por isso não funcionava.
E Apt, para além dos chapéus de palha, deixou-me uma marcada impressão. Suspeito que também eu, embora sem querer, deva ter deixado alguma na Farmacêutica que me atendeu, quando a ela recorri e, no meu mais fantástico francês, pedi que me desse toilettes.
Depois de um silêncio espantado por parte da Farmacêutica, que me olhou com um ar meio assustado, disse: "Ah, mais oui, lingettes!"
Confesso que fiquei sem perceber o alívio dela, mas alguém a meu lado me esclareceu, quando saímos da Farmácia: "Pode dizer-se apropriadamente que a utilização de toilettes dispensa a utilização de lingettes. Em contrapartida, as toilettes são menos portáteis que as lingettes..."
Enfim, peripécias várias que marcam pormenores de que não nos esquecemos mais.
Chegámos cedo a Marselha. O hotel fica muito perto do Vieux-Port, da Grotte Cosquer e do Musée des Civilisations de l'Europe et de la Méditerranée (MuCEM). O dia estava muito bonito.
Fomos a pé até ao Vieux-Port, passando pela Cathédrale Sainte-Marie-Majeure, construída no séc. XIX num estilo neobizantino, ao lado da antiga, datada do séc. XII. É imponente e majestosa (demasiado), sobressaindo na paisagem como uma nota fora de tom.
Em janeiro de 1943, após a ocupação alemã, Marselha foi palco de uma rusga, em que as tropas nazis prenderam cerca de 6.000 residentes no chamado "bairro criminoso", junto a um dos lados do Vieux-Port (onde está localizado o hotel onde ficámos). Foram deportados os judeus e, após esvaziarem totalmente o bairro, dinamitaram-no e destruiram-no. Marselha foi libertada poucos dias após o desembarque aliado na Provença (Operação Dragoon).
Almoçámos numa espelunca, da qual só nos apercebemos depois de nos sentarmos. Comemos as piores moules frites de que há memória e fomos até à Basilique Notre-Dame-de-la-Garde (La Bonne Mère), construída no séc. XIX, dedicada a Notre-Dame-de-la-Garde, padroeira de Marselha. Fica no cume da colina de Notre-Dame-de-la-Garde, de onde se tem uma vista magnífica sobre Marselha.
De tarde fomos à Grotte Cosquer, uma gruta submarina com pinturas rupestres, descoberta em 1991, por Henri Cosquer. Tal como para a Grotte Chauvet, foi feita uma réplica exacta da gruta, que abriu ao público apenas em junho do ano passado, permitindo as visitas e o estudo sem danificar a original. Calcula-se que tenha sido frequentada entre os 33.000 e os 19.000 de anos AP. Nas paredes e tectos, há pinturas de cavalos, bisontes, felinos e, achado raro, de focas e pinguins, para além de negativos de mãos. Não cesso de me surpreender com estes artistas pré-históricos.
O dia seguinte estava destinado ao passeio pela cidade. Pois de todos os dias que passámos em França, sempre com um tempo ameno e agradável, S. Pedro escolheu este para a chuva, que caiu desde a manhã, miúda mas persistente, mantendo-se por quase todo o dia.
Pouco preparados para as intempéries, mas confiantes no apaziguamento da natureza, metemos pés ao caminho. Ao fim de pouco tempo estávamos totalmente encharcados. Comprámos uns guarda-chuvas numa loja de brique à braque (de chineses) e continuámos. Contornámos o Vieux-Port e seguimos pela La Canebière, uma larga avenida que atravessa o coração de Marselha desde o Vieux-Port, com uma actividade comercial assinalável, de onde partem várias ruas para os bairros mais interiores.
Aventurámo-nos por um deles, que descobrirmos ser o bairro árabe de Marselha (Noailles). As ruas estreitas, mercados a céu aberto, onde se falavam várias línguas, incluindo o francês, onde as inúmeras lojas de produtos orientais tinham os nomes escritos em francês e numa outra língua árabe. Enorme bulício, muita gente, muitas cores, frutas, carne, legumes, ervas aromáticas, tomate, pimentos, courgettes, laranjas, muitas especiarias que deixavam no ar aquele aroma inconfundível. Dava mesmo a sensação de estarmos em Marrocos.
A quantidade de lojas de sabão (mais ou menos) artesanal é extraordinária. A fabricação de sabão em Marselha data de 1370. Tem as suas origens no sabões milenares provenientes da Síria, utilizando-se o azeite e o louro. Fiz o que me competia e comprei uma amostra variada.
Aproveitámos a tarde para visitar o MuCEM. Com tantas exposições ao dispor, optámos pela Le Grand Mezzé", sobre a dieta mediterrânica, suas origens e importância cultural e nutricional. Muito, muito interessante.
Esta exposição situa-se no rés-do-chão. Havia muita gente nas bilheteiras, e o ambiente estava húmido e peganhento, por causa da chuva. Na fila para a compra das entradas, houve um momento cinema mudo que muito apreciei. Na sua imponente figura de Achille Talon, com o guarda-chuva debaixo do braço, qual arma perigosa e letal, o meu querido acompanhante deixava cair sequencialmente algum dos muitos papéis, mapas, carteiras, etc., que tinha nas muito ocupadas mãos. De cada vez que se inclinava para as retirar do chão, o guarda-chuva ameaçava quem estava atrás, fazendo com que houvesse uma onda de gente que se afastava assustada. Ao ouvir os murmúrios das várias pessoas espantadas, virava-se para cada lado, perguntando da sua culpa e penitenciando-se da mesma, varrendo lateralmente as gentes com o mesmo guarda-chuva, provocando novas ondas e novos protestos mais ou menos indignados.
Quando chegámos à porta de entrada da exposição, a senhora que aceitava os bilhetes disse terminantemente que tínhamos que deixar os guarda-chuvas de fora, apontando um cesto com algumas dessas temíveis armas. Hilariante.
O jantar foi calmo. Despedimo-nos de Marselha e de França. No dia seguinte partimos para Lisboa, cansados mas felizes.
Aix-en-Provence prometia. Cézanne é um dos meus pintores favoritos. A sua história passou por Aix-en-Provence, pelas paisagens, pelo mistral que nos abanou no caminho, pelas cores e pela forma do monte de Saint Victoire.
Hotel Le Mozart
Bem instalados no Hotel Le Mozart, fomos a pé até ao Atelier de Cézanne, local onde pintou nos seus últimos anos de vida.
Uma casa alta, com 3 andares. O Atelier que visitámos (bilhetes a 9 € com vídeo guide) não era mais que uma sala no 1º andar, onde se encontravam vários objectos, roupas, pincéis, caixas de tinta, escadotes, cómodas, jarros, mesas e fruta, os modelos das suas naturezas mortas. Confesso que me senti ludibriada por esta mini visita guiada. Não sei o que esperava, mas certamente era muito mais do que o que vi.
Cézanne viveu e morreu naquele local; foi em Aix-en-Provence que conheceu e se tornou amigo de Émile Zola, amizade que terá terminado a propósito de um livro escrito por Zola - L'Oeuvre - cuja personagem principal era inspirada em Cézanne. A história de que teria sido essa a razão de uma grande zanga entre eles já foi posta em causa. Um grande pintor de cores e formas, em que a geometria que desenhava estava presente em toda a natureza.
Sendo o trigésimo sexto dezasseis de maio desde que nos tínhamos casado, decidimos comemorar o dito com um belo repasto. Foi em La Brocherie, onde o aperitivo de champanhe iniciou uma excelente refeição: Poêlon du Pêcheur (para mim) e Côtes d’Agneau aux herbes de Provence (para ele), bem regada (Château La Dorgonne) e bem terminada com La crème brûlée à la lavande (para mim) e L’Assiette de Fromages (para ele).
Longa já, esta viagem a dois (depois a três, depois a quatro), por vezes rápida, por vezes vagarosa, outras inesperada, outras dolorosa, mas sempre, sempre o nosso caminhar.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.
À venda na livraria Ler Devagar