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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Depois do referendo inglês em que o BREMAIN estava seguro e as eleições americanas com a vitória certa de Hillary Clinton, esperemos que não venham as presidenciais francesas com a óbvia derrota à segunda volta de Marine Le Pen.
Nada é previsível com uma percentagem de indecisos e de abstenções tão grande. Mas ao contrário das outras duas situações, desta vez tenho uma terrível premonição.
O que vale é que eu nunca acerto! Tal como o princípio da anti-bússola, que cá em casa me atribuem descaradamente, pode ser que tenha também o princípio da anti-adivinhação eleitoral! Neste caso dava algum jeito!
Não sei se contaminada pelo 25 de Abril de 74 se apenas pela euforia própria de quem leu muito na adolescência e aprendeu a falar de todos os assuntos, sem tabus, a nova forma de debate na nossa sociedade cheia de apelos e hinos à tolerância, espanta-me cada vez mais.
Não é possível trocar opiniões de forma aberta e leal, esgrimindo os argumentos com verdadeiro respeito pelo oponente. Neste momento ou se é a favor e consequentemente amigo, bom, sensível, sensato, amante dos pobres e oprimidos, solidário, justo, enfim, um anjo armado da justiça divina, ou se é contra e inevitavelmente horroroso, criminoso, nojento, estúpido, rígido e empedrado, com o ranço do reaccionário, do mau, do opressor, do amante do poder que corrompe.
O comportamento, a linguagem, os gestos, as vírgulas e a moralidade, julgada por quem se sente e julga detentor da verdade, estão sempre sob escrutínio. As causas que se defendem, com a certeza e o fundamentalismo sempre militantes, não deixam nunca margem para dúvidas, perguntas, remotas hipóteses de eventuais análises distintas e, muito menos, de qualquer possibilidade de reavaliação.
O espírito autoritário espreita a cada esquina e a rotulagem pública, antecedida e precedida de insultos mais ou menos criativos, é a norma, enquanto se defendem as liberdades das minorias, só de algumas, claro, porque só alguns comportamentos e só algumas escolhas morais podem ser sancionadas pelos bons e pelos bravos defensores da moral e dos bons costumes, cuja definição vai mudando ao longo dos tempos. As leis são brandidas quando justificam as suas ideias, tal como o anátema da pestilência para a desinfecção social, com céleres divulgações dos deveres dos puros para que evitem contaminações, mas logo relativizadas ou mesmo iníquas, se não preenchem as imediatas necessidades dos acusadores/ defensores.
É triste, redutor e cansativo. E pouco sério. E pouco, muito, muito pouco.
O que se está a passar na Turquia começa a ser demasiado familiar e óbvio quanto ao que move e qual o objectivo de Erdogan.
Tal como com Hitler, a comunidade internacional tenta não ver e desvalorizar. Ninguém sabe exactamente como actuar naquele barril de pólvora. Christine Lagarde é apenas um exemplo de quem tem as prioridades distorcidas.
Desde que li O papagaio de Flaubert tornei-me assídua leitora de Julian Barnes.
O último livro deste autor é, como habitualmente, uma reflexão violenta e irónica sobre a relação entre os intelectuais, mais propriamente os artistas, a arte e o poder. Mas não só.
Julian Barnes usa Dmitri Shostakovich, um compositor russo que viveu as épocas da revolução russa, das duas Guerras Mundiais, do estalinismo, da ligeira abertura do regime com Nikita Khrushchov e de Leonid Brejnev, para discorrer sobre a humanidade, a nossa capacidade de resistir e de ceder ao poder ou a tudo o que nos é contrário e nos violenta em termos ideológicos ou morais, a forma como nos defendemos e justificamos, por aceitarmos aquilo que nos incomoda e revolta. A vida e os homens são feitos de cambiantes de tons e cores e todos somos capazes dos maiores heroísmos e das piores abjecções.
Numa escrita muito sintética e depurada, o autor encarna Shostakovich e conta a sua vida na Rússia soviética, que alternou períodos em que foi punido por escrever música que não agradava aos ideólogos estalinistas e ao próprio Staline, sendo afastado dos empregos e dos concertos, temendo pela sua vida e pela dos seus familiares e amigos, aguardando à noite, junto ao elevador da sua casa, que o viessem prender para o deportar e/ou matar, com períodos em que era bajulado e premiado pela nomenklatura, recebendo prémios e honrarias.
Shostakovich vive em sobressalto, depressão, ansiedade e negação de si próprio. Despreza-se e não se perdoa por aquilo que considera actos de cobardia - apoiar decisões e deportações lendo discursos ou assinando documentos que outros escrevem, negar apoio a quem, como ele, tinha caído em desgraça, como a última e ultrajante humilhação de se ter tornado membro do Partido Comunista da União Soviética, que tinha conseguido evitar até Khrushchov ter assumido o poder. Não poupa os intelectuais estrangeiros que se dão ao luxo de admirar a sociedade mais avançada do mundo porque nela nunca tinham vivido - Romain Rolland e Jean-Paul Sarte, por exemplo.
O ruído do tempo é muito mais que um romance, muito mais que uma biografia, sem ser nem um romance nem uma biografia. Nos tempos que correm em que assistimos impotentes ao ascender de ditadores, convém não nos esquecermos o que é viver num regime totalitário.
Turkey coup: 15,200 education staff suspended
Erdogan está a arrasar tudo e todos os que se lhe opõem ou opuseram. Um verdadeiro desastre, o que se está a passar na Turquia, e muito preocupante a nível global.
Katarina Macurova
Confesso que quase todos os dias me apetece escrever qualquer coisa a propósito do que se vai passando. Mas a minha incapacidade para explicar o que me vai na alma, a impaciência e incompreensão para cada um do factos que considero totalmente superficiais e absolutamente irrelevantes para aquilo que as pessoas comuns pensam, precisam e pedem, faz com que me abstenha de escrever seja o que for.
E na verdade não tenho nada de importante a dizer. O que poderei comentar quanto à perigosa deriva totalitária dos bem pensantes das causas fracturantes e de esquerda, das minorias que, de tanto terem sido discriminadas, se acreditam com direito à prática de bullying sobre toda e qualquer incauta pessoa que não se acautele em relação à correcção da linguagem, para que não seja violentamente insultada nessa maravilhosa nova ordem social que se chama facebook?
A nova humanidade não terá sexo, não terá cor nem cheiro, não será gordo nem magro, não se alimentará de seres vivos, animais ou vegetais. Haverá os polícias da linguagem, da alimentação, do racismo, do sexismo e de outros ismos. As crianças não se rirão do ridículo, não serão preconceituosas, não marginalizarão os que sentem como diferentes, nascerão já com a correcção comportamental e social que hoje se constrói, nesta sociedade de seres limpos, saudáveis, igualitários, amadores de todas as coisas e pessoas, humanas e não humanas, respeitarão a vida e comerão as pedras, reduzindo extraordinariamente a sua pegada ecológica.
E eu que sou tão imperfeita, que gosto de comer e de beber, que passo a vida a controlar o peso e a maldizer o destino, que me queixo, que gosto de observar as feições das diferentes etnias, de apreciar as diferenças entre os sexos, que aprendi, como jovem mãe cheia de ideias feitas, que as meninas são diferentes dos meninos, independentemente da educação que se lhes dá (é uma questão de cromossomas e de hormonas, para além da educação), que não aprendi a nova linguagem asséptica do género, que não suporto o reescrever da História, a alteração das obras de arte, a dulcificação idiota das histórias infantis, a substituição do cigarro do Lucky Luke, a proibição de Huckleberry Finn ou do Tintin;
eu que fico estupefacta por ver um Ministro da Defesa precipitando-se com receio das redes sociais e das intrigas que nos avassalam o quotidiano, a assistir às demissões de membros do governo motivadas e explicadas no facebook;
eu que tento sobreviver aos anos, às intempéries da vontade, às desistências e às incredulidades, cada vez mais retrógrada, mais reaccionária, mais ultrapassada;
sinto-me completamente impossibilitada de me mexer, de falar, de me manifestar perante os mais acérrimos defensores das liberdades de expressão e do direito a ser-se quem se é. Até porque me falta o arcaboiço para resistir aos inevitáveis comentários venenosos, insultuosos, grosseiros e etc. que inevitavelmente me dirigirão, tal como os que vou lendo contra quem se atreve a por em causa esta nova e revolucionária forma de existir.
Admirável mundo novo, não te pertenço.
Estamos no início de uma nova era, aquela em que os nossos governantes nos ensinam e nos impõem um estilo de vida, desde o que comemos, ao que bebemos, ao lazer, às preocupações com a vida, às tensões psicológicas, etc. Para já esquecemos as defesas das minorias étnicas ou religiosas e a discussão da igualdade de direitos dos géneros (todos - feminino, masculino e alternativos), para nos preocuparmos com a vida saudável e com a sustentabilidade do planeta.
É gordo, ou seja, obeso? Então tem uma disfunção pessoal e social grave, pois precisa de se querer tratar - nada de doces, gorduras, álcool ou hidratos de carbono. O seu médico ou sistema de saúde arranjará um equipamento altamente tecnológico para contar automaticamente as calorias ingeridas por dia e, caso não obedeça - tudo registado numa plataforma informática com o NIF (obrigatório pois é informação que será cruzada com as finanças) - ser-lhe-á retirado o privilégio de recorrer aos serviços pagos pelos NOSSOS (e seus) impostos. Temos que gastar bem o dinheiro dos contribuintes. Haverá ainda os podómetros que lhe contarão os passos que terá que cumprir, ou a ginástica que terá que fazer, para gastar energia e quilos de banha e transpiração. Não tem tempo? Tem que se organizar melhor - entre as 8h de trabalho por dia e as 8 horas de sono (também obrigatórias) restam 8 horas que chegam perfeitamente para os transportes, a alimentação e a ginástica.
Se fuma (qualquer tipo de tabaco ou outras drogas) acautele-se - está já a ser estudada uma legislação que o afastará dos seus filhos por impossibilidade de os educar e poderá mesmo redundar em prisão. Quanto à úlcera péptica e à psoríase, os nervos são da sua conta, mas tem que se tratar, pois há uma grande dose psicossomática em tudo isso.
Quanto ao cancro - falta de fibra na alimentação, tabaco e obesidade, vírus sexualmente transmissíveis, etc., convém que esqueça o apoio de uma sociedade saudável e perfeita - a culpa é sua. É por isso que não tem emprego e que é infeliz, para além de viver à custa dos NOSSOS (e dos seus) impostos. E isso é intolerável - moral e legalmente intolerável.
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