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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Tenho, por diversas vezes, aplaudido aqui o Teatro Meridional. E vou fazê-lo de novo.
A Grande Reunião, com texto de Mário Botequilha e encenação de Miguel Seabra, é extraordinário, dos melhores espectáculos que já vi.
Um grande texto, sarcástico, verrinoso, cómico, profundo, aproveitando as palavras e referências várias, até de John Lennon, numa crítica certeira e mordaz à nossa sociedade desigual e cruel, com uma beleza e uma elegância incríveis.
Um conjunto de grandes actores, uma atmosfera sonora a condizer e uma cenografia minimalista, é tudo grande.
O Teatro no seu melhor. Parabéns ao Teatro Meridional e a todos os que com ele colaboram e nos dão estes fantásticos momentos, em que nos olhamos ao espelho e por dentro, em que nos espantamos e emocionamos.
Vão ver. Já só têm uma semana.
Sinopse
Estamos à beira do colapso da civilização, tal como foi pensado pelos Pantalones. Eles são os sovinas ultra-ricos da Commedia dell’Arte e controlam as tecnologias, o dinheiro, o cerne das nossas vidas. Os Pantalones dominam toda a informação que circula em todo o mundo entre todas as pessoas e programaram uma tempestade perfeita que faz coincidir a ruína económica, o desastre ambiental e as ditaduras populistas. Mas este desastre é só para os outros: os Pantalones têm tudo pensado para se porem ao fresco assim que a sociedade mergulhar no caos, uma estratégia pantalónica circunscrita a 1% da população mundial. Tudo isto é decidido num encontro muito exclusivo a que apenas os multimilionários e poderosos Pantalones têm acesso. Bem-vindos à Grande Reunião.
Ficha Artística
Texto: Mário Botequilha
Encenação e desenho de luz: Miguel Seabra
Interpretação: Carlos Pereira, Catarina Mota, Diana Costa e Silva, Emanuel Arada, Henrique Gomes, José Mateus
Espaço cénico e figurinos: Hugo F. Matos
Música original e espaço sonoro: Rui Rebelo
Assistência de encenação: Nádia Santos
Direção de cena, assistência de cenografia e montagem: Marco Fonseca
Montagem e operação técnica: André Reis
Assistência de produção e comunicação: Rita Mendes e Teresa Serra Nunes
Produção executiva: Susana Monteiro
Direção de produção: Vanessa Alvarez
Direção artística Teatro Meridional: Miguel Seabra e Natália Luiza
Há momentos que nunca esquecemos e que regressam mesmo sem que nos apercebamos.
Há muitos anos, estava eu a passar uma ou duas noites em casa de uma amiga minha, coisa que muito enervava a minha mãe muito pouco habituada a estas liberdades habituais em gente que vinha de África, quando senti a irmã dessa minha amiga chegar a casa, vinda do teatro.
Vinha a chorar desabaladamente, de uma forma que me impressionou e tocou profundamente. A peça que tinha ido ver era o Jardim Zoológico de Cristal, de Tennessee Williams. A sequela de uma poliomielite fazia-a coxear e (penso eu, pois nunca o verbalizei, tal o pudor que tive de falar de algo tão íntimo e doloroso), isso fê-la identificar-se com a protagonista.
Eu conhecia a peça pois tinha visto, uns anos antes, o filme de 1950 - Glass Managerie, de Irving Rapper, a preto e branco, de que tinha gostado muito. E a cena que mais me impressionou foi a que se passava na escola de datilografia, em que se via Laura a coxear e o ruído do aparelho da perna omnipresente e ensurdecedor.
Depois li mais do que uma peça de Tennesse Williams, que considero um extraordinário escritor.
Ontem fui ver O Jardim Zoológico de Cristal, encenado por Natália Luísa, do e no Teatro Meridional.
É sempre uma experiência diferente. O foyer espelha o clima do Teatro, as opções estéticas do Meridional, o carinho e o cuidado que põem na construção das peças, os cenários, as cores, a luz, os objetos, os tecidos, tudo que o que descobre a propósito de um texto, de uma época, o envolvimento com outros grupos, escolas, etc.
O café, o chá, os bolos, o som do espanta-espíritos que nos deixa de imediato arrepiados e expectantes. A sala com as cadeiras ocupadas por mantinhas, a penumbra e o perfume.
Sempre me espanto pela intrínseca qualidade e sofisticação de tudo quanto o Meridional faz. A escolha dos atores é sempre certa, de tal maneira que não nos ocorre nenhuma outra. A entrega de todos, a dicção perfeita, as emoções que despertam, o respeito pelo autor, pelas palavras, pela história, pela memória, a música presente-ausente.
Absolutamente emocionante. Um clássico com uma interpretação sublime de todos os atores, uma cenografia simples, sem que nada falte nem seja supérfluo.
É difícil descrever o turbilhão de sentimentos que me assaltaram. Fui para casa muito mais rica.
Obrigada, Natália, por mais esta peça inesquecível.
E nós vamos aceitando.
Porque não queremos ser insultados nas redes sociais, porque não queremos ser olhados de lado ao usarmos palavras malditas, ao defendermos aquilo que até há bem pouco tempo, era considerado liberdade artística, criação, multiculturalismo, tolerância pela aceitação da diferença.
Policiamos a linguagem, o desenho, as opiniões, o teatro, o cinema. Não há lugar a debates, a discussão e trocas de ideias. Há barricadas, o lado certo e o lado errado.
Os factos deixaram de o ser. As interpretações do mesmo são, neste momento, aquilo a que temos direito não só nas redes sociais, como nos media. A manipulação do que se escreve, do que se diz, nem que seja para que os títulos sejam tremendistas, mesmo que as notícias digam o contrário, são a informação contemporânea. Não interessa se é verdade ou não.
O discurso corriqueiro, alarve, terrorista, inunda opinantes, políticos, gente que vive e actua pela imagem. Deixou de haver privacidade pois já não distinguimos o espaço público da nossa casa. Tudo se mostra nas redes sociais, tudo se diz em alta voz, tudo é público e não privado, pois o privado levanta teorias da conspiração.
E nós, vamos calando.
É fácil não pensar, engolir as imagens cada vez mais rápidas que nos passeiam pelos televisores, monitores de computador, ecrãs de telemóveis. Anestesiamos a voz interior, o cruzamento das ideias, a dor, a dúvida, o espanto. Acomodamos tão bem as desculpas do cansaço, do stress, do impossível reverter do tempo e da vontade adormecida.
Para que serve a arte? Para quê a cultura? Cada vez a entendemos mais como qualquer coisa que entretém, que nos desvia da dura realidade, que nos ocupa o cérebro e os poucos momentos que temos para respirar.
Esquecemos rapidamente que viver implica entrega, fracasso, sonhos, memórias, fragmentos que queremos e temos que procurar, encaixe das mais diversas sensações que não compreendemos, busca de prazer e esquecimentos selectivos, amores vários e de vários tipos, morte, ódios e desrazões, tanta contradição e nebulosas como instantes de beleza e deslumbramento.
Pois é Do Deslumbramento que falo. Fui ver esta peça domingo passado, um texto original de Ana Lázaro construído para a comemoração dos 30 anos do Teatro Meridional.
Confesso que não sei o que dizer, de tal forma me marcou.
O jogo de luzes, o espaço cénico minimalista, a depuração e simplicidade da representação, a música, a incrível sensação de que não estamos perante uma peça de teatro mas de cenas e de conversas interiores daquelas personagens.
Quem são elas? Elas como actores ou os actores como personagens? Estamos dentro de alguma coisa prestes a acontecer ou a recuperar fragmentos do que aconteceu? O que é um corpo, uma memória, uma verdade? O que faz o tempo? É o tempo que faz o corpo e a memória ou a memória que conta o tempo e constrói um corpo? De que nos lembramos verdadeiramente? O que desencadeia a sensação? A luz, a sensação de queda no abismo, a certeza do branco ou do escuro? A dúvida? A incerteza das lembranças, dos sons, dos pequenos acordares dos nervos, da água nas mãos, do inundar das perguntas?
Quem somos para nós? Quem somos para os outros? O que se esconde em cada memória refeita ou em cada corpo que retalha o tempo de que se recorda?
Teatro tão simples e erudito, que parte de cenas breves e de sensações, do trabalho do actor, de uma peça como Bruscamente no Verão Passado, em que é preciso apagar uma fatia de cérebro para cortar uma memória, para a recuperação de uma fatia de cérebro para recuperar uma vida, pela memória.
Do Deslumbramento. Das melhores peças que tenho visto no Meridional, e todas elas são soberbas.
Ainda têm uma semana.
É difícil falar do recital de Natália Luísa e Rui Rebelo, no Teatro Meridional.
É difícil encontrar palavras para esta celebração da palavra das poetas dos vários espaços da Lusofonia.
É difícil explicar o sentimento de pertença, a sensação do maravilhoso, o escutar da voz da Natália tão bem acompanhada pela discreta e simples música de Rui Rebelo, da luz, do cenário, da elegância, da sensibilidade, da qualidade e variedade dos poemas ditos, interpretados, vividos.
Mas é muito fácil saber o porquê desta magia, do encantamento em que nos envolve a Natália. Do trabalho de pesquisa, da beleza de tudo o que faz.
E é fácil encontrar o espírito de luta, irmandade e solidariedade, mesmo na solidão e na revolta.
Que grande espectáculo, simbolicamente dedicado às mulheres iranianas.
Parabéns ao Meridional, ao Rui Rebelo e, sobretudo, à Natália.
Que privilégio poder assistir a este Recital!
Há um ano estreava Histórias de Lisboa. Para mim, um fantástico desafio e experiência, aumentados pelo orgulho de participar num espectáculo do Teatro Meridional.
Neste vídeo podemos perceber o conceito, os bastidores, a Lisboa de há um ano, poesia, e excelentes profissionais a criarem e a trabalharem. É sempre um milagre. Obrigada a todos por esta oportunidade, especialmente à Natália e ao Rui. E parabéns!
E como a Lisboa de hoje é diferente da Lisboa de então. Como, de um momento para o outro, tudo muda. Talvez se pudéssemos guardar alguma desta Lisboa silenciosa, espaçosa, dormente e luminosa para um futuro que rapidamente irá voltar, negando as juras de revolução na vida e no uso e abuso dos recursos, fosse se não o suficiente pelo menos uma vitaina de ar e de asas para continuarmos a sonhar.
Esta é a letra do fado que o Rui Rebelo magistralmente musicou
LISBOA
Regresso numa noite de alegria
com ondas de memória no olhar
a pele em nuvens de melancolia
de um corpo que recusa naufragar
Em barcos ou nas pedras das calçadas
nas ruas que percorro e desconheço
um mundo de palavras soletradas
de quem faz de Lisboa um recomeço
Destino de um passado que se esquece
ao ritmo que desfaz a melodia
verdade de um canto que apetece
no Tejo em que se espelha a poesia
As aves que ecoam assustadas
nas praças que Lisboa desenhou
desfilam pelas portas desbotadas
como se a luz abrisse o que fechou
Nem muros de pobreza e solidão
limitam tantas almas sem idade
dedilham com amor e lentidão
o fado que refaz a liberdade
Regresso numa noite imaginada
pelas ruas que a Lua inundou
recolho numa alma enrugada
o canto que Lisboa me ensinou
Máscara mortuária de Beethoven
Sempre acabo a dizer o mesmo. Não percam a peça Kiki Van Beethoven, não deixem para os últimos dias. Façam um favor a vós mesmos e vão ouvir o monólogo de Kiki, brilhantemente interpretado por Teresa Faria, à melhor sala de espectáculos do Poço do Bispo.
O autor da peça é Eric-Emmanuel Schmitt, a encenação de Natália Luísa. Sóbrio, simples, na luz, nos objectos em palco, no ambiente, na música que se ouve. Do riso às lágrimas, o encontro connosco, que nos perdemos.
E Beethoven.
Autoria: Eric-Emmanuel Schmitt; Encenação: Natália Luiza
Interpretação: Teresa Faria
Só até Domingo, 13 de Outubro
(Quarta a Sábado - 21:30; Domingo - 17:00)
Bilheteira: (+351) 91 999 12 13 / producao@teatromeridional.net / https://bit.ly/2GfOo8b
Teatro Meridional
A MELHOR Sala de Teatro do Poço do Bispo
“Groselha, na esplanada, bebe a velha,
e um cartaz, da parede, nos convida
a dar o sangue. Franzo a sobrancelha:
dizem que o sangue é vida; mas que vida?
Que fazemos, Lisboa, os dois, aqui,
na terra onde nasceste e eu nasci?”
Alexandre O’Neill, in ‘De Ombro na Ombreira’
Não deixem para os últimos dias.
Estes espectáculos costumam esgotar depressa.
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