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Doces, nem sempre as mães são doces.
Porque a amargura da vida lhes tira o açúcar, porque o balanço do ácido se desequilibrou, porque se esqueceram de juntar canela, porque a luz do sol ainda não amadureceu.
Mas sempre o procuram e doseiam para os filhos, uma pitada de mel, um pedacinho de aniz, um cheirinho a baunilha.
Longas horas passam a mexer, a apurar, a filtrar, a decorar. Tudo para que a felicidade lhes seja eterna, macia, saborosa. Mesmo que os dedos já estejam nodosos, mesmo que os olhos adivinhem mais do que veem, mesmo que o murmurar das discussões infantis apenas ecoem na sua memória.
Compota de morango
Tiram-se os pés aos morangos, lavam-se com água corrente e partem-se aos bocadinhos para uma panela grande. Junta-se 1 quilo de açúcar amarelo, a raspa (primeiro) e o sumo (depois) de 2 limas e 4 paus de canela. Mistura-se tudo muito bem e deixa-se a marinar durante umas 2 horas.
Leva-se ao lume e deixa-se ferver até começar a engrossar. Depois tritura-se com a varinha mágica e torna ao lume até fazer ponto de estrada.
Não vá o diabo tecê-las
Obrigatória a prevenção
Maleitas temporãs nem vê-las
Afastamo-las com estadão
Panelas grandes a preceito
Há que manter a tradição
Descascar ameixas a eito
Para dentro do panelão
Do gengibre são conhecidas
As vantagens medicinais
Qualidades enaltecidas
E uns poderes fenomenais
Da canela não é segredo
Que cura gosmas e terçolhos
Contra enfartamentos e medo
Elimina até os piolhos
Juntar açúcar bem medido
Do branco ou do amarelo
A ser mexido e remexido
Como se enrolasse um novelo
As quantias serão as certas
Para adoçar o paladar
Menos ou mais verás que acertas
No gosto que mais te agradar
Contra gripes repentinas
e outros vírus coroados
compota de nectarinas
e ficamos vacinados.
Corte tudo em pedacinhos
retire só o caroço
de canela uns pauzinhos
de cravinho só um esboço.
Açúcar pesa metade
do peso das nectarinas
tudo em conformidade
das dietas em ruínas.
Não se deve esquecer
o que diz a tradição
e que consta em espremer
um sumarento limão.
Há já algum tempo que ando com vontade de experimentar a confecção da tão conhecida orange marmalade, aquela compota de laranja dos ingleses, de que eles dizem tão bem. Embora não tenha a gastronomia inglesa em grande conta, tento lutar contra o preconceito em todas as áreas.
Se bem o pensei, melhor o fiz. Depois de uma aturada busca na internet, fiquei a saber inúmeros e úteis pormenores sobre laranjas e suas variedades.
Claro que só podiam ser os ingleses a fazer um doce de laranja amarga – Seville Orange. E por isso a quantidade de açúcar que a receita tem é uma vez e meia a da fruta, o que é imenso.
Mas não nos apressemos, que este doce não é para quem tem pressa.
Esta marmalade (nome especificamente usado para compota de laranja amarga) utiliza a totalidade da fruta, o que é uma coisa que me agrada, pois detesto desperdícios. Mas enfim, não se aproveita tudo, tudo, mas tudo serve para a confecção da compota.
Vamos à receita: para cada quilo de laranja (amarga), o dobro da água, uma vez e meia de açúcar e 1 limão. Esta é a receita que vi na net. Mas como não encontrei laranja amarga, usei laranja do Algarve e, por isso, a mesma quantidade em açúcar. Para além destes ingredientes, são precisos uma grande panela ou um grande tacho, um paninho de algodão e fio de culinária. E muita, muita paciência e resiliência.
Segui religiosamente o prescrito:
- Coloquei 3 litros de água num grande tacho; pesei 1,5 quilos de laranjas, sem alterações nem “nódoas” nas cascas. Dividi as laranjas e 2 limões ao meio e espremi todas as laranjas e 1 limão e meio, no espremedor de citrinos. Fui aproveitando os caroços e as partes que não passavam o crivo do espremedor, colocando-as num prato para depois. Juntei o sumo à água.
- A seguir raspei com uma colher o interior de todas as cascas, para retirar o mais possível a parte branca, sem estragar as ditas. Devo dizer que foi uma tarefa muito custosa e demorada, o que me levou a amaldiçoar esta minha vontade de experimentar coisas para as quais não fui feita. Mas lá consegui chegar ao fim (as partes brancas juntaram-se aos caroços).
- Com uma faca afiada cortei as cascas às tiras, não muito fininhas para não se desfazerem, mas também não muito grossas para poderem cozer bem (à volta de 5 mm de largura). Juntei as tiras das cascas à água e ao sumo.
- Todos os caroços, peles e afins foram colocados num lenço de algodão, fininho, tendo atado as pontas com o tal fio culinário, deixando-as compridas – o saquinho resultante era para mergulhar na água com o sumo e as cascas, mas prendi-o na asa do tacho - destina-se a deixa passar pectina, penso eu.
- A seguir liguei o fogão e deixei ferver até cozerem as cascas – até ficarem moles – à volta de 30 a 40 minutos. Depois do arrefecimento da mistela resultante espremi o saquinho o mais que pude, para se aproveitarem os sucos lá de dentro.
- Finalmente juntei 1,5 quilos de açúcar branco e deixei ferver, mexendo, até fazer ponto. Esta última parte não foi assim tão fácil porque esteve imenso tempo a ferver e ficou muito líquido. Hoje de manhã foi outra vez ao lume e ficou com ponto a mais. Portanto só à terceira vez é que ficou bem (foi outra vez ao lume com um pouquinho de água, para que o ponto ficasse certo).
Já enfrasquei e já provei. Está uma delííííícia......!
Não tenho feito pão, nem bolos, nem compotas, nem licores, nem nada que se coma, para além do que já fazia antes do confinamento obrigatório – umas saladinhas, uns ovinhos cozidos, enfim, deixo a comida para o expert cá de casa.
Mas ontem resolvi recuperar um pouco da minha veia artística e inventiva e resolvi fazer uma mousse de chocolate, já várias vezes tentada e muitas sem grandes resultados.
Portanto comprei uma tablete de 200 g de chocolate negro com 70% de cacau, parti-o em pedaços para dentro de um tacho, juntei 150 g de açúcar, um bocado de leite do dia gordo (não medi, mas foram cerca de 100 a 150 ml) e, grande acrescento que aprendi por essa internet fora, uma colher de sopa de azeite. Sim, leram bem: uma colher de sopa de um bom azeite. Liguei o fogão baixinho, para o chocolate derreter e não queimar.
Entretanto tinha deixado 6 ovos fora do frigorífico para ficarem à temperatura ambiente – li algures que isso fazia tooooooooda a diferença. Separei as gemas das claras e mexi muito bem as gemas, com uma colher de pau, de forma a que se transformassem num creme amarelado e homogéneo.
Depois do chocolate ficar em papa com o açúcar, o leite e o azeite, tudo muito bem mexido, retirei do lume, deitei lá para dentro um bom golo de licor caseiro de poejo e, devagarinho e mexendo sempre com grande vigor (todas as minhas receitas necessitam e evidenciam enorme vigor), fui juntando o creme das gemas para se irem incorporando na papa de chocolate.
A seguir, sempre com o pensamento estratégico na finalização da dita mousse, que requer mais planeamento que o isolamento viral, bati as claras em castelo bem firme (o castelo, claro) com uma pitada de sal, outro dos grandes segredos mal guardados da culinária ancestral. Mal o castelo se manteve de cabeça para baixo sem sofrer a acção da gravidade, comecei a misturar levemente as claras com o preparado de chocolate, envolvendo-as delicadamente, desta vez sem qualquer vigor, para que a mousse ficasse leve.
Frigorífico com ela e hoje, após deglutir um cabrito que demorou séculos a assar, mas que estava delicioso (do qual não sei a receita porque não meti prego nem estopa na sua confecção), com esparregado e batatinhas novas com casca, foi devidamente apreciada por todos os que partilhamos a almoçarada.
Enfim, mesmo com as ameaças invisíveis que nos rodeiam tratámos de nos banquetear, celebrando a festa de estarmos juntos. E a festa somos sempre nós que a decidimos e escolhemos.
E o mais importante de tudo é a prevenção da infecção pelo COVID-19. Aderindo aos mais saudáveis hábitos nutricionais, fiz um Doce de Tomate que ficou uma especialidade, e que será um escudo contra qualquer tipo de vírus, maleita ou mau olhado.
O tomate que usei foi daquele redondinho e pequeno, que vem em ramadas, e que se chama…. tomate rama! Usei 1500 g já depois de tirar a pele.
Foi tudo o que desperdicei. Com uma faca bem afiada, pois não tenho paciência para os pelar. Também não retirei as sementes nem os espremi, como li em muitas receitas descritas na net.
Portanto descasquei os ditos, cortei-os em pedacinhos pequenos e juntei 1000 g de açúcar amarelo, 4 paus de canela, 4 cravinhos, casca e sumo de 1 limão.
Ficou no fogão a borbulhar durante um bom bocado. Quando começou a ficar menos líquido, retirei a canela e os cravinhos e, com a varinha mágica, reduzi tudo a um puré. Bem, não ficou totalmente moído, mas eu até prefiro assim. Voltou ao lume até fazer ponto de estrada e ficou pronto.
Não há vírus que lhe resista! Com torradinhas e queijo fresco, é a imunidade total!
A verdade é que o meu espírito natalício custa cada vez mais a chegar e chega cada vez mais tarde. Mas o tempo urge. Hoje dei início às hostilidades.
Os cabazes cá de casa estão esqueléticos e anémicos, literalmente, pois o licor de pêssego, embora delicioso, tem uma cor ligeiramente descorada.
Portanto este ano experimenta-se o doce de dióspiro. Este é um fruto que sempre evitei, pela sua textura e aparência demasiado gelatinosa, até ao ano passado, altura em que o experimentei (o de roer) e fiquei fã.
Como cá em casa tudo se transforma em compotas e licores, lá descasquei e cortei em pedacinhos 1,5 Kg de dióspiros que coloquei num enorme tacho com 1 Kg de açúcar, sumo e casaca de 1 laranja, 3 paus de canela e uns goles de moscatel de Setúbal.
Depois de fervilhar fazendo espuma durante algum tempo, resolvi reduzir a puré com a varinha mágica e deixar ferver mais um pouco.
Agora está a aguardar que arrefeça, para ver se necessita de voltar ao lume. Os frasquinhos serão cheios e rotulados para rechear os frugais cabazes, que serão saudáveis, naturais e sustentáveis - tudo muito bio e artesanal, para não ferir a economia circular - discurso muito em voga, seja lá o que for que significa.
Tenho um problema com o rechear do peru ou, mais precisamente, de qualquer tipo de carne. Já há uns anos tentei um rolo de carne que saiu horrível, com a carne dura e rígida, qual cesto de madeira, com as cenouras e o ovo a escaparem indecentemente do abraço apertado das ataduras.
Mas não sou de desistir facilmente. A perna de peru já estava desossada pelo talhante, para receber o maravilhoso recheio que fiz: cebola, alho, salsa, pimento amarelo, cenoura, cogumelos, bacon, tâmaras, azeitonas, filetes de anchova (a ordem dos factores é arbitrária), tudo muito picadinho, regado com um fiozinho de azeite, vinho tinto e vinho do Porto, temperado com pimenta, cominhos e muito escasso sal, tudo envolvido numa alheira, (à qual tirei a pele, essa sim, só no fim).
Estava mesmo uma especialidade mas, quando tentei colocar o dito a meio do membro da grande ave galinácea, dobrando a perna sobre si mesma com a ajuda de uns fios próprios para o efeito (que, miraculosamente, estavam na dispensa), foi um desastre. Se atava uma ponta, o recheio fugia pela outra, se apertava a ponta oposta, o recheio fluía pelos lados.
Acabei por rodar a carne peru 180 graus, fazendo do recheio um colchão. Espalhei umas cebolinhas pequeninas no tabuleiro, umas castanhas congeladas, massajei o peru com massa de alho e de pimentão, um pouco de sal, um pouco de azeite, vinho e rodelas de laranja, para além de louro, cobri com papel de alumínio e assei durante cerca de duas horas. A meio da assadura virei o peru, para cozinhar dos dois lados.
Devo dizer que estava fantástico, com o exo-recheio misturado no molho, nas castanhas e nas cebolinhas. O esparregado (daqueles congelados já pré-cozinhados) serviu de acompanhamento saudável e vegetariano, enfim, uma perfeição.
Mesmo tendo saído vitoriosa desta provação, o problema do recheio mantém-se irresolúvel. Talvez para o ano já tenha inventado uma nova fórmula para o fazer. Os doces, os licores e o café remataram a refeição, tendo todos os comensais, após interrogação personalizada e universal (o que foi muito mal interpretado como bulling culinário) acenado e emitido vários ruídos com óbvio significado aprovador.
Neste domingo chuvoso, em que as notícias do Brasil, da Alemanha, da Síria, da Catalunha, da nossa própria falta de prioridades e de estratégias para um desenvolvimento económico e social assente no conhecimento, na inovação, nas artes, no património, na natureza, nos deixam tão escuros e frios como o tempo, resolvi dedicar-me à confecção do jantar.
Entretida a usar as mãos, a mente fica livre. Aproveito o silêncio e a conversa comigo própria, preparando a semana, lembrando-me do que falta fazer, dos compromissos e das decisões a tomar. O calor do fogão é um excelente contraponto à saraivada que fustiga a janela e os cheiros apaziguam as preocupações e as ansiedades.
Inspirando-me numa receita que vi no canal 24-Kitchen, mas com as minhas pequenas alterações, coloquei oito lombinhos de pescada congelada num tacho, sentados numa cama de cebola, alho, pimento vermelho (picados fininhos) e azeite, temperados com sal, pimenta e salsa (também picadinha). Enquanto a pescada guisava, deitei uma mandioca e uma batata doce cortadas aos pedacinhos num tacho com água e sal, para cozerem.
Quando estavam bem cozidas, retirei-lhes a água e esmaguei-as com um garfo, misturando bem. Depois desfiz os lombinhos da pescada e juntei, com o molho todo, ao puré de batata doce e mandioca. Mexi muito bem com dois ovos inteiros, para ficar uma papa, rectifiquei os temperos, e moldei uns pastelinhos idênticos aos de bacalhau. Fiz como a minha avó fazia, com duas colheres de sopa. É demorado mas ficam bem. No fim foi só fritar os bolinhos em óleo. Bem sei que se devem evitar os fritos, mas eu não os comia desde o Natal!
Acompanhei com salada de várias alfaces, precedidos de uma sopa de couve-flor, abóbora e courgette, temperada com sal, cominhos e salsa. Também com as sopas adoptei um truque que aprendi com o Chefe Avillez: deixar os legumes amolecerem em cebola, alho e um fio de azeite e, só depois, cobrir com água e cozer; a seguir pode-se triturar e rectificar a consistência e os temperos. Ficam bastante saborosas.
Convenhamos que foi trabalhoso. Mas cá em casa gostaram. Penso que até respiraram de alívio, pois as minhas incursões culinárias são sempre motivo de grande apreensão familiar...
Não percebo muito bem porquê, devo acrescentar.
Aqui há umas semanas, por motivos que não vêm ao caso, fiquei em casa com um caixote de belos e perfumados morangos. Incapazes de os comermos a tempo de não se estragarem, resolvi congelá-los.
Resolvi experimentar fazer um gelado de morango. Descongelei-os (ficaram um pouco mirrados e a nadar na água que largaram), triturei-os com a varinha mágica (com a respectiva água), tudo junto com o peso de 1 kg; juntei 500 g de açúcar e, à parte, bati 600 ml de natas até ficarem espessas. Incorporei as natas batidas na papa de morangos açucarados, distribuí por caixas e congelei. Para regar o gelado, derreti chocolate negro (70% de cacau) com um pouco de leite e umas colheres de açúcar (uma 3, de sopa).
Ficou maravilhoso. Só faltou o crocante. Ainda tenho mais uns tantos congelados, talvez me atreva a outra coisa qualquer.
Entretanto alguns dos frascos de compota de abóbora que tardam em ser deglutidos também foram reciclados em gelado. No fundo o princípio é o mesmo. Juntei o doce às natas batidas (na mesma proporção) e congelei. Ainda ficou melhor, mesmo sem molho e sem crocante. Fica mais cremoso que o de morango.
Enfim, um estrondo.
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