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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Salvador Dalí (1971)
Não apagues essa luz
Que a noite não se detém
E eu quero ver Jesus
Com o brilho que ele tem
Não apagues a lareira
Que a noite não se detém
E no lume da fogueira
Nasce a estrela de Belém
Não feches o cortinado
Que a noite não se detém
E este fogo ateado
Reconforta quem lá vem
Não desfaças já a mesa
Que a noite não se detém
E quem chegar de surpresa
Será servido também
Não temas a solidão
Que a noite não se detém
Na concha da tua mão
O mundo sabe tão bem
Salvador Dali
Sem presentes nem lareira
Sem fé nem religião
Quero ter à minha beira
Uma luz de imensidão
Pode ser o teu olhar
Ou o quente de um abraço
O silêncio a estalar
No recanto do meu espaço
Mas se à porta for bater
Qualquer coisa de divino
A quem assim me quiser
Viajante ou peregrino
Faremos da companhia
A festa da Consoada
Carinho que se confia
À família ofertada
Se um dia eu souber
Ter a alma aquietada
E se o Cristo renascer
Da Palavra anunciada
Talvez a luz ilumine
Os cantos da solidão
Talvez Jesus me ensine
A curva da mansidão
A sorte que tenho em vida
No tempo de ser quem sou
A refeição repartida
Com todos a quem me dou
E então será de Natal
O rumor da madrugada
E a ventura sem igual
Que é amar e ser amada
Ao Menino quero dar
Um bocadinho de céu
Uma lua de brincar
Um cantinho que é só meu
Ao Menino quero dar
As estrelas que hão-de vir
Uma cama de embalar
Uma manta pro cobrir
Ao Menino quero dar
Um colinho pra dormir
Uma fada de encantar
Uma rosa pra florir
Ao Menino quero dar
O nascer da madrugada
Uma vida pra lutar
Uma pena e uma espada
Ao Menino quero dar
O meu peito bem aberto
Para que possa enganar
Um destino mais que certo
Ao Menino quero dar
Os meus braços no final
Para que o possa ninar
Nesta noite de Natal
Fui à feira dos afectos
que se vendem bem baratos
mas os meus predilectos
estavam já desbotados.
Fui à loja dos carinhos
para enfeitar a amizade
achei apenas uns ninhos
de cinismo e má vontade.
Onde estão os corações
os abraços e a bondade?
Onde andam as canções
paz e solidariedade?
Voltei a casa cansada
de tanto buscar em vão
as luzes claras da estrada
acesas num turbilhão.
Mas a porta estava aberta
nos teus olhos de Natal
com amor na dose certa
sem hora nem ritual.
No teu enlace a quentura
conforto de quem se quer
nesta festa de ternura
Jesus já pode nascer.
Salvador Dali -1960
Viro o Natal do avesso
examino-lhe as costuras
corto estrelas em excesso
aconchego nas suturas.
Fui ao mato buscar lenha
para acender a lareira
sem amor que me sustenha
arde a alma na fogueira.
Abri a porta da casa
ao Menino que nasceu
há um mundo que extravasa
a tristeza que há no meu.
Parti o pão que me deste
bebi da água e do vinho
meu Menino que nasceste
rodeado de azevinho.
Viro o Natal do direito
e penteio-lhe a nervura
verde lindo e sem defeito
polvilhado de ternura.
Oh meu menino de oiro
minha alminha tão nobre
quem te deu como tesoiro
uma vida que é de pobre.
Oh meu perfeito menino
que és tão puro e natural
quem te deu como destino
lavar o mundo do mal.
Oh meu menino Jesus
que nasces todos os anos
que carregas uma cruz
de tristezas e enganos
Oh meu menino querido
não te afastes de nós
neste tempo desabrido
em que nos sentimos sós.
Oh meu menino tisnado
que secas o nosso pranto
a dormir tão descansado
no embalo deste canto.
Oh meu menino de trigo
seara da minha vida
que possas sentir abrigo
nesta voz enternecida.
Oh meu menino moreno
que sofres com meu penar
que possas ser o sereno
da noite que me levar.
Procuro a balada lenta
nesta noite abençoada,
no centro de uma tormenta
a bonança aconchegada.
Centramos as nossas vidas
na mesa da consoada,
lá fora há mãos estendidas
e sonhos sem alvorada.
Não sei se é o destino
que abre as portas à luz,
nem sei se um pobre menino
se chama sempre Jesus.
Mas sei que brilha uma chama
que desafia a razão:
é o calor de quem ama
e arde na solidão.
Stefano di Giovanni
Quero dar ao meu amor
um fio do meu cabelo
ternura branca de dor
rugas fundas em novelo.
Minha alma estendida
umas mãos cheias de nada
o resto da minha vida
a seu lado ancorada.
A doçura da romã
quero dar ao meu amado
o respirar da manhã
rumor do campo acordado.
Quando chegar o Natal
com a penúria enfeitada
em poeira de cristal
serei a noite encantada.
E enquanto o tempo quiser
serão meus braços seu manto
sempre que o céu mantiver
o tom cinzento de pranto.
E enquanto o tempo poisar
no ombro do nosso amor
nos dias que irão faltar
o mundo será melhor.
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