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Barco negro

por Sofia Loureiro dos Santos, em 15.09.24

Caco Velho & David Mourão Ferreira

 

De manhã, que medo, que me achasses feia!
Acordei, tremendo, deitada n'areia
Mas logo os teus olhos disseram que não,
E o sol penetrou no meu coração.

Vi depois, numa rocha, uma cruz,
E o teu barco negro dançava na luz
Vi teu braço acenando, entre as velas já soltas
Dizem as velhas da praia, que não voltas:

São loucas! São loucas!

Eu sei, meu amor,
Que nem chegaste a partir,
Pois tudo, em meu redor,
Me diz qu'estás sempre comigo.

No vento que lança areia nos vidros;
Na água que canta, no fogo mortiço;
No calor do leito, nos bancos vazios;
Dentro do meu peito, estás sempre comigo.

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publicado às 01:10

Funeral Blues

Stop all the clocks

por Sofia Loureiro dos Santos, em 08.09.24

auden.jpg

Sam Walsh

Nemo Shaw

 

Stop all the clocks, cut off the telephone,

Prevent the dog from barking with a juicy bone,

Silence the pianos and with muffled drum

Bring out the coffin, let the mourners come.

 

Let aeroplanes circle moaning overhead

Scribbling on the sky the message 'He is Dead'.

Put crepe bows round the white necks of the public doves,

Let the traffic policemen wear black cotton gloves.

 

He was my North, my South, my East and West,

My working week and my Sunday rest,

My noon, my midnight, my talk, my song;

I thought that love would last forever: I was wrong.

 

The stars are not wanted now; put out every one,

Pack up the moon and dismantle the sun,

Pour away the ocean and sweep up the wood;

For nothing now can ever come to any good.

 

W. H. Auden

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publicado às 18:16

El tesoro

O tesouro

por Sofia Loureiro dos Santos, em 15.08.24

azul el agua amalia bautista.jpg

 

Nunca he tenido nada

y ahora tengo todavía menos.

Cada vez menos.

Restas de nada

que van dejando nada en mis bolsillos,

en mis cajones, en mi avara memoria.

Atesoro el tesoro

que nada vale para los demás.

Cruzo los dedos para que me dure

la cotidiana posibilidad

de darte el beso de las buenas noches

y el de los buenos días.

 

[Amalia Bautista in Azul el agua

La Bella Varsovia - 2022]

 

Nunca tive nada

e agora tenho menos ainda.

Cada vez menos.

Sobras de nada

que vão deixando nada nos meus bolsos,

nas minhas gavetas, na minha avara memória.

Valorizo ​​​​o tesouro

que nada vale para os outros.

Cruzo os dedos para que dure

a quotidiana possibilidade

de te dar um beijo de boas noites

e um de bons dias.

 

[Tradução minha]

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publicado às 10:00

Oração pelos amigos

Aos meus queridos amigos

por Sofia Loureiro dos Santos, em 21.07.24

bonds of friendship.jpg

Bonds of Friendship

John Robinson

 

Obrigado, Senhor, pelos amigos que nos deste.

Os amigos que nos fazem sentir amados sem porquê.

Que têm o jeito especial de nos fazer sorrir.

Que sabem tudo de nós, perguntando pouco.

Que conhecem o segredo das pequenas coisas que nos deixam felizes.

Obrigado, Senhor, por essas e esses, sem os quais, caminhar pela vida não seria o mesmo.

Que nos aguentam quando o mundo parece um sítio incerto.

Que nos incitam à coragem só com a sua presença.

Que nos surpreendem, de propósito, porque acham mal tanta rotina.

Que nos dão a ver um outro lado das coisas, um lado fantástico, diga-se.

Obrigado pelos amigos incondicionais.

Que discordam de nós permanecendo connosco.

Que esperam o tempo que for preciso.

Que perdoam antes das desculpas.

Essas e esses são os irmãos que escolhemos.

Os que colocas a nosso lado para nos devolverem a luz aérea da alegria.

Os que trazem, até nós, o imprevisível do teu coração, Senhor.

 

[Cardeal José Tolentino Mendonça]

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publicado às 10:49

Ao desconcerto do mundo

por Sofia Loureiro dos Santos, em 18.02.24

luis de camoes.jpg

Luís de Camóes

António Soares

 

Os bons vi sempre passar

No mundo graves tormentos;

E para mais m´espantar,

Os maus vi sempre nadar

Em mar de contentamentos.

Cuidando alcançar assim

O bem tão mal ordenado.

Fui mau, mas fui castigado:

Assim que: só para mim

Anda o mundo concertado

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publicado às 20:44

Cada um cumpre o destino que lhe cumpre

por Sofia Loureiro dos Santos, em 04.02.24

fate lines.jpg

Valeriy Osmakov

 

Cada um cumpre o destino que lhe cumpre.

E deseja o destino que deseja;

                Nem cumpre o que deseja,

                Nem deseja o que cumpre.

 

Como as pedras na orla dos canteiros

O Fado nos dispõe, e ali ficamos;

                Que a Sorte nos fez postos

                Onde houvemos de sê-lo.

 

Não tenhamos melhor conhecimento

Do que nos coube que de que nos coube.

                Cumpramos o que somos.

                Nada mais nos é dado.


[Ricardo Reis]

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publicado às 20:44

Enquanto

por Sofia Loureiro dos Santos, em 30.09.23

enquanto.jpg

Enquanto

 

Enquanto houver um homem caído de bruços no passeio

e um sargento que lhe volta o corpo com a ponta do pé

para ver como é;

enquanto o sangue gorgolejar das artérias abertas

e correr pelos interstícios das pedras,

pressuroso e vivo como vermelhas minhocas despertas;

enquanto as crianças de olhos lívidos e redondos como luas,

órfãs de pais e de mães,

andarem acossadas pelas ruas

como matilhas de cães;

enquanto as aves tiverem de interromper o seu canto

com o coraçãozinho débil a saltar-lhes do peito fremente,

num silêncio de espanto

rasgado pelo grito da sereia estridente;

enquanto o grande pássaro de fogo e alumínio

cobrir o mundo com a sombra escaldante das suas asas

amassando na mesma lama de extermínio

os ossos dos homens e as traves das suas casas;

enquanto tudo isto acontecer, e o mais que se não diz por ser verdade,

enquanto for preciso lutar até ao desespero da agonia,

o poeta escreverá com alcatrão nos muros da cidade:

ABAIXO O MISTÉRIO DA POESIA

António Gedeão

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publicado às 15:32

Da simplicidade

por Sofia Loureiro dos Santos, em 07.08.23

emily amalia.jpg

Parece tão simples e lógico. Ditas pelo Papa as palavras têm uma ressonância ligada à fé, aos preceitos dos que pertencem a uma comunidade religiosa.

Mas o que o Papa disse, de uma forma assertiva e, para a Igreja, revolucionária, é exactamente o fundamento do cristianismo e de todos os que olham para a vida e lhe vêm a essência, o que, de facto, importa.

Uma sociedade inclusiva, que olha e toma conta dos que mais necessitam, que não distingue a etnia, a cor, a religião, o estatuto, o poder, seja ele de que tipo for, uma sociedade que dá mais importância ao outro que a si próprio, que divide, que partilha, que é tolerante, que é livre.

Amar e ser amado, fazer alguma coisa por alguém.

Parece tão simples e lógico.

 

IF I CAN STOP ONE HEART FROM BREAKING

 

If I can stop one heart from breaking,

I shall not live in vain;

If I can ease one life the aching,

Or cool one pain,

Or help one fainting robin

Unto his nest again,

I shall not live in vain.

[Emily Dickinson]

 

AL CABO

 

Al cabo, son muy pocas las palabras

que de verdade nos duelen, y muy pocas

las que consiguen alegrar el alma.

Y son también muy pocas las personas

que mueven nuestro corazón, y menos

aún las que lo mueven mucho tiempo.

Al cabo, son poquísimas las cosas

que de verdad importan en la vida:

poder querer a alguien, que nos quieran

y no morir después que nuestros hijos.

[Amalia Bautista]

 

E é sempre tão difícil.

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publicado às 15:51

Assim o amor

por Sofia Loureiro dos Santos, em 06.11.22

sofia_melo_breyner.jpg

Sophia de Mello Breyner Andresen

 

Assim o amor

Espantando meu olhar com teus cabelos

Espantando meu olhar com teus cavalos

E grandes praias fluidas avenidas

Tardes que oscilavam demoradas

E um confuso rumor de obscuras vidas

E o tempo sentado no limiar dos campos

Com seu fuso sua faca e seus novelos

 

Em vão busquei eterna luz precisa

 

Sophia de Mello Breyner Andresen

in Geografia, 1967

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publicado às 21:07

Verbo Feminino

por Sofia Loureiro dos Santos, em 24.09.22

Verbo feminino.jpg

É difícil falar do recital de Natália Luísa e Rui Rebelo, no Teatro Meridional.

É difícil encontrar palavras para esta celebração da palavra das poetas dos vários espaços da Lusofonia.

É difícil explicar o sentimento de pertença, a sensação do maravilhoso, o escutar da voz da Natália tão bem acompanhada pela discreta e simples música de Rui Rebelo, da luz, do cenário, da elegância, da sensibilidade, da qualidade e variedade dos poemas ditos, interpretados, vividos.

Mas é muito fácil saber o porquê desta magia, do encantamento em que nos envolve a Natália. Do trabalho de pesquisa, da beleza de tudo o que faz.

E é fácil encontrar o espírito de luta, irmandade e solidariedade, mesmo na solidão e na revolta.

Que grande espectáculo, simbolicamente dedicado às mulheres iranianas.

Parabéns ao Meridional, ao Rui Rebelo e, sobretudo, à Natália.

Que privilégio poder assistir a este Recital!

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publicado às 22:32


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