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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Caco Velho & David Mourão Ferreira
De manhã, que medo, que me achasses feia!
Acordei, tremendo, deitada n'areia
Mas logo os teus olhos disseram que não,
E o sol penetrou no meu coração.
Vi depois, numa rocha, uma cruz,
E o teu barco negro dançava na luz
Vi teu braço acenando, entre as velas já soltas
Dizem as velhas da praia, que não voltas:
São loucas! São loucas!
Eu sei, meu amor,
Que nem chegaste a partir,
Pois tudo, em meu redor,
Me diz qu'estás sempre comigo.
No vento que lança areia nos vidros;
Na água que canta, no fogo mortiço;
No calor do leito, nos bancos vazios;
Dentro do meu peito, estás sempre comigo.
Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.
Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message 'He is Dead'.
Put crepe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.
He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last forever: I was wrong.
The stars are not wanted now; put out every one,
Pack up the moon and dismantle the sun,
Pour away the ocean and sweep up the wood;
For nothing now can ever come to any good.
Nunca he tenido nada
y ahora tengo todavía menos.
Cada vez menos.
Restas de nada
que van dejando nada en mis bolsillos,
en mis cajones, en mi avara memoria.
Atesoro el tesoro
que nada vale para los demás.
Cruzo los dedos para que me dure
la cotidiana posibilidad
de darte el beso de las buenas noches
y el de los buenos días.
[Amalia Bautista in Azul el agua
La Bella Varsovia - 2022]
Nunca tive nada
e agora tenho menos ainda.
Cada vez menos.
Sobras de nada
que vão deixando nada nos meus bolsos,
nas minhas gavetas, na minha avara memória.
Valorizo o tesouro
que nada vale para os outros.
Cruzo os dedos para que dure
a quotidiana possibilidade
de te dar um beijo de boas noites
e um de bons dias.
[Tradução minha]
Bonds of Friendship
Obrigado, Senhor, pelos amigos que nos deste.
Os amigos que nos fazem sentir amados sem porquê.
Que têm o jeito especial de nos fazer sorrir.
Que sabem tudo de nós, perguntando pouco.
Que conhecem o segredo das pequenas coisas que nos deixam felizes.
Obrigado, Senhor, por essas e esses, sem os quais, caminhar pela vida não seria o mesmo.
Que nos aguentam quando o mundo parece um sítio incerto.
Que nos incitam à coragem só com a sua presença.
Que nos surpreendem, de propósito, porque acham mal tanta rotina.
Que nos dão a ver um outro lado das coisas, um lado fantástico, diga-se.
Obrigado pelos amigos incondicionais.
Que discordam de nós permanecendo connosco.
Que esperam o tempo que for preciso.
Que perdoam antes das desculpas.
Essas e esses são os irmãos que escolhemos.
Os que colocas a nosso lado para nos devolverem a luz aérea da alegria.
Os que trazem, até nós, o imprevisível do teu coração, Senhor.
[Cardeal José Tolentino Mendonça]
Luís de Camóes
Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E para mais m´espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado.
Fui mau, mas fui castigado:
Assim que: só para mim
Anda o mundo concertado
Cada um cumpre o destino que lhe cumpre.
E deseja o destino que deseja;
Nem cumpre o que deseja,
Nem deseja o que cumpre.
Como as pedras na orla dos canteiros
O Fado nos dispõe, e ali ficamos;
Que a Sorte nos fez postos
Onde houvemos de sê-lo.
Não tenhamos melhor conhecimento
Do que nos coube que de que nos coube.
Cumpramos o que somos.
Nada mais nos é dado.
[Ricardo Reis]
Enquanto houver um homem caído de bruços no passeio
e um sargento que lhe volta o corpo com a ponta do pé
para ver como é;
enquanto o sangue gorgolejar das artérias abertas
e correr pelos interstícios das pedras,
pressuroso e vivo como vermelhas minhocas despertas;
enquanto as crianças de olhos lívidos e redondos como luas,
órfãs de pais e de mães,
andarem acossadas pelas ruas
como matilhas de cães;
enquanto as aves tiverem de interromper o seu canto
com o coraçãozinho débil a saltar-lhes do peito fremente,
num silêncio de espanto
rasgado pelo grito da sereia estridente;
enquanto o grande pássaro de fogo e alumínio
cobrir o mundo com a sombra escaldante das suas asas
amassando na mesma lama de extermínio
os ossos dos homens e as traves das suas casas;
enquanto tudo isto acontecer, e o mais que se não diz por ser verdade,
enquanto for preciso lutar até ao desespero da agonia,
o poeta escreverá com alcatrão nos muros da cidade:
ABAIXO O MISTÉRIO DA POESIA
António Gedeão
Parece tão simples e lógico. Ditas pelo Papa as palavras têm uma ressonância ligada à fé, aos preceitos dos que pertencem a uma comunidade religiosa.
Mas o que o Papa disse, de uma forma assertiva e, para a Igreja, revolucionária, é exactamente o fundamento do cristianismo e de todos os que olham para a vida e lhe vêm a essência, o que, de facto, importa.
Uma sociedade inclusiva, que olha e toma conta dos que mais necessitam, que não distingue a etnia, a cor, a religião, o estatuto, o poder, seja ele de que tipo for, uma sociedade que dá mais importância ao outro que a si próprio, que divide, que partilha, que é tolerante, que é livre.
Amar e ser amado, fazer alguma coisa por alguém.
Parece tão simples e lógico.
IF I CAN STOP ONE HEART FROM BREAKING
If I can stop one heart from breaking,
I shall not live in vain;
If I can ease one life the aching,
Or cool one pain,
Or help one fainting robin
Unto his nest again,
I shall not live in vain.
[Emily Dickinson]
AL CABO
Al cabo, son muy pocas las palabras
que de verdade nos duelen, y muy pocas
las que consiguen alegrar el alma.
Y son también muy pocas las personas
que mueven nuestro corazón, y menos
aún las que lo mueven mucho tiempo.
Al cabo, son poquísimas las cosas
que de verdad importan en la vida:
poder querer a alguien, que nos quieran
y no morir después que nuestros hijos.
[Amalia Bautista]
E é sempre tão difícil.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Assim o amor
Espantando meu olhar com teus cabelos
Espantando meu olhar com teus cavalos
E grandes praias fluidas avenidas
Tardes que oscilavam demoradas
E um confuso rumor de obscuras vidas
E o tempo sentado no limiar dos campos
Com seu fuso sua faca e seus novelos
Em vão busquei eterna luz precisa
Sophia de Mello Breyner Andresen
in Geografia, 1967
É difícil falar do recital de Natália Luísa e Rui Rebelo, no Teatro Meridional.
É difícil encontrar palavras para esta celebração da palavra das poetas dos vários espaços da Lusofonia.
É difícil explicar o sentimento de pertença, a sensação do maravilhoso, o escutar da voz da Natália tão bem acompanhada pela discreta e simples música de Rui Rebelo, da luz, do cenário, da elegância, da sensibilidade, da qualidade e variedade dos poemas ditos, interpretados, vividos.
Mas é muito fácil saber o porquê desta magia, do encantamento em que nos envolve a Natália. Do trabalho de pesquisa, da beleza de tudo o que faz.
E é fácil encontrar o espírito de luta, irmandade e solidariedade, mesmo na solidão e na revolta.
Que grande espectáculo, simbolicamente dedicado às mulheres iranianas.
Parabéns ao Meridional, ao Rui Rebelo e, sobretudo, à Natália.
Que privilégio poder assistir a este Recital!
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