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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Vincent Van Gogh
Tenho uma casa assombrada
Pelos ecos do passado
A verdade abandonada
O poema censurado
Tenho uma casa cinzenta
Com ramos de realidade
Onde se guarda e sustenta
O fogo da liberdade
Tenho uma casa encantada
De armas que se calaram
De ventos na madrugada
De mãos que não se negaram
Tenho uma casa encarnada
Para quem quiser entrar
Seja o fim da caminhada
Seja a voz a desfilar
Tenho uma casa vestida
Dos cravos que inventamos
Flutuam pela avenida
No futuro que criamos
Alfazema
1.
Concentrar a vida em alfazema
A sua cor perfume capacidade de serenar
A possibilidade de encher o vazio instalado
A metade que falta de colorir a inquietude
E o negrume das sombras
Concentrar a vida nas pequenas e fugazes
Alegrias no abraço inesperado nas raras sensações de realização
Janelas e suaves cantares de aves
O murmúrio aconchegante de outros ocupando lentamente
A aridez à minha volta
Concentro-me em respirar
Na cumplicidade muda
Da flor
2.
São sinais de roxo mantos
Lençóis de penitência
No pecado do esquecimento
É preferível o vermelho da liberdade
O verde da aventura
Nem roxo nem paixão
Aventura
Dente de Leão
Quando Vier a Primavera
Alberto Caeiro
Pedro Lamares
Vamos regressando, dia a dia, àquela esperança que nos liberta. A música das palavras encanta-nos eleva-nos para outro espaço, outra vida, no paralelo de mundos e sentidos que, tantas vezes, ignoramos.
Primaveras, poesias, música, árvores, dias que se juntam num só, chamando-nos para a realidade deste mundo, para a alma que pulsa, os braços que anseiam as tarefas de mudar.
Tempos de tão pouca harmonia, tão pouca magia, tão pouca fantasia. Tempos escuros e azedos que temos de afastar. E nas palavras que repetimos como se fosse uma oração, uma reza de duendes e feitiços muito antigos, que nos abrem as mãos para dissipar este triste e cinzento véu que parece ter vindo para ficar.
Vamos construindo, a medo e em silêncio, estas redes que se renovam, fios de seda e lágrimas, teias de cumplicidade e força para que possamos semear a tranquilidade, a serenidade, a vontade de resistir.
Camille Claudel
Van Gogh
Perdida nas palavras que me faltam
no opaco da névoa da tristeza
perdida no silêncio que me envolve
agarro alguns pontos de luz
aqueles com que polvilhaste o meu caminho.
Ainda não conheço o desenho certo
mas hei de lá chegar.
The Lone House (The Empty House)
John R. Grabach
Lentifico os movimentos os gestos os passos
a casa aproxima-se e eu vazia
a chave na porta e o silêncio do outro lado.
Não sei como encher os cantos se a tua voz me falta.
Abro o volume do rádio o mais alto que posso
para que a saudade não me ensurdeça.
Parque do Retiro
Ensaio o passo nas avenidas.
Ensino às articulações
a necessidade do movimento.
Tento o foco no olhar
do que à minha frente se desenha.
Pergunto ao espaço como se equilibra
se os pássaros desapareceram.
No cais da vida espero
A barca do meu amor
Abafo o meu desespero
Asfixio a minha dor
Chegará de madrugada
Guiada pelo clarão
De uma lua iluminada
Pelos olhos da paixão
A alma que se quebrou
No dia em que tu partiste
Em asas se transformou
Num voo que não desiste
No cais desta vida aguardo
O momento de embarcar
Que eu meu amor já não tardo
Na ânsia de te abraçar
O meu amor é de pedra
E mora no vento norte
Tal com a tristeza medra
No leito da sua morte
O meu amor é eterno
E mora na tempestade
Tal como o manto de inverno
Veste de branco a saudade
O meu amor já não parte
No lume da ventania
Tal como a min’ alma arde
Em permanente agonia
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