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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Nunca me preparei para as ausências.
Nas gavetas do meu corpo gestos
de carícia ou separação
guardados num qualquer quarto alugado
da alma em permanência
de gelo e paixão.
Querido Pai Natal,
Querido Menino Jesus,
Penso que não tenho nenhum pedido especial. Também me parece que já devem estar bastante cansados dos pedidos da humanidade, daquela parcela da humanidade que pede e se queixa, pois a outra parte nem sequer tem força para se lembrar das épocas natalícias, ocupada que está a sobreviver.
Por isso esta carta serve apenas para vos dizer que compreendo a enorme vontade que devem ter de despachar esta quadra o mais depressa possível, para que regresse o silêncio e se refaçam as forças para enfrentar mais um ano de penúria, revolta e tristeza perante o que se passa no país e no mundo. E para que o grande intervalo entre este e o próximo Natal seja aproveitado para devolver alguma esperança a quem já desesperou, alguma decência e dignidade a quem a perdeu ou a quem delas foi obrigado a separar-se. E mais que tudo, antes que tudo e a propósito de tudo, que não nos percamos uns dos outros.
Boa Consoada.
PS – Ajudava IMENSO a eleição do PS com maioria absoluta e de um Presidente que nos restaurasse a vontade de resistir.
A solidariedade e o carinho cristãos deixaram de ser sentimentos da intimidade de cada qual, um amor ao próximo íntimo e modesto, apenas conhecido desse próximo e de Deus inspirador de tão santas tendências e convicções, para passar a ser um acontecimento social, propagandeado e apregoado pelos media, com fotos das benfazejas criaturas adequadamente vestidas - ou como se fossem para a ópera ou com a fluorescência dos bombeiros. Alvos de grandes e oportunas reportagens, os desgraçados que tiveram a infelicidade de ser sem-abrigos, novos e envergonhados pobres ou outra qualquer marginalidade, são exibidos sem qualquer pudor para os consumidores de big brothers, condoídos candidatos a qualquer coisa ou empresários com enormes consciências sociais.
Tal é a quantidade de iniciativas para ajudar os desfavorecidos que a noite de Natal não chega para tanto ardor de ajuda e amor, pelo que as ceias começam a 14 de Dezembro, para que as santas e os santos ajudantes de Cristo possam ter a noite de 24 para consoarem na paz do Senhor, nas suas quentinhas casas e com as suas famílias mais ou menos funcionais, tranquilizadas as consciências pelo bem espalhado, deixando os sem-abrigo e as famílias carenciadas com o seu Natal minguante.
Johann Sebastian Bach
Amsterdam Baroque Orchestra & Choir
Kyrie eleison,
Christe eleison,
Kyrie eleison.
Em abono da verdade deve dizer-se que, embora estejam deliciosos, os licores de ameixa e de pêssego não se distinguem muito bem um do outro e não sabem grandemente a qualquer das frutas. Até a cor é muito parecida.
Há apenas um pormenor que os separa - o de pêssego está bastante mais forte que o de ameixa! Mas não há desânimo que me chegue, neste tema (palavra bastante em voga) dos licores. Este fim-de-semana foi a vez de acabar o último, que aguardava pacientemente a sua vez.
Esse foi uma excelente surpresa, porque a fé que tinha nele era escassíssima. É de folha de figueira. Não uma novidade, porque já o tinha feito, mas as folhas que gentilmente me deram não tinham um perfume muito acentuado e eu estava bastante céptica quanto ao resultado final.
Pois está mesmo muito bom. Tem mesmo a cor da folha de figueira, um perfume e um sabor que lembra o figo, está excelente e é fácil de fazer.
Colocam-se as folhas de figueira partidas aos bocadinhos (com as mãos) num frasco de boca larga com a aguardente do costume. Depois de macerar pelo menos 1 mês (eu deixei-as a macerar desde Setembro), côa-se a aguardente (num pano de algodão ou de linho), faz-se um xarope com água, açúcar e raspa de laranja (para 1 litro de água, 750 g de açúcar a ferver durante 15 minutos). Depois junta-se o xarope à aguardente (para cada litro de aguardente, 8 dl de xarope) deixa-se ferver, enfrasca-se e só se rolha quando está frio.
O problema começa a ser a falta de imaginação para tanto verso de pé quebrado!
Como não posso descansar nestes períodos febris… e fabris, também já está pronto o licor de pêssego. A receita é a mesma do de ameixa, é só substituir a palavra (e o fruto) ameixa por pêssego. Agora é preciso arranjar as garrafinhas, os rótulos e as rolhas, o que não é propriamente fácil.
No domingo consegui convencer uma parte da família a ir contemplar as iluminações da Avenida da Liberdade. Não sei que me deu este ano para ter tanta necessidade de impregnar-me de Natal a partir do frio e das cores das luzes penduradas nas árvores, do amarelo cintilante dos desenhos pós modernos que encimam as ruas, dos modelos de sinos e oferendas que nos adoçam os humores, como se a esperança dependesse da encenação de felicidade e de paz.
E lá fomos, numa fila de gente que teve a mesma original ideia, numa lentidão irritante mas que permitiu ver as iluminações com todo o vagar e detalhe, de tal forma que poderia ter contado as lâmpadas de cada um dos enfeites, a todo o comprimento da avenida.
As decorações de casa esperam melhores dias: continuam dentro do saco de compra, bonitas e abandonadas, em perigo de lá adormecerem até Dezembro do próximo ano, tal como as pobres abóboras que minguam dia a dia, sem que me motive a dar-lhes uso.
Tão inevitável como o Natal, são os preparativos natalícios.
Este ano a primeira coisa que preparei foi o espírito. Qual pequeno burguesa cada vez mais assumida, fui ontem jantar a Lisboa para ver as iluminações da baixa da cidade. Desde o dia em que foram inauguradas, em que fui mimoseada com uma montanha de queixas de um taxista do Porto, que aproveitou um frete de Campanhã à Rua do Campo Alegre, numa sexta feira à noite, para proferir impropérios e acusações ao Presidente da Câmara, a São Pedro, ao tempo que não voltava para trás, às ruas fechadas ao trânsito e às decorações de Natal, tão pobrezinhas que só tinham uma cor, fiquei cheia de vontade e me curar dos azedumes que me assolam nesta época do ano.
Nada melhor que ver as ruas de Lisboa com as suas sóbrias decorações natalícias, numa noite gelada de Dezembro, com o aroma das castanhas assadas e o burburinho das várias línguas com que nos cruzamos, para percebermos que o tempo é tão escasso que o melhor é usufruir das pequenas alegrias que nos acontecem, nem que seja a sensação do dever cumprido no fim de uma semana de trabalho, na quieta satisfação da partilha de um passeio com quem se ama.
Estou, portanto, no ponto certo para começar os afazeres da estação: hoje tratei do licor de ameixa, adiando para outra oportunidade as toneladas de abóbora que tenho no canto da cozinha (confesso que já procurei receitas para variar no aproveitamento da dita, pois já não tenho imaginação para inventar mais compotas).
Mas hoje, com a cumplicidade de quem me costuma ajudar nestas lides, fiz o xarope de açúcar (para cada litro de água cerca de 800 g de açúcar, a ferver durante 20 minutos) com um toque de raspa de limão e uma vagem de baunilha, aberta e raspada. Depois de filtrar num pano a aguardente com as cascas e os caroços das ameixas, a macerar desde há alguns meses, juntei os 2 líquidos (a proporção foi de cerca de 800 ml de xarope para cada litro de aguardente), não sem o percalço de ter incendiado o licor no tacho, o que só demonstrou que a aguardente é bastante boa...
Está verdadeiramente uma delícia. O chão peganhento e a cozinha a cheirar a taberna - pequenos efeitos secundários desta tarde trabalhosa mas bastante animada.
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