Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Bansky
Repetir sempre que os ombros se curvam:
Tem que haver um outro país, uma outra gente. Tem que haver uma outra Europa, um outro mundo.
Não é verdade a tristeza e a desesperança. Não é verdade a pobreza e a insegurança.
Tem que haver um outro sonho, uma outra certeza.
Sabemos que é possível, sabemos que o ruído dos fatos surdos, os gestos e os sorrisos mudos de quem coordena marionetas, podem mudar.
Sabemos que tudo muda. Basta juntar os sinos e repicar. Basta juntar as mãos e resistir. Basta abrir a estrada e caminhar.
Tem que haver um outro viver – vamos lutar.
As marcas na madeira como escrita
de vidas sem história.
Estendo-me à beira do rio plantada
de ervas e raízes. Agarro a terra
macia e fácil. Presa estou nos braços
de quem me liberta.
E vai de roda o meu país
corridinho já lá vem
ora ouçam o que ele diz
microfone de Belém.
Vai um passo mais à frente
e três passos mais atrás
um coelho de repente
dá um pulo para trás.
Abre portas sem receio
nesta dança de pigmeus
fecha as portas do recreio
ai Jesus valha-me Deus.
E vai de roda a contradança
neste vira de espantar
sai da roda a esperança
sem vislumbre de voltar.
Soa agora o cavaquinho
vai de roda até fartar
parte a asa pucarinho
que a ordem é casar.
Se é feio e desdentado
tu és coxo lá do siso
vade retro ó danado
que de ti já não preciso.
E vai de roda o meu país
corridinho do desdém
ninguém liga ao que ele diz
microfone de Belém.
Almada Negreiros
Partida de Emigrantes
O meu país divide-se em sílabas
- por - ele tudo de nada acontece. Afunda-se
encolhe-se enruga-se esvazia-se em gente
mole e arrastada – tu - e eu manchamos a terra.
O meu país divide-nos e abre
os rios por onde se espalha e cresce
em múltiplas sílabas de dor – gal - de fim
afinal
Portugal.
Laury Dizengremel
Tenho tanta pressa no apagar
dos sentidos no reacender da alma
que me foge como se quisesse fintar
o tempo que me falta a luz
que incendeia o teu olhar.
Grant Berg
Aproximo-me da noite em caminhos de curvas
mas na estreita direcção do tempo. A distância
encurta os passos alongados das árvores
que em ciclos de folhas refazem a eternidade.
Eva Rothschild
Procuro arder no gelo que à minha volta
forma gotículas de sangue e adormecimento.
Encontro chamas de aço em irracionais amarras
que no absurdo das esquinas abrem abismos.
Sem braços que empurrem nem ombros
que levantem a eterna condição de querer.
1.
Inclinada a cidade esvai-se
sangra pelas ruas em pedras rolantes
e passos cansados exausta
de mundo de inverno de pó.
2.
Ficamos sentados à beira do tempo
desistentes da vida assistimos
ao dobrar dos troncos
ao vergar das nuvens.
3.
Desenhei num mapa que só tu entendes
os cruzamentos em que alongamos
imensas e surdas despedidas.
Wendy Dunder
Sabia que a olhavam de lado, como a uma louca. Sabia que era louca, mas apenas por ser racional.
Começou a falar consigo desde muito cedo. O silêncio da casa, o enorme espaço vazio à sua volta, a todas as horas do dia, em todos os gestos que ecoavam a solidão. Parecia que as vozes dentro de si rebentavam, enchiam o mundo, entonteciam. Não conseguia distinguir os pensamentos dos sons exteriores a si, do mundo.
Falar consigo materializava alguém que lhe era intrínseco e que, no entanto, não conhecia. Não precisava de ter um interlocutor, não precisava que se sentasse ao seu lado, que anuísse ou discordasse, que lhe lesse passagens de um livro, que lhe apreciasse a comida, que necessitasse de companhia.
Falar consigo dava-lhe conforto e segurança. Era como uma cadeira que esperava pelo seu descanso.
milagre
Gao Xingjian
Segundo mistério o homem desaba entre
os muros de uma cidade sitiada. À volta
fervem vapores sulfúricos gritam mil cabeças de ganso.
Segundo o mistério que nos desequilibra vale mais
a acidez de uma queda que a extrema volatilidade
das almas.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.
À venda na livraria Ler Devagar