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Meço o tempo pelas palavras/ cada vez mais curtas/ cada vez mais escassas/ cada vez mais duras/ instalando-se o silêncio/ nesta doce melodia/ do esquecimento.
O livro de Fernando Aramburu é avassalador. Muitíssimo bem escrito, narra a vida de duas famílias, e com elas a vida dos bascos, durante a luta pela independência. De um lado os defensores da luta armada do outro as vítimas dessa luta.
O terrível rasgar das relações de amizade, de convívio, de respeito, a separação entre os que dão a vida pela causa e os que são assassinados pela utopia, a pobreza, as complicadas relações humanas atravessadas pela pobreza, pelas diferenças de classes que são como um rio lamacento que vai inundando as consciências.
Uma mãe que fala com Santo Inácio de Loyola, uma esposa que fala com a túmulo do marido, tudo de pedra, tudo frio, a fé que se desmonta e soçobra, o medo, a superação, a resistência e a perda de todas as ilusões.
Um livro tão bom como duro, que remexe nas feridas para as curar.
É raro que a adaptação cinematográfica faça justiça à literatura. Não é este o caso. A série da HBO é fiel ao relato de Fernando Aramburu e dá tons à rigidez da realidade, à crueza das feições torturadas, dos sentimentos afundados, das lágrimas bem fechadas.
Não percam nem um nem outro. À sua maneira é uma história de Natal.
O isolamento, o envelhecimento, a constante procura do porquê de se ser, de se estar, a consciência de existir.
A repetição dos dias, dos pensamentos, das forças, do medir de forças, das memórias, dos desejos, dos momentos de alegria, do conforto da solidão, do vento como companhia, como companheiro, como adversário, como amigo.
O amor e a morte, a morte e o amor, mas não a morte do amor que fica, que sobra, que se instala e se repete.
Tudo se repete, dia a dia, hora a hora, noite a noite, madrugada a madrugada.
O deambular sem organização ou a organização do caos, o pensamento que discorre, que se interroga, que afirma, que se lembra, que sofre, que ama.
A arte das palavras e da imagem, sentir a chuva, a neve, as rochas, as pedras, as flores, a cor, o olhar, a curva dos lábios, a macieza das mãos e dos gestos, a ilha, o longe e a clandestina vida que se vai completando, sempre no caminho contra o vento.
Cristina Carvalho escreve um romance biográfico sobre Ingmar Bergman a partir dos últimos anos da sua vida em Fårö. Personificando Bergman, vestindo-o e mergulhando no seu espírito, Cristina Carvalho mostra-nos a faceta do homem e não a imagem do artista, o homem como a essência do ser artista e não a arte como profissão. Ficamos a conhecer Ingmar Bergman por dentro. Um artista visto por dentro, o homem que se não nega a que o sintam como alguém que se angustia, que tem medo, que se irrita, que persiste, que persiste na busca de si mesmo.
É um livro extraordinário.
É dos livros mais extraordinários que li até hoje, há já muitos anos. Comovente, lindíssimo. De Altino do Tojal.
Patti Smith
Prémios Nobel 20016
Bob Dylan (1964)
Oh, where have you been, my blue-eyed son
And where have you been, my darling young one
I've stumbled on the side of twelve misty mountains
I've walked and I've crawled on six crooked highways
I've stepped in the middle of seven sad forests
I've been out in front of a dozen dead oceans
I've been ten thousand miles in the mouth of a graveyard
And it's a hard, and it's a hard, it's a hard, and it's a hard
It's a hard rain's a-gonna fall
Oh, what did you see, my blue-eyed son
And what did you see, my darling young one
I saw a newborn baby with wild wolves all around it
I saw a highway of diamonds with nobody on it
I saw a black branch with blood that kept drippin'
I saw a room full of men with their hammers a-bleedin'
I saw a white ladder all covered with water
I saw ten thousand talkers whose tongues were all broken
I saw guns and sharp swords in the hands of young children
And it's a hard, and it's a hard, it's a hard, it's a hard
It's a hard rain's a-gonna fall
And what did you hear, my blue-eyed son?
And what did you hear, my darling young one?
I heard the sound of a thunder that roared out a warnin'
Heard the roar of a wave that could drown the whole world
Heard one hundred drummers whose hands were a-blazin'
Heard ten thousand whisperin' and nobody listenin'
Heard one person starve, I heard many people laughin'
Heard the song of a poet who died in the gutter
Heard the sound of a clown who cried in the alley
And it's a hard, and it's a hard, it's a hard, it's a hard
It's a hard rain's a-gonna fall
Oh, what did you meet, my blue-eyed son?
Who did you meet, my darling young one?
I met a young child beside a dead pony
I met a white man who walked a black dog
I met a young woman whose body was burning
I met a young girl, she gave me a rainbow
I met one man who was wounded in love
I met another man who was wounded with hatred
And it's a hard, it's a hard, it's a hard, it's a hard
It's a hard rain's a-gonna fall
And what'll you do now, my blue-eyed son?
And what'll you do now, my darling young one?
I'm a-goin' back out 'fore the rain starts a-fallin'
I'll walk to the depths of the deepest black forest
Where the people are many and their hands are all empty
Where the pellets of poison are flooding their waters
Where the home in the valley meets the damp dirty prison
And the executioner's face is always well hidden
Where hunger is ugly, where souls are forgotten
Where black is the color, where none is the number
And I'll tell it and think it and speak it and breathe it
And reflect it from the mountain so all souls can see it
Then I'll stand on the ocean until I start sinkin'
But I'll know my song well before I start singin'
And it's a hard, it's a hard, it's a hard, it's a hard
It's a hard rain's a-gonna fall
Uma voz que de fora narra a dor, quase sussurrada, quase sem paixão, uma voz apaixonada por um amor que não chega, que não se chega, que não lhe chega.
O sofrimento da antecipação, da espera, do que sabe de antemão que falhará. A transmutação entre o amador e a amada, quando nos damos conta de que o narrador agora é a mulher, aquela por quem se sofre e se desce ao abismo. E a mulher é justificada por si mesma pelas palavras do amador que se funde nela, nas suas razões e nos seus desesperos.
Há um caminho de sofrimento e aproximação, de sofrimento e fusão, de sofrimento e distanciamento, sempre num sussurro lento e triste, por vezes mais arrebatado. O título é particularmente feliz ao aludir a uma observação clínica, em que as palavras encadeadas e ritmadas são o pulsar cardíaco, aquele músculo que mesmo depois de todo o sofrimento resiste a recupera, mais lento e com cicatrizes.
As palavras repetidas sugerem a cadência e o ritmo: aquela mulher, coração, pedra, palavra, casa, amor, espera. A casa como a materialização do corpo e da esperança que se desespera. É uma poesia com uma melodia própria e dolorosa.
Manual de Cardiologia, de Fernando Pinto do Amaral, é um livro absolutamente surpreendente, que nos dói e quase nos redime.
GENUFLEXÓRIO
Soou o meio-dia Entra agora
nessa pequena ermida Dizem ter
talvez quinhentos anos Lá em baixo
a Torre de Belém
Entreabre essa porta
Cinco séculos depois ainda estás
aqui ainda a vês
entrar contigo aqui ainda ouves
o mesmo coração a sua mesma
música
e continuas sem saber porquê
Ajoelha de novo Já não crês?
E todavia ficarás
À espera de uma voz à espera de uma
primeira última luz
Foi grande a surpresa, mas fiquei bastante contente. É uma rotura com o estabelecido, mas justificada. Ainda bem que os tempos estão a mudar.
Come gather 'round people
Wherever you roam
And admit that the waters
Around you have grown
And accept it that soon
You'll be drenched to the bone.
If your time to you
Is worth savin'
Then you better start swimmin'
Or you'll sink like a stone
For the times they are a-changin'.
Come writers and critics
Who prophesize with your pen
And keep your eyes wide
The chance won't come again
And don't speak too soon
For the wheel's still in spin
And there's no tellin' who
That it's namin'.
For the loser now
Will be later to win
For the times they are a-changin'.
Come senators, congressmen
Please heed the call
Don't stand in the doorway
Don't block up the hall
For he that gets hurt
Will be he who has stalled
There's a battle outside
And it is ragin'.
It'll soon shake your windows
And rattle your walls
For the times they are a-changin'.
Come mothers and fathers
Throughout the land
And don't criticize
What you can't understand
Your sons and your daughters
Are beyond your command
Your old road is
Rapidly agin'.
Please get out of the new one
If you can't lend your hand
For the times they are a-changin'.
The line it is drawn
The curse it is cast
The slow one now
Will later be fast
As the present now
Will later be past
The order is
Rapidly fadin'.
And the first one now
Will later be last
For the times they are a-changin'.
Pequeno passeio rumo ao Centro Comercial Vasco da Gama, mais precisamente à FNAC, lugar onde me esperava The mousetrap and other plays, de Agatha Christie, para me preparar condignamente para a próxima viagem à capital londrina, mais precisamente ao St Martin's Theatre, a casa desta peça desde 1974, em cena desde 1952.
Adoro estas pequenas passeatas que transformam um banal almoço numa estimulante conversa. De Londres e do teatro passei a William Shakespeare e às comemorações do 4º centenário da sua morte, com inúmeros colóquios, reedições de obras, estudos histórico-literários, etc., que nos transmitem a importância do autor britânico na literatura e na dramaturgia ocidentais.
E no entanto, a literatura e especificamente o teatro, nos séculos XVI e XVII europeus, muito ficaram a dever aos autores espanhóis, nomeadamente a Lope de Vega e Pedro Calderón de La Barca, assim como ao francês Molière, mais ou menos contemporâneos de Shakespeare.
Mas anterior a todos estes apareceu Gil Vicente, cuja obra eu gostaria muito de ver alguma companhia teatral a revisitar. O nosso Gil Vicente, com o seu Monólogo do Vaqueiro, quase inaugurou a importância social e política do teatro, como espelho do e sátira ao poder e às classes sociais, da linguagem dos simples, das figuras mitológicas, do bem e do mal, enfim, dos grandes temas que nos preocupam.
Não há dúvida que a pressão da língua inglesa explica em parte a notoriedade de Shakespeare e o relativo embaciamento dos autores ibéricos e francês. Mas nos séculos XVI e XVII não seria bem assim, a língua erudita era o latim e as línguas neolatinas muito mais importantes que a inglesa. Nada disto retira o brilhantismo e o génio a Shakespeare. Só é pena não haver o mesmo realce para outros, tão geniais e brilhantes como ele.
Nota: Alguém que comigo partilha passeios e conversas, enviou-me uma informação interessante: é que a primeira peça que a RTP apresentou logo após o início das emissões regulares foi precisamente... Monólogo do Vaqueiro.
Em O Silêncio dos Livros José Tolentino Mendonça falou-nos da necessidade do mesmo para quem trabalha a palavra, dos sentidos, dos paradigmas em mudança, da massificação e do autoritarismo das normas.
Em Não me interpretem mal - os protagonistas do Governo Sombra, da forma bem disposta que lhes é habitual, levantaram o problema da ameaça à liberdade de expressão por parte dos bem intencionados autoritarismos, nomeadamente de esquerda. O incómodo e a ofensa de alguns, minorias ou maiorias, não pode justificar o silenciamento das mais variadas formas de expressão.
Como fugir ao que já foi escrito - interessantíssima tertúlia onde realço João Felgar, que de juiz passou a escritor, contra os avisos de quem lhe disse que tudo já tinha sido escrito, mesmo contra os conselhos de editores que enaltecerem as virtudes, a técnica e a facilidade do género policial, desde que o autor desse a entender escrever sobre casos por si protagonizados, mesmo contra o torcer do nariz editorial sobre temas nunca antes tratados, como as ratazanas do convento de Mafra.
Tradutores, contrabandistas da literatura - uma mesa em que a importância e a delicadeza da tradução foi discutida, assunto a que somos habitualmente alheios e distraídos. E no entanto os tradutores são os responsáveis pela divulgação da maior parte da literatura. Sem eles não nos seria possível termos acesso a livros de outras línguas que não as nossas e a obras de William Shakespeare, traduzidas por Ana Luísa Amaral, ou de Milan Kundera, traduzidas por Inês Pedrosa.
Escrevo o que quero escrever, nunca escrevo o que quero - a partir desta frase contraditória e quase misteriosa, falou-se de liberdade, de política e do comprometimento do escritor ou da sua falta, e da impossibilidade de atingir a perfeição.
Em Escrever é ganhar e perder - assisti a uma magistral lição sobre Literatura e História, pela voz de Miguel Real, sobre os grandes perdedores em vida/ ganhadores após a morte, de 4 escritores portugueses - Luís de Camões, Padre António Vieira, Eça de Queiroz e Fernando Pessoa.
Neste congresso literário, a que assisto pela segunda vez, toquei ao de leve aquele mundo paralelo que tanto me encanta. Os burburinhos, as conversas entre os vários escritores, as histórias contadas com a graça e a confiança de quem já anda nestes mundo há muito tempo, mostram um canto da existência e uma parte da nossa grande riqueza cultural, aquela área em que se deveria investir para melhorar a economia do País. Ainda bem que, finalmente, o Ministro da Cultura esteve presente na sessão de abertura.
Javier Cercas foi o vencedor do Prémio Casino da Póvoa com o livro As leis da fronteira. É um autor que conheço de livros anteriores muitíssimo bons, pelo que estou muito curiosa para ler este e sobretudo o anterior
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