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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Uma das coisas de que mais gostava era licor de ovo (Advocat – Bols) com Trinaranjus de limão. Desde esses anos longínquos, em que nada me fazia mal, que nunca me lembrei de procurar uma receita para fazer eu própria o licor. Há uns meses provei um licor de ovo caseiro, muito bom, feito na Bimby. Eu não tenho Bimby mas decidi procurar uma receita para fazer um licor à minha moda, que seria a novidade deste Natal.
Na internet encontrei várias receitas, e adoptei (adaptando) uma delas:
Na verdade, parece mais de leite do que de ovo, mas vamos ver como ficará!
Mesmo quase em cima dos acontecimentos afadigo-me nos preparativos da época natalícia. Este ano, ainda por cima, tenho o compromisso de preparar iguarias saudáveis e hipocalóricas que, como bem sabemos, são a negação da volúpia e do prazer da degustação gastronómica, e o contrário do espírito peganhento e decadente do Natal.
Mas nada me faz desistir. Sendo assim, aproveitando uma cabazada de abacates que amavelmente me ofereceram, com o recado de que era isso que poderia comer por estes dias, com o compromisso de abater as calorias em fartos e penosos treinos pós pantagruélicas refeições (sem açúcar, sem farinha, sem frituras, etc., coisas a que será deveras difícil obedecer), rumei a destinos desconhecidos no que diz respeito à confecção de compotas.
Inventei uma. Pela cara de um dos habitantes cá de casa não terá sido um êxito retumbante, mas come-se.
Cortam-se as passas aos bocadinhos para dentro de um tacho; a seguir junta-se a raspa de 2 limas; depois cortam-se os abacates ao meio (cerca de 8), retiram-se os caroços e, com uma colher, a polpa que se desfaz à garfada, regando com o sumo das 2 limas, aos poucos; faz-se o mesmo com 3 bananas e põe-se tudo ao lume. Misturam-se umas colheradas de mel (no meu caso 3), a gosto, e deixa-se cozinhar, pelo menos uns 45 minutos, mexendo sempre. No fim reduz-se a puré com a varinha mágica.
Ideal para comer com iogurte (daqueles sem açúcar, sem gordura, sem sabor, enfim), flocos de aveia integrais e sementes de sésamo.
O licor de folha de figueira é a parte herdada da vida de deboche gastronómico, feito com a verdadeira aguardente, as folhas de figueira e açúcar. Maravilhoso.
Amanhã será a vez do ritual do bacalhau, da aletria, das rabanadas, do Natal com gente, conversa e tradição. Tudo é já tradicional, desde o pequeno almoço saboreado na cama, a bonança antes da tempestade, à azáfama de uma tarde passada na cozinha e à noite entre a família e os amigos.
Que todos possam passar um excelente Natal.
Em abono da verdade deve dizer-se que, embora estejam deliciosos, os licores de ameixa e de pêssego não se distinguem muito bem um do outro e não sabem grandemente a qualquer das frutas. Até a cor é muito parecida.
Há apenas um pormenor que os separa - o de pêssego está bastante mais forte que o de ameixa! Mas não há desânimo que me chegue, neste tema (palavra bastante em voga) dos licores. Este fim-de-semana foi a vez de acabar o último, que aguardava pacientemente a sua vez.
Esse foi uma excelente surpresa, porque a fé que tinha nele era escassíssima. É de folha de figueira. Não uma novidade, porque já o tinha feito, mas as folhas que gentilmente me deram não tinham um perfume muito acentuado e eu estava bastante céptica quanto ao resultado final.
Pois está mesmo muito bom. Tem mesmo a cor da folha de figueira, um perfume e um sabor que lembra o figo, está excelente e é fácil de fazer.
Colocam-se as folhas de figueira partidas aos bocadinhos (com as mãos) num frasco de boca larga com a aguardente do costume. Depois de macerar pelo menos 1 mês (eu deixei-as a macerar desde Setembro), côa-se a aguardente (num pano de algodão ou de linho), faz-se um xarope com água, açúcar e raspa de laranja (para 1 litro de água, 750 g de açúcar a ferver durante 15 minutos). Depois junta-se o xarope à aguardente (para cada litro de aguardente, 8 dl de xarope) deixa-se ferver, enfrasca-se e só se rolha quando está frio.
O problema começa a ser a falta de imaginação para tanto verso de pé quebrado!
Como não posso descansar nestes períodos febris… e fabris, também já está pronto o licor de pêssego. A receita é a mesma do de ameixa, é só substituir a palavra (e o fruto) ameixa por pêssego. Agora é preciso arranjar as garrafinhas, os rótulos e as rolhas, o que não é propriamente fácil.
No domingo consegui convencer uma parte da família a ir contemplar as iluminações da Avenida da Liberdade. Não sei que me deu este ano para ter tanta necessidade de impregnar-me de Natal a partir do frio e das cores das luzes penduradas nas árvores, do amarelo cintilante dos desenhos pós modernos que encimam as ruas, dos modelos de sinos e oferendas que nos adoçam os humores, como se a esperança dependesse da encenação de felicidade e de paz.
E lá fomos, numa fila de gente que teve a mesma original ideia, numa lentidão irritante mas que permitiu ver as iluminações com todo o vagar e detalhe, de tal forma que poderia ter contado as lâmpadas de cada um dos enfeites, a todo o comprimento da avenida.
As decorações de casa esperam melhores dias: continuam dentro do saco de compra, bonitas e abandonadas, em perigo de lá adormecerem até Dezembro do próximo ano, tal como as pobres abóboras que minguam dia a dia, sem que me motive a dar-lhes uso.
Tão inevitável como o Natal, são os preparativos natalícios.
Este ano a primeira coisa que preparei foi o espírito. Qual pequeno burguesa cada vez mais assumida, fui ontem jantar a Lisboa para ver as iluminações da baixa da cidade. Desde o dia em que foram inauguradas, em que fui mimoseada com uma montanha de queixas de um taxista do Porto, que aproveitou um frete de Campanhã à Rua do Campo Alegre, numa sexta feira à noite, para proferir impropérios e acusações ao Presidente da Câmara, a São Pedro, ao tempo que não voltava para trás, às ruas fechadas ao trânsito e às decorações de Natal, tão pobrezinhas que só tinham uma cor, fiquei cheia de vontade e me curar dos azedumes que me assolam nesta época do ano.
Nada melhor que ver as ruas de Lisboa com as suas sóbrias decorações natalícias, numa noite gelada de Dezembro, com o aroma das castanhas assadas e o burburinho das várias línguas com que nos cruzamos, para percebermos que o tempo é tão escasso que o melhor é usufruir das pequenas alegrias que nos acontecem, nem que seja a sensação do dever cumprido no fim de uma semana de trabalho, na quieta satisfação da partilha de um passeio com quem se ama.
Estou, portanto, no ponto certo para começar os afazeres da estação: hoje tratei do licor de ameixa, adiando para outra oportunidade as toneladas de abóbora que tenho no canto da cozinha (confesso que já procurei receitas para variar no aproveitamento da dita, pois já não tenho imaginação para inventar mais compotas).
Mas hoje, com a cumplicidade de quem me costuma ajudar nestas lides, fiz o xarope de açúcar (para cada litro de água cerca de 800 g de açúcar, a ferver durante 20 minutos) com um toque de raspa de limão e uma vagem de baunilha, aberta e raspada. Depois de filtrar num pano a aguardente com as cascas e os caroços das ameixas, a macerar desde há alguns meses, juntei os 2 líquidos (a proporção foi de cerca de 800 ml de xarope para cada litro de aguardente), não sem o percalço de ter incendiado o licor no tacho, o que só demonstrou que a aguardente é bastante boa...
Está verdadeiramente uma delícia. O chão peganhento e a cozinha a cheirar a taberna - pequenos efeitos secundários desta tarde trabalhosa mas bastante animada.
Quando desci do escadote com o último frasco de cascas em aguardente, não antevi que eram de pêra. Mais precisamente as laranjas e marmelos travestiram-se de pêra-rocha. Nada de espanto que a hora é de acabar as prendas. Mais um fim de tarde envolta em perfume dionisíaco, a cor amarelo esverdeada do licor de pêra, excelentíssima variação inusitada.
Já está engarrafado e rolhado, mas os rótulos estavam a faltar. Depois de uma noite de descanso, veio a inspiração, desta vez mais nacionalista que politiqueira:
Há que ser divulgar as boas práticas festivas: os licores deste ano resultam da maceração apurada de amoras silvestres, cascas de laranja, sementes e cascas de marmelo em aguardente vínica, desde há 1 ano. Ou seja, os resultantes licores de Amora e de Laranja e Marmelo seguiram a preceito os receituários que já deram provas:
Todos estes passos requerem animação e bom humor, para os quais as variadas provas de degustação contribuem enormemente, principalmente se houver restos das colheitas anteriores para comparar.
Este Natal veste-se de tangerina. Elegante, calorosa, vitaminada, amiga do ambiente, transforma a crise numa nuvem de sorrisos e gestos largos, Natal aberto, louro, doce e vivo.
Receita de licor de tangerina, a preceito e mais sensível a encontro de amigos, mais bem feito a 4 ou 6 mãos, quanto mais bem regada de conversa melhor. As provas múltiplas e repetidas são essenciais.
Não é possível fugir. Estamos a chegar ao Natal, essa época de consumo desbragado e obrigatoriedade de bondade, sorriso e felicitações, mesmo que nos apeteça emigrar para os confins do universo.
Como há amarras demasiado fortes que impedem o isolamento total, debaixo de uma camada de cobertores e silêncio que elimine os sinos e as canções melodiosas, junto-me sempre com espírito de missão às festividades. Como dizia um outro sou uma escrava do dever. Mesmo assim ainda me divirto. Este ano vou reeditar o licor de laranja, experimentado nos idos de 2002, altura em que a crise tinha essa mesma cor.
Mas como a crise se mantém, para que possamos maldizer a nossa vida para todo o sempre, com essa cor ou com outra, e o licor de pétalas de rosa que já fiz ficou horroroso, lá terá que ser. Claro que estas iguarias necessitam de tempo. Já estão as cascas das ditas laranjas a tomar banho em aguardente há cerca de 1,5 meses. As cascas têm que ser cortadas às tiras fininhas e só se pode aproveitar a parte cor-de-laranja. A parte branca deve retirar-se sob a ameaça de ficarmos com um licor amarguíssimo.
A quantidade de cascas de laranja é mais ou menos a olho. Normalmente encho 1/3 do volume do frasco (de boca larga) e 2/3 com aguardente e vou mexendo de vez em quando. Quando o líquido já está bem da cor das cascas, passa-se à finalização.
Para cada litro de aguardente faz-se um xarope com água e açúcar (1l água/1kg açúcar). A quantidade de água e açúcar pode ser menor se pretendemos um licor mais forte (para cada litro de aguardente 7,5 dl de xarope).
Temos que filtrar a aguardente, temos que filtrar o xarope feito à parte (deixar a água ferver com o açúcar durante 10 a 15 minutos), misturar, filtrar de novo e engarrafar. Os filtros desafiam a nossa imaginação – podem usar-se guardanapos de linho ou filtros para café.
As garrafas são um prodígio de reciclagem moderna e ambiental. Lavam-se e escaldam-se, rolham-se (boa sorte para encontrar rolhas de cortiça, o que não está fácil, embora também se possam reciclar as das garrafas de vinho). Depois é só rotulá-las.
Eu costumo ir provando e provar várias vezes é um mecanismo excelente para aguentarmos as horas na cozinha a que esta função obriga.
Bem, lá terá que ser, lá vamos nós a passos de gigante para mais um Natal.
Uma das coisas certas do Natal é que é igual, ano após ano, porque de tradições certas e seguras se fazem estas festas.
E assim é certo que há grandes confusões, negócios e diplomacia, da pura e dura, antes da noite da Consoada para se saber a distribuição dos vários membros da família.
Depois desse ritual anual passamos ao ritual de compras dos ingredientes para a comezaina. Mais uma ocasião de grandes negócios e mais diplomacia para ver quem vai buscar as filhós que, obviamente, só são maravilhosas se forem feitas pela avó, mas como a avó já não as faz só aquelas confeccionadas num determinado sítio, a centenas de quilómetros de distância, é que são quase iguais.
E recomeça a função: a encomenda das couves, a compra e o demolhar do bacalhau, ao qual se acrescenta uma cara de bacalhau que faz as delícias de um sofisticado cá do burgo, os 3 ou 4 pastéis de bacalhau para outro escravo da tradição, o grão cozido com a cebola picada e a salsa por cima, as batatas, a sopa de couve e massinha fininha, a parafernália das rabanadas, com o ovo, o leite, a fritura, a canela e o açúcar, a indispensável aletria com a massa de cabelo enrolado a partir-se e a espalhar-se por todo o lado, os sonhos que a avó faz aos quais sempre falta a calda de açúcar, canela e casca de limão, os figos com nozes, os pinhões e as passas de uva.
Para além, claro, dos vinhos: do vinho fino e dos licores da temporada. Este ano, após várias outras experiências, regressa o de café.
Para 1,5l de licor:
Faz-se café à antiga portuguesa. Ou seja - uma chávena de café cheia de café em pó num púcaro com 4 decilitros de água ao lume; ferve e mexe-se com cuidado para não vazar, até o pó depositar.
À parte - xarope com 0,5l de água e 250g de açúcar, ao lume a ferver durante 10 minutos. Depois de arrefecer - tudo para dentro de um frasco de boca larga com 2 paus de canela e 0,5l de aguardente vínica bem forte; tapar muito bem e deixar a macerar.
Ao fim de, pelo menos, 20 dias, tem que coar-se tudo (ou nos filtros de café, se houver paciência equivalente à de uma dúzia de santos, ou em panos de linho); engarrafar, rotular e beber!
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