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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Depois de tanta pesquisa e procura detectivescas, incessantes visões de almofadas, mantas e travesseiros, em todas as lojas de decoração online, tenho, neste momento, uma cama muitíssimo confortável, com inúmeros almofadões, um rolo e cobertas fantásticas.
Muitíssimo fashion e confortável, a minha cama está fantástica, digna de qualquer MasterChef decorativo.
Não sobra é muito espaço para me deitar. Tenho que espalhar as confortáveis e lindas almofadas por todo o lado.
Não há fome que não dê em fartura.
Portugal e os portugueses são tão avançados, tão à frente e de uma clarividência científica tão especial, que depois de décadas a discutir o novo aeroporto, a sua localização e especificidade, afinal nem vai ser preciso construí-lo porque provavelmente vai deixar de fazer sentido apostar nos transportes aéreos e nos aeroportos.
Isto é que é avanço e previdência!
A fartura de ouvir falar da pandemia, dos casos, dos mortos, dos hospitais, dos internamentos, das UCI, dos virologistas, dos jornalistas, é tanta, tanta, tanta, tanta, que estou fã dos mais inusitados programas televisivos.
É verdade. Descobri algumas pérolas que não perco.
Papo tudo o que tem a ver com obras e remodelações de casas. Estou catedrática em open concepts e em destruir paredes, daquelas de madeira e papelão, que fazem as delícias dos Property Brothers, do Love it or List it, ou de qualquer outro dos infindáveis modelos de mudar uma casa do dia para a noite – bem, é mais em 4 semanas – e fazer com que os felizes vendedores ou moradores se sintam em casas de revistas de decoração. Penso mesmo que nunca conseguirão usar tão fantásticas cozinhas, tão maravilhosos jardins e tão luxuosos ensuite bathrooms, para não estragarem nada.
Isto para não falar dos já velhos e ultrapassados programas de culinária – MasterChef, 24Kitchen e que mais haja, para miúdos e graúdos, que eu fico horas a aprender a fazer variados e espampanantes cozinhados, luxuriantes, sedosos, saudáveis, vegetarianos, asiáticos, portugueses, japoneses, italianos, tailandeses, mesmo que depois não ponha nada em prática. É só para me deliciar com os sabores e os aspectos, alguns truques que já incorporei (na cozinha tudo se incorpora), mas na maioria das vezes é apenas a sublimação de uma escrava de dietas.
Mas agora estou mais voltada para facas, facalhões, espadas, machados, setas, enfim, tudo o que corta, fere e mata.
Descobri, ou sejam deram-me a descobrir, um programa no canal História, que se chama Forged in Fire. O que tem isto a ver com História é um mistério, mas isso são ninharias e picuinhices, portanto ser do canal História, Odisseia ou Hollywood é a mesma coisa.
Ora esse programa não é mais que um MasterChef, mas de ferreiros.
O concurso consta de um grupo de ferreiros, profissionais ou amadores, ainda não percebi muito bem, que têm um determinado número de horas para fabricar uma faca. Há um júri, composto por 3 indivíduos, tanto quanto percebi experts em tudo o que corte, fira ou estripe, um com uns bigodes retorcidos, outro com um sorriso assustador e outro magrinho e com olhos alucinados. Há ainda o apresentador, que foi militar, com umas orelhas bastante proeminentes e uma pose marcial espectacular.
Habitualmente os concorrentes têm aspecto e arcaboiço condicentes com ferreiros: enormes nas várias dimensões corporais, muito frequentemente com adornos pilosos exuberantes, outras vezes de cabeças bastante rapadas. Mas o mais divertido é que são extremamente dóceis e polidos, aceitando sempre com grande urbanidade e desportivismo as críticas do júri e debandam depois das eliminações a que são sujeitos, sem usarem as ditas armas brancas que acabaram de fazer.
E muito espantada fico com a ciência e a enorme trabalheira por detrás de qualquer simples navalha. Há imensos tipos de metal, que se podem ir buscar a correntes de bicicleta ou a restos de tanques de guerra, que se misturam, aquecem e batem como o Cétautomatix do Astérix. Depois há a têmpera, que é o mergulho do metal incandescente em óleo, para que a lâmina fique dura. E ainda o cabo, todo um outro manancial de conhecimento e preparação, importantíssimo para o manejo da arma.
São habitualmente 4 concorrentes que vão sendo eliminados até ficarem 2. Esses têm depois uma semana para, na sua própria casa (forja), fabricarem uma arma icónica e histórica – talvez daí ser no canal História, quem sabe - que vai desde uma espada chinesa de tempos imemoriais a um machado com cachimbo dos índios americanos.
A final é entre esses 2 ferreiros e as suas obras são submetidas às provas mais inconcebíveis: bater em blocos de gelo, em troncos de madeira, cortar carcaças de porcos, furar e estripar bonecos feitos de gel balístico, cortar canos de água, enfim, tudo para ver se o gume aguenta, se o corte é limpo e se, no fim, como diz o jurado de sorriso assustador – your blade will kill.
Portanto para me afastar da paranóia da pandemia estou a transformar-me numa maníaca de facas – só espero que me mantenha tão contemplativa como com as opíparas refeições servidas e degustadas apenas com a imaginação.
Acho que estamos a entrar no reino do disparate descabelado e generalizado.
Portanto, eu preciso de fazer exercício físico, e tenho-o feito 4 vezes por semana, com uma PT. É a melhor (e única) forma de combater a obesidade, a hipertensão arterial, a ansiedade, e comprovadamente prevenir inúmeras doenças, da diabetes à demência, passando pela oncológica.
No meio de uma pandemia, em que foi decretado o confinamento geral, gostaria de saber a razão pela qual é preciso um comprovativo para mostrar à polícia, para que esta não me multe por fazer exercício físico na rua.
Não é possível ir aos ginásios - locais fechados. Não é possível ir aos complexos desportivos, como o do Jamor, para treinar ao ar livre - estão interditados. Não se percebe qual o benefício para o impedimento da transmissão viral. Será que são o vento e a chuva a espalharem o vírus? Estão enclausurados nas nuvens?
A minha PT, com imenso receio de ser multada por dar treinos, coloca-se a mais de 2 metros de distância, de máscara, grita por cima da ventania ordens de agachamentos e lounges, comigo de corta-vento e gorro, transportando colchão e halteres. Temos ido para um sítio ermo, desabrigado e sem gente nem casas à volta, para evitar ajuntamentos, mas um pouco longe para ir a pé, até pelo tempo invernoso que se tem feito sentir.
Fiquei agora a saber que não podemos ir de carro e que tenho que ter um comprovativo de morada para apresentar, caso a Polícia mo peça.
Exactamente - comprovativo de morada para poder estar num ermo, ao frio e à chuva, a treinar. Isto quando há artigos científicos que especificam que a transmissão viral é muito mais frequente indoors do que outdoors e que o fitness é uma das actividades que podem (e devem) ser efectuadas, precisamente ao ar livre.
Estamos a atingir um nível de paranóia e demência assustadores. Nada disto ajuda a combater a pandemia, só agrava. Principalmente a pandemia do pânico, que nunca foi bom conselheiro.
Neurótica, eu?
Nem pensar. Estou calma e serena, aliás como sempre.
É claro que toda esta situação é desafiante, mas estamos à altura dos acontecimentos.
Tenho mantido uma distância confortável dos telejornais, comentadores e programas de (des)informação, tal a vontade de usar todos os métodos de tortura conhecidos e desconhecidos em todos os que me aparecem pela frente, perorando sobre vírus, medidas de saúde pública, estatísticas de infecções e óbitos.
Também me tenho poupado a tudo o que nos mostre como esta experiência nos melhora e enriquece, principalmente no vocabulário vernáculo e na criatividade com que se procuram projécteis à mão de semear.
Estou portanto a evoluir no sentido positivo de alguém que vê fantásticas oportunidades no obscurantismo e na histeria das redes sociais, na ignorância e demissão dos nossos jornalistas, na mediatização da insanidade.
Neurótica, eu?
Nem pensar!
Não sei se é por ignorância: só há UMA Ordem dos Médicos, que tem órgãos representativos regionais - a Secção Regional do Norte, a Secção Regional do Centro e a Secção Regional do Sul, cada uma com o seu Presidente, ou por não saber expressar-se por escrito. Para a jornalista Rita Rato Nunes o Presidente da Ordem dos Médicos do Sul (Alexandre Valentim Lourenço) fez declarações retumbantes, pelo que é preciso dar-lhes o devido realce, mesmo dando-lhe uma função inexistente.
Mas o mais cómico, ou dramático, é que esta asneira foi replicada por variados meios de comunicação que, de forma acéfala e sem qualquer juízo crítico, propagam disparates com o maior desplante. Mas incompetentes são os ministros novatos e titubeantes.
Quem diria que este fado
Seria algum dia escrito
Com o país confinado
Num reduto tão restrito
À janela como o gato
Estamos ao sol a crestar
E à noite sem recato
À lua vamos cantar
Vozes altas afinadas
Dedos soltos e trementes
As palavras libertadas
No louvor aos mais valentes
E o fado prisioneiro
Solta-se enquanto chora
Que o fado é sempre o primeiro
A voar pela noite fora
Vou do quarto para o banho
e do banho prá cozinha
dou um salto até à sala
onde aceno à vizinha.
A seguir a esta volta
esta grande caminhada
vou deitar-me ao trabalho
numa sesta abençoada.
É obrigatório estar
sempre a par das novidades
e ouvir com atenção
o falar das Entidades
Cada um na sua toca
solitário no seu ninho
mas luzindo com o olhar
transbordante de carinho.
Fecho a porta nego o vírus
escondo-me com afinco
sabe lá se estou ou não
faço de morta e minto
Penteio-me a preceito
com pente escova e desvelo
palha d’aço esbranquiçada
arremedo de cabelo.
Da sua cor não me lembro
se bordeaux se acastanhado
a última vez que o vi
era louro envergonhado.
Agora tem listas brancas
e amarelas desbotadas
cabelo crespo e singelo
de pontas arrepiadas.
Quando pudermos sair
desta toca de coelho
o melhor é nem olharmos
para o pobre do espelho!
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