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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Três Macacos Sábios
A mais subtil e invencível censura é a própria, tendendo a transformar-se em omnipresente. Impõe-nos um silêncio que se torna mais profundo e que abrange cada vez mais assuntos. E eu estou imersa na capacidade de me auto-censurar.
Ontem este blogue fez 17 anos. Tal como eu e tantas coisas que aprecio, nomeadamente a liberdade, está fora de moda. Discutir, trocar ideias, colocar opiniões à apreciação pública sem que estas sejam de imediato a razão de insultos, de assassinatos de carácter, do destilar de ignorância, preconceitos, ódio, desprezo, acusações, são conceitos datados e a cheirar a bafio.
Mas quando me revolto e resolvo empunhar a metafórica pena da expressão livre do pensamento, quando decido que vou opinar sobre as minhas pequenas e pouco importantes preocupações, ouço o nosso Presidente Marcelo Rebelo de Sousa a demonstrar que o silêncio pode ser mesmo de ouro, que as palavras devem ser medidas e escrutinadas pela nossa censura interior, que a prudência e a possibilidade de causar mais turbulência e ruído esdrúxulo devem ser muito ponderadas, antes de as proferirmos.
Aliás o nosso Presidente é o exemplo vivo da verborreia cada vez mais perigosa, da falta de filtros, do desbragar do disparate. Não percebo bem se o objectivo é provocar ou se é apenas um destemperamento irreprimível de alguém que nunca foi muito contido.
E por isso, tal como um sinal dos céus, desce de novo sobre mim o manto da censura impelindo-me ao calar da boca, mas mantendo os olhos e os ouvidos bem abertos.
Freedom
A sensação de que corremos contra um tempo que nos ultrapassou, cada vez mais distante.
Há 16 anos era uma pessoa muito diferente. E o meu mundo também não se assemelhava em nada com o de agora. Ou os meus olhos vêm outro mundo, outra vida, outro tempo.
Vou-me sentindo cada vez mais fora destas modas caducas e cada vez menos duradouras. As redes sociais, ao contrário do que pensava, limitam-me a liberdade de expressão, tal o policiamento e o bullying que observo. E a auto-censura impõe-se.
Vai-me apetecendo cada vez menos intervir. Qual o objectivo? Qual a necessidade?
Mesmo assim continuo. Por teimosia ou falta de censo.
Não faz mal.
Aos que ainda me seguem o meu muito obrigada pela paciência e pela resistência.
Ainda continuo.
Quiet Whisper
Quinze anos se passaram desde que comecei este blogue. Quinze anos em que muito aconteceu e mudou, no mundo e em mim.
Olho para a realidade actual e pergunto-me em que medida fiz parte destes quinze anos, como terei eu participado, moldado ou sido moldada pelas torrentes que nos assolam diariamente, umas mais subterrâneas, outras mais transparentes.
Definhei, particularmente na cor com que olho para o presente e para o futuro. Vou emudecendo, de espanto e incapacidade de processar este novo anormal em que nos tornámos como comunidade. As convicções nos alicerces da liberdade e da democracia rudemente postas à prova perante tão avassalador ataque aos valores da justiça, solidariedade, independência, sabedoria, competência, humildade, todos aqueles que nos habituámos a associar à sociedade do novo milénio, em que o acesso à informação e à cultura, aos mais elementares meios de dignificação da vida seriam, pelo menos, mais alargados, em que a igualdade fosse mais espalhada.
Na verdade parece tudo estar a ruir. A inacreditável hipótese de reeleição de alguém como Donald Trump para a Presidência dos EU é assustadora. A falta de respostas dos sistemas democráticos, o deslaçar das sociedades, o aumento das desigualdades, da pobreza, da xenofobia, do racismo, com o consequente aumento dos populistas, é perigoso e parece não ter forma de ser detido. Os partidos da esquerda não têm sido capazes de dar respostas aos problemas cada vez mais urgentes e os totalitarismos já não são apenas larvares.
Na minha vida também aconteceram coisas muito boas. A internet tem lados negros mas é uma ferramenta poderosíssima no conhecimento, na informação, na criação de laços entre pessoas que, de outra forma, nunca se encontrariam. Conheci pessoas fantásticas, embrenhei-me em grupos, discussões, trocas de experiências, algumas negativas mas a maioria positivas. Estou mais velha mas fiz coisas diferentes e que nunca teria pensado fazer, tanto a nível profissional como pessoal. Publiquei 4 livros de poesia, mudei duas vezes de local de trabalho, participei na organização de vários eventos científicos, ri muito e chorei muito, zanguei-me muito, esperei muito.
Apesar do desânimo, sei que é passageiro. Espero ainda muito, de todos, mas principalmente de mim. Vai-se fazendo tarde e começa a faltar o tempo.
Dei-me conta, quase sem querer, de que hoje este blogue faz 13 anos de vida.
Mudei muito, nestes 13 anos. Estou mais velha, mais amarga, mais silenciosa. Muito me desiludi das ilusões que tinha (e algumas ainda tenho). Nessa altura confiava na Justiça, tinha das nossas sociedades ocidentais uma onírica e ingénua visão, achava que a globalização do acesso fácil e barato à informação iria tornar os cidadãos mais exigentes, mais maduros e mais democráticos, porque mais conhecedores de factos, porque mais estimulados, porque menos ignorantes e preconceituosos.
Fui perdendo a ingenuidade e as esperanças, fui desacreditando das pessoas e dos sistemas políticos. Percebi que as minhas angústias e pensamentos não interessavam a ninguém e perdi a suprema arrogância de tentar mudar alguma coisa. À minha volta vejo muitos que, como eu, estão mais empalidecidos e menos certos das certezas que nos amparavam. Cheguei à conclusão que deixei de perceber o mundo, se é que alguma vez o percebi.
Mudei em muitos aspectos, pessoais e profissionais. Mudei de locais de trabalho, mudei de funções, tive algumas belas e estimulantes pequenas vitórias, outras tristes e estrondosas derrotas, aprendi muito com ambas, mas mais com as últimas. Conheci gente fantástica com quem tive oportunidade de trabalhar e que considero, para além disso, minha amiga, pude experimentar ideias que tinha e que me deram um enorme prazer implementar. Conheci também gente inqualificável, que me transtornou e me entristeceu, que não merece ser sequer mencionada. Creio que, apesar de tudo, consegui fazer o meu trabalho, com dedicação e empenho, catalisando, de algum modo, o despertar do melhor que há em nós.
Publiquei 4 livros de poesia, contando com algumas editoras que foram acreditando minimamente na qualidade do que escrevo. Deram-me muito gozo e, independentemente das apreciações que possam ser feitas por quem entende destes misteres, orgulho-me de todos eles, agradecendo a quem os ajudou a concretizarem-se. Por outro lado, descobri música, teatro, cinema e exposições, partilhei viagens, receitas e estados de alma, troquei impressões com pessoas que nunca encontraria se não fosse esta aventura blogueira.
Não sei por quanto tempo ainda manterei o blogue. Os desenvolvimentos políticos e sociais a que assistimos, com a ascensão de uma turbamulta autoritária, racista, xenófoba, intolerante, que apela ao ódio e à violência, deixa-me atarantada e sem saber bem como reagir. A forma como se discutem os textos, retirando do contexto frases e expressões, crucificando as pessoas que se expõem, inventando factos e transformando insignificâncias em dramas e motores de transformações estranhas, não são bons augúrios.
O caminho faz-se caminhando, dia a dia, mês a mês, e este continuará a ser um espaço de reflexão, pois a possibilidade de expressar o que temos dentro de nós é um exercício de liberdade que não devemos descurar. Até porque a Liberdade é frágil e fugidia, se não a cuidarmos. O meu quadrado, o nosso quadrado, pode sempre contar comigo.
Umas vezes mais quadrada, outras mais à defesa.
Mas aqui estou.
...que o Defender o Quadrado faz hoje...
Maria Bethânia
Zeca Pagodinho
SONHO MEU
(Yvonne Lara/Delcio Carvalho)
Sonho meu, sonho meu
Vai buscar quem mora longe
Sonho meu
Sonho meu, sonho meu
Vai buscar quem mora longe
Sonho meu
Vai mostrar esta saudade
Sonho meu
Com a sua liberdade
Sonho meu
No meu céu a estrela-guia se perdeu
A madrugada fria só me traz melancolia
Sonho meu
Sinto o canto da noite
Na boca do vento
Fazer a dança das flores
No meu pensamento
Traz a pureza de um samba
Sentido, marcado de mágoas de amor
Um samba que mexe o corpo da gente
E o vento vadio embalando a flor
Traz a pureza de um samba
Sentido, marcado de mágoas de amor
Um samba que mexe o corpo da gente
E o vento vadio embalando a flor
Sonho meu
Sonho meu, sonho meu
Vai buscar quem mora longe
Sonho meu
Sonho meu, sonho meu
Vai buscar quem mora longe
Sonho meu
Vai mostrar esta saudade
Sonho meu
Com a sua liberdade
Sonho meu
No meu céu a estrela-guia se perdeu
A madrugada fria só me traz melancolia
Sonho meu
Sinto o canto da noite
Na boca do vento
Fazer a dança das flores
No meu pensamento
Traz a pureza de um samba
Sentido, marcado de mágoas de amor
Um samba que mexe o corpo da gente
E o vento vadio embalando a flor
Traz a pureza de um samba
Sentido, marcado de mágoas de amor
Um samba que mexe o corpo da gente
E o vento vadio embalando a flor
Sonho meu
Sonho meu, sonho meu
Vai buscar quem mora longe
Sonho meu
Digo muitas vezes que não e eu e ela e quem e mim e passa e mais e sou e mão e crescer e sinto e gente.
Digo muitas vezes luz e gosto e caminho e erros e nada e tempo e chuva e arder.
E digo mais vezes o que não digo.
Nesta casa serve-se tudo a quente.
As cadeiras são de pau e têm as costas direitas.
Há sempre pão a cozer e o conforto da desarrumação.
A porta está sempre aberta...
... mas fecha-se rapidamente aos vermes que infestam alguns cantos do quadrado.
Esta casa tem nas janelas a bandeira do desafio.
Espalhadas pelas mesas as palavras que não lhe faltam.
Serve silêncios de cumplicidade.
Regista o tempo que passa nas paredes da memória.
Esta casa é varrida por tempestades cíclicas com elevado grau de intensidade.
O equilíbrio das ideias é periclitante.
De luz permanece uma lâmpada acesa...
... mesmo que escondida entre as brumas do desconcerto.
A renovação vai abrindo fendas e reconstruindo o remendo das incertezas.
Sejam bem-vindos.
Há oito anos era-me impossível imaginar que me sentisse tão pouco integrada na sociedade que, entretanto, se construiu. Um tempo de entusiasmo e luta transformou-se num marasmo desesperado e taciturno. Não há já trovas mas muitos ventos que passam.
Tal como o país sinto-me sem rumo nem vontade. Faço dos dias um exercício de esforço, sentimento de perda permanente e susto. Desamparo perante tanto cinzentismo e tanto futuro adiado.
E no entanto, persisto. Mais que não seja porque assim consigo viver. De tristeza ou raiva, com alguns laivos de esperança, sempre que percebo que há alguns que de alguma maneira não desistem. E não me deixam desistir.
Fico.
Vou acendendo velas, tantas quantos os anos que tenho passado a escrever neste blogue, com periodicidade irregular, à medida das fúrias, incertezas, estados depressivos ou de exaltação a que sou acometida. Escrevo para mim e muito me pergunto porque tenho esta necessidade de me afirmar publicamente, mesmo que o público seja tão minoritário como é a minha própria dimensão.
Quando leio os primeiros textos quase me não reconheço. Os sete anos que passaram assistiram a um envelhecimento e a um desencanto que me seria difícil aceitar como verdadeiro, se eles não fossem o testemunho indesmentível desse facto.
Atravesso um período de questionamento de muitos dos fundamentos que sempre me guiaram na minha vida. As crises servem para fazer balanços, análises e tomar decisões, escolhas difíceis mas indispensáveis.
Nunca me refugiei no desalento. Mesmo que apeteça. Mal ou bem, faço parte de um todo que começa pelo meu próprio corpo, se insere numa família, numa comunidade e num país, pelo menos. Mal ou bem, consequente ou não, aqui me vou expondo, em afirmações e contradições que me são inerentes.
A quem me lê, me ouve ou me sente, o meu muito obrigada pela companhia.
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