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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
O aumento de novos casos de COVID-19 na Alemanha, França e Itália será devido a algum Natal tardio, à antecipação da Páscoa ou ao Carnaval?
E Portugal, passou de ser uma vergonha europeia (mundial) para um modelo de comportamento cívico?
A fartura de ouvir falar da pandemia, dos casos, dos mortos, dos hospitais, dos internamentos, das UCI, dos virologistas, dos jornalistas, é tanta, tanta, tanta, tanta, que estou fã dos mais inusitados programas televisivos.
É verdade. Descobri algumas pérolas que não perco.
Papo tudo o que tem a ver com obras e remodelações de casas. Estou catedrática em open concepts e em destruir paredes, daquelas de madeira e papelão, que fazem as delícias dos Property Brothers, do Love it or List it, ou de qualquer outro dos infindáveis modelos de mudar uma casa do dia para a noite – bem, é mais em 4 semanas – e fazer com que os felizes vendedores ou moradores se sintam em casas de revistas de decoração. Penso mesmo que nunca conseguirão usar tão fantásticas cozinhas, tão maravilhosos jardins e tão luxuosos ensuite bathrooms, para não estragarem nada.
Isto para não falar dos já velhos e ultrapassados programas de culinária – MasterChef, 24Kitchen e que mais haja, para miúdos e graúdos, que eu fico horas a aprender a fazer variados e espampanantes cozinhados, luxuriantes, sedosos, saudáveis, vegetarianos, asiáticos, portugueses, japoneses, italianos, tailandeses, mesmo que depois não ponha nada em prática. É só para me deliciar com os sabores e os aspectos, alguns truques que já incorporei (na cozinha tudo se incorpora), mas na maioria das vezes é apenas a sublimação de uma escrava de dietas.
Mas agora estou mais voltada para facas, facalhões, espadas, machados, setas, enfim, tudo o que corta, fere e mata.
Descobri, ou sejam deram-me a descobrir, um programa no canal História, que se chama Forged in Fire. O que tem isto a ver com História é um mistério, mas isso são ninharias e picuinhices, portanto ser do canal História, Odisseia ou Hollywood é a mesma coisa.
Ora esse programa não é mais que um MasterChef, mas de ferreiros.
O concurso consta de um grupo de ferreiros, profissionais ou amadores, ainda não percebi muito bem, que têm um determinado número de horas para fabricar uma faca. Há um júri, composto por 3 indivíduos, tanto quanto percebi experts em tudo o que corte, fira ou estripe, um com uns bigodes retorcidos, outro com um sorriso assustador e outro magrinho e com olhos alucinados. Há ainda o apresentador, que foi militar, com umas orelhas bastante proeminentes e uma pose marcial espectacular.
Habitualmente os concorrentes têm aspecto e arcaboiço condicentes com ferreiros: enormes nas várias dimensões corporais, muito frequentemente com adornos pilosos exuberantes, outras vezes de cabeças bastante rapadas. Mas o mais divertido é que são extremamente dóceis e polidos, aceitando sempre com grande urbanidade e desportivismo as críticas do júri e debandam depois das eliminações a que são sujeitos, sem usarem as ditas armas brancas que acabaram de fazer.
E muito espantada fico com a ciência e a enorme trabalheira por detrás de qualquer simples navalha. Há imensos tipos de metal, que se podem ir buscar a correntes de bicicleta ou a restos de tanques de guerra, que se misturam, aquecem e batem como o Cétautomatix do Astérix. Depois há a têmpera, que é o mergulho do metal incandescente em óleo, para que a lâmina fique dura. E ainda o cabo, todo um outro manancial de conhecimento e preparação, importantíssimo para o manejo da arma.
São habitualmente 4 concorrentes que vão sendo eliminados até ficarem 2. Esses têm depois uma semana para, na sua própria casa (forja), fabricarem uma arma icónica e histórica – talvez daí ser no canal História, quem sabe - que vai desde uma espada chinesa de tempos imemoriais a um machado com cachimbo dos índios americanos.
A final é entre esses 2 ferreiros e as suas obras são submetidas às provas mais inconcebíveis: bater em blocos de gelo, em troncos de madeira, cortar carcaças de porcos, furar e estripar bonecos feitos de gel balístico, cortar canos de água, enfim, tudo para ver se o gume aguenta, se o corte é limpo e se, no fim, como diz o jurado de sorriso assustador – your blade will kill.
Portanto para me afastar da paranóia da pandemia estou a transformar-me numa maníaca de facas – só espero que me mantenha tão contemplativa como com as opíparas refeições servidas e degustadas apenas com a imaginação.
Pinturas Negras
A mole humana é tudo menos a divisão binária em bons e maus, mesmo que nisso tenhamos necessidade de acreditar.
As pessoas têm matizes e são também as suas circunstâncias. Além disso adaptam-se e habituam-se às condições mais extremas, tomando partido das fraquezas dos outros para sobreviver. Não somos heróis. Somos pessoas, naquilo que há de melhor e de pior.
Neste artigo do Público - Os portugueses foram vítimas ou cúmplices da PIDE? (de Duncan Simpson), o autor demonstra a forma como tanta gente usou a PIDE para resolver questões e vinganças pessoais ou para ter um modo de vida, como aceitou e integrou uma das mais poderosas armas da ditadura no controlo dos cidadãos, fazendo a sua vida quotidiana sem se importar com as dores, os medos e as injustiças a que eram sujeitos alguns dos seus amigos, familiares ou vizinhos. A PIDE estava no meio de tudo, entre casais, namorados, parceiros de negócios ou de jogatana.
Também tenho estado a rever uma série que já passou na RTP-2 – Un village français – que cobre o período entre a ocupação francesa e a sua libertação. O mais interessante da série, pelo menos para mim, é o perfil das vários personagens que, durante os anos do governo de Vichy, se misturaram e viveram com os alemães. Uns aceitando-os e satisfazendo-se com as suas ordens que lhes davam trabalho, o seu antissemitismo larvar, promoviam fortunas e ascensão social. Outros servindo o Estado Francês, mesmo a contragosto, tentando minorar as dores de quem estava sob a sua responsabilidade nem que, para isso, atropelassem os seus valores morais e fossem cúmplices das mais horrorosas atrocidades. Havia aqueles que não questionavam as ordens dos superiores, por mais contrárias que fossem à mais simples humanidade. Outros ainda amaram os invasores, constituindo famílias mais ou menos ortodoxas perante circunstâncias clandestinas ou duvidosas.
Aquando da libertação, é retratada a transformação dos cúmplices em algozes, no julgamento dos colaboracionistas, em que todos os que fizeram a sua vida à sombra e com os ocupantes eram os mais duros justiceiros defensores de judeus e comunistas, apontando os dedos para que ninguém os apontasse a eles.
Nada disto é novo nem surpreendente. É apenas a realidade, triste, suja, escura, a subterrânea gente que tem sentimentos e pulsões, que num dia é herói no outro vilão, que olha apenas o seu quintal, a sua vida, as suas necessidades, adormecendo as consciências e justificando as suas acções que, muitos anos depois dos acontecimentos, nos é fácil rotular e classificar.
Uma das grandes armas das ditaduras é o medo. Com o medo – da polícia, de perder o emprego, de ser repudiado socialmente, de morrer, do inferno, de dores, de passar fome e miséria, etc. – o medo é o que nos leva a revelar as nossas mais hediondas competências, se disso acharmos que depende a nossa sobrevivência.
Esta pandemia tem posto a nu muito desta nossa humanidade frágil, feia e mesquinha. O pensamento único no que diz respeito às estratégias de combate à mesma, a quantidade de Torquemadas e de iluminados que invocam a ciência em vão, negando a própria essência do que é o estudo e o método científico, a dúvida metódica, a investigação do que não se sabe, a certeza de que tudo pode mudar pelo evoluir do conhecimento. É terrível assistir ao inundar dos media com as certezas absolutas sobre vírus novos, sobre infecciologia, modelos matemáticos, previsões e epidemiologia, arrasando pessoas que põe em dúvida aquilo que não é certo mas que difere da doutrina oficial.
Transformou-se a ciência numa doutrina e numa ideologia – quem é a favor de medidas restritivas, confinamentos e fechamento das sociedades é de esquerda e quer salvar vidas, quem questiona estas estratégias é de direita, negacionista e precisa de ser calada e punida exemplarmente. Sofre bullying nas redes sociais, nos media e nas próprias instituições profissionais. Voltou o delito de opinião. Porque muito do que se diz sobre a gestão pandémica é opinião. Legítima, como é óbvio, mas opinião. Estudos científicos há vários e podem apontar para várias direcções. Vale a pena espreitar o Instituto de Saúde Baseada na Evidência e as newsletters sobre COVID-19.
É muito importante que os governos se baseiem em conhecimentos técnicos sobre a doença, a sua evolução, terapêutica, prevenção, factores de risco, etc. Mas também muitas outras vertentes sociais, económicas, de trabalho, de saúde mental, tudo aquilo que esperamos que os nossos responsáveis tenham em conta para tomar decisões.
Toda a minha vida de adulta tenho lidado com a doença, o rigor, o diagnóstico, a responsabilidade de observar as melhores e mais avançadas práticas na minha especialidade. Olho para o que se está a passar, com o mundo mergulhado numa voragem de abismo sem sequer poder ponderar, questionar, duvidar do que ouço, leio, vejo. Ou seja, negar tudo aquilo que me formou como profissional de saúde. Sinto-me perplexa e revoltada.
Mas sou humana e, como tal, nenhuma heroína. O mais fácil e mais confortável é seguir a onda. E se, mais tarde, quando houver tempo e estudos sérios e abrangentes que nos esclareçam tantas das nossas ignorâncias, a onda virar ao contrário, talvez fazer como farão os que agora não têm a mácula da dúvida, que defenderão com a mesma ferocidade o que agora repudiam e condenam.
Evolução da pandemia (post corrigido)
(dados - corrigidos em 07/02 - do Worldometer)
A AstraZeneca, após ser financiada pela União Europeia para o desenvolvimento e produção da vacina contra a COVID-19, vem agora assumir que não cumprirá o contrato de entrega das doses.
A reacção da União Europeia só pode ser esta.
"As empresas farmacêuticas, os produtores de vacinas, têm uma responsabilidade moral, social e contratual que precisam de garantir", afirmou, considerando que "a perspectiva de que a empresa não tem de cumprir, porque assinámos um contrato de "melhores esforços" não é correcta, nem aceitável".
Espero bem que esta posição inaceitável da Farmacêutica seja revertida. Mas os negócios e os milhões que se prespectivam não pronunciam nada de bom.
Controlo da pandemia - segundo a TSF.
Quem quer sair de casa para "fruir de momentos ao ar livre" ou passear animais de estimação pode comprovar que vive por perto com um comprovativo de morada, nomeadamente a carta de condução ou qualquer recibo de água, eletricidade ou telecomunicações.
Para adquirir bens essenciais podem ser apresentadas faturas ou outros comprovativos da compra, bem como uma declaração sob compromisso de honra.
Usar um carro para usar a exceção que permite sair de casa para ter um "momento ao ar livre" está claramente proibido.
(...) o Governo decidiu, de uma vez por todas, usar a arma repressiva das forças de segurança para terminar com aquilo que está a acontecer no país (...)
Extraordinário.
Acho que estamos a entrar no reino do disparate descabelado e generalizado.
Portanto, eu preciso de fazer exercício físico, e tenho-o feito 4 vezes por semana, com uma PT. É a melhor (e única) forma de combater a obesidade, a hipertensão arterial, a ansiedade, e comprovadamente prevenir inúmeras doenças, da diabetes à demência, passando pela oncológica.
No meio de uma pandemia, em que foi decretado o confinamento geral, gostaria de saber a razão pela qual é preciso um comprovativo para mostrar à polícia, para que esta não me multe por fazer exercício físico na rua.
Não é possível ir aos ginásios - locais fechados. Não é possível ir aos complexos desportivos, como o do Jamor, para treinar ao ar livre - estão interditados. Não se percebe qual o benefício para o impedimento da transmissão viral. Será que são o vento e a chuva a espalharem o vírus? Estão enclausurados nas nuvens?
A minha PT, com imenso receio de ser multada por dar treinos, coloca-se a mais de 2 metros de distância, de máscara, grita por cima da ventania ordens de agachamentos e lounges, comigo de corta-vento e gorro, transportando colchão e halteres. Temos ido para um sítio ermo, desabrigado e sem gente nem casas à volta, para evitar ajuntamentos, mas um pouco longe para ir a pé, até pelo tempo invernoso que se tem feito sentir.
Fiquei agora a saber que não podemos ir de carro e que tenho que ter um comprovativo de morada para apresentar, caso a Polícia mo peça.
Exactamente - comprovativo de morada para poder estar num ermo, ao frio e à chuva, a treinar. Isto quando há artigos científicos que especificam que a transmissão viral é muito mais frequente indoors do que outdoors e que o fitness é uma das actividades que podem (e devem) ser efectuadas, precisamente ao ar livre.
Estamos a atingir um nível de paranóia e demência assustadores. Nada disto ajuda a combater a pandemia, só agrava. Principalmente a pandemia do pânico, que nunca foi bom conselheiro.
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