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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Muitíssimo interessante esta mesa, com protagonistas que falaram das razões do aparecimento dos prémios literários, das razões pelas quais os escritores concorrem, aceitam e rejeitam os prémios, dos vários tipos de poder associados aos prémios, das discriminações positivas e negativas, das igualdades e desigualdades de género.
Isabel Pires de Lima, Germano de Almeida, Ana Paula Tavares, Ana Luísa Amaral, Inês Pedrosa e Manuel Jorge Marmelo, cada um por razões diferentes, acabaram por considerar que a existência de prémios literários é importante para os escritores. Isabel Pires de Lima foi de opinião de que a proliferação dos concursos literários tem por base a tentativa de suster o desprestígio da literatura e dos escritores, distinguindo-os e transformando-os em exemplos de uma elite.
Mais uma vez a sala estava completamente cheia mostrando que a literatura tem pelo menos o poder de comunicar e abrir a mente a novas realidades e a velhos e renovados sonhos.
As palavras fazem parte da liberdade, palavras duras ou meigas, palavras de luta e de amor, de intimidade e de exposição, de drama e de comédia, silenciosas ou em vulcão, as palavras são dedos abraços ou pedras, rasgam e saram feridas, mais perigosas que veneno, ou santificadas como bálsamo divino.
A liberdade individual e colectiva, a liberdade como fuga de temas políticos, como se a política fosse peste peganhenta que conspurcasse os mais elevados pensamentos filosóficos, a liberdade como afirmação da identidade e da diferença, a liberdade como uso do poder e definição de opções, fora da mediocridade e da mediania cinzenta de uma só dimensão da cidadania.
Usam-se todos os tipos de liberdade, até a liberdade de quem não é livre a não ser dentro de si próprio, de quem a si se censura para poder estar.
Leonardo Padura, Manuel Rui e Martinho da Vila, à conversa com José Carlos Vasconcelos, onde se falou do conceito da falta de liberdade pela ausência de escolhas, ou porque não existem pela imposição de uma verdade, ou porque existem mas são inatingíveis.
...que a vida vai melhorar...
E deixei-me levar nesta Corrente que há tantos anos me chamava, me arrulhava como ruído de cascata e de mergulho.
Quem tem medo da cultura? - perguntou Guilherme d'Oliveira Martins ao auditório do Cine-Teatro Garrett, totalmente repleto. Lá de cima do galinheiro, completamente colada às costas da cadeira tal a vertigem das alturas, olhei para a figura de contornos pouco precisos e permiti que as palavras ecoassem e me relaxassem da minha fobia.
"É quem tem medo da economia" - respondeu o próprio orador. E discorreu sobre a sociedade do saber e do rigor, das avaliações e das igualdades, do desenvolvimento e do conhecimento, das humanidades e das ciências, das diferenças e da tolerância, da educação e da língua, da mais extraordinária língua do mundo, citando Luísa Dacosta entre muitos outros - a única língua que é capaz de incluir o tu no eu - amar-te-ei.
Guilherme d'Oliveira Martins é um homem de cultura e da cultura, enquanto entendermos a palavra cultura com a amálgama de uma comunidade, naquilo que a faz amálgama e naquilo que a transforma em comunidade - o outro como a outra metade de nós, o civismo, o serviço público, o uso do conhecimento, do património como alavanca para o futuro, sustentável em direitos humanos e em termos materiais. Mais uma citação de Luísa Dacosta, muito presente nestas Correntes d'Escrita - a língua portuguesa é das únicas, se não mesmo a única em que existem os verbos estar e ser - "amar e ser amada, na passagem do estar ao ser".
Alertou para os perigos do facilitismo, da mediocridade e do imediatismo, essa moda da modernidade apressada e superficial que se atém às frases-feitas e aos pensamentos fast thought. E conclui:
"(...) eis porque devemos dar à sociedade civil um papel mais ativo nos valores, se soubermos contrapor uma ética de cidadania, aliada à qualidade na educação, formação, ciência e cultura. A defesa das humanidades tem de corresponder à recusa da facilidade e do novo-riquismo e ao apelo à vontade e à criação. Como poderemos defender a cultura que nos foi legada sem mobilização dos cidadãos e sem democratização do Estado? Medo da cultura é, afinal, medo da liberdade e da democracia”.
Encafuada entre a vertigem e a indizível satisfação ao ouvir alguém afirmar tão claramente que devemos caminhar no sentido inverso ao da arenga contabilística e pseudocientífica desta pseudo elite europeia, não consegui ultrapassar a timidez de lhe perguntar como enquadra ele o fenómeno do desaparecimento do emprego como parte integrante da cidadania, da menorização do valor da participação e contributo cívicos através do serviço ao outro com o trabalho, nesta nossa sociedade que se esquece que a integração também se enraíza na sensação e capacidade de ser útil e necessário ao bem comum.
É tão bom sentir que alguém nos acorda. Era tão importante que acordássemos.
Comboios e viagens, livros e histórias, o doce prazer do lazer, fortuito sabor inocente mas perverso saber de estar só, entre cidades, uma espreitadela ao rio que se atravessa, casas ao fundo numa paisagem amodorrada e ligeiramente iluminada, veloz como o tempo que nos repassa e nos gasta.
Pequena suspensão do universo.
Murmúrios e respirações, olhares perdidos ou focados, a humanidade que se desloca fisicamente parada, em sintonia de tantas vidas diferentes quantas as liberdades unas e dilatadas, patrimónios irrepetíveis, desconhecimentos e desmemórias que não chegam a ser notáveis. Nada se nota nestas genialidades pequenas mas que nos aconchegam o ego e a mente, que nos libertam do cansaço da monotonia e das crises, todas, pessoais e intransmissíveis mas tão iguais às do todo colectivo.
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