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Esperar que voltes é tão inútil

por Sofia Loureiro dos Santos, em 16.07.25

Concerto para piano e orquestra nº 2 de Rachmaninov

Evgeny Kissin | Orquestra Filarmónica da Radio France

 

esperar que voltes é tão inútil como o
sorriso escancarado dos mortos na
necrologia dos jornais

e no entanto de cada vez que
a noite se rasga em barulhos no elevador e
um telefone se debruça de um sexto andar

sinto que ainda ficou uma palavra minha
esquecida na tua boca
e que vais voltar
para
a
devolver

[12º poema do livro "Os armários da noite"

Alice Vieira]

 

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publicado às 15:43

Éramos dois

por Sofia Loureiro dos Santos, em 16.05.25

Paula Morelenbaum

Baden Powell & Vinicius de Moraes

 

Éramos dois

em tudo em tanto dois

um e um lado a lado

em tudo unidos e desarmados

perante a dor e a perda

desarmados de amor bendito

de amor inebriante de amor rugoso

de amor súbito e lento

de verde de verde

de vento bravio e sereno

de pedra

 

Éramos dois

e na escura imensidão que me rodeia

no silêncio vazio em que me encerro

por ti desespero por ti anseio

meu amor ausente

para sempre

 

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publicado às 10:00

À espera do nascituro

por Sofia Loureiro dos Santos, em 24.12.24

navidad_1946_dali.jpg

Salvador Dalí

 

Um ramo de folhas duras

Pedacinhos de luar

A alma feita em costuras

De feridas por sarar

 

Aconchega o olhar

No piso de tanta ausência

Apresta-se a respirar

Um mundo sempre em carência

 

Nesta branda consoada

À espera do nascituro

Tristeza bem arrumada

No fundo do seu futuro

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publicado às 14:07

Cinzas

por Sofia Loureiro dos Santos, em 14.12.24

camille claudel.jpg

Camille Claudel

 
Aproximo a lareira
Pra aquecer meu coração 
Nas cinzas desta fogueira 
Vou soprar a solidão 
 
Rodo as paredes vazias
No branco deste Natal
Os olhos que me acendias
Mil estrelas num castiçal 
 
Regresso à névoa esfumada
De uma memória querida
Tua mão entrelaçada
No fio da minha vida

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publicado às 21:51

Desenho

por Sofia Loureiro dos Santos, em 07.12.24

van gogh.jpg

Van Gogh

 

Perdida nas palavras que me faltam
no opaco da névoa da tristeza
perdida no silêncio que me envolve
agarro alguns pontos de luz
aqueles com que polvilhaste o meu caminho.
Ainda não conheço o desenho certo
mas hei de lá chegar.

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publicado às 11:57

(De)Encontro

por Sofia Loureiro dos Santos, em 09.11.24

youve-got-mail.webp

You've got mail

 

Hoje foi quando barrava o pão com manteiga. De repente apareceste, com as tuas mãos desajeitadas, a pegar numa chávena grande para que eu te deitasse o café, antes de rumares ao teu assento no escritório.

Outras vezes, quando me emociono a ver um filme, o que não é nada difícil nem raro, vejo-te a entrar pela porta, com aquele sorriso ternurento e gozão, que me deixava irritada e envergonhada, pela fraqueza que mostrava, mesmo sendo a ti.

Não precisava de marcar um encontro contigo, pois encontrávamo-nos, mesmo sem combinarmos. Numa pergunta, numa razão, numa ternura, numa discussão, numa espera, num silêncio, num desespero, numa diversão.

Acabaste por faltar ao último encontro, sem me dizeres porquê.

E eu, mesmo que não queira, ainda te espero, mesmo que saiba que não vens. Podias, pelo menos, encostares-te a mim, como costumavas fazer, e dizeres os disparates que me faziam rir. Só mais esta vez. Só mais uma vez.

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publicado às 09:17

Ensurdecer

por Sofia Loureiro dos Santos, em 01.11.24

John R. Grabach.jpg

The Lone House (The Empty House)

John R. Grabach

 

Lentifico os movimentos os gestos os passos

a casa aproxima-se e eu vazia

a chave na porta e o silêncio do outro lado.

Não sei como encher os cantos se a tua voz me falta.

Abro o volume do rádio o mais alto que posso

para que a saudade não me ensurdeça.

 

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publicado às 23:36

Na ânsia de te abraçar

por Sofia Loureiro dos Santos, em 03.10.24

wainting-on-the-shore.JPG

Niall O'Brien

 

No cais da vida espero

A barca do meu amor

Abafo o meu desespero

Asfixio a minha dor

 

Chegará de madrugada

Guiada pelo clarão 

De uma lua iluminada

Pelos olhos da paixão 

 

A alma que se quebrou

No dia em que tu partiste

Em asas se transformou

Num voo que não desiste

 

No cais desta vida aguardo

O momento de embarcar

Que eu meu amor já não tardo

Na ânsia de te abraçar

 

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publicado às 20:49

O meu amor é de pedra

por Sofia Loureiro dos Santos, em 15.09.24

tony cragg.jpg

Tony Cragg

 

O meu amor é de pedra

E mora no vento norte

Tal com a tristeza medra

No leito da sua morte

 

O meu amor é eterno

E mora na tempestade

Tal como o manto de inverno

Veste de branco a saudade

 

O meu amor já não parte

No lume da ventania

Tal como a min’ alma arde

Em permanente agonia

 

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publicado às 21:25

Imaterial

por Sofia Loureiro dos Santos, em 09.09.24

messy office.jpg

1.

Não sei para onde me dirigir. Para cima? Para o lado? Para a terra? Nunca irei outra vez ao jardim das gavetas de pedra, porque não é lá que tu estás, só o teu envelope.

Mas então para onde? Era tão mais fácil acreditar que, nalguma etérea dimensão, continuas e me ouves, e te ris de mim, e me aconchegas com o olhar, e que me recebes com a delicadeza das atenções que te envergonhas de assumir, mas que adoras que eu reconheça e tu diga.

Como explico que, antes, gostava de ir até ao rio sozinha, beber café, cirandar, ler o jornal, beber o ar, e agora me faltam as pernas, os olhos, a alma, o interesse, o ânimo? Como explicar o meu anterior gosto pelo isolamento, a minha economia de palavras, que acompanhavas e respeitavas, que agora se transformou numa prisão de letras, sons, significados, de tal forma que se avolumam em mim, não conseguindo impedir o transborde da tristeza? Como posso explicar que não consigo deixar de fechar a porta, já que não estás do outro lado para trocarmos impressões, cada um no seu canto, mas transmitindo opiniões e carinho entre paredes?

Hoje marquei na agenda vários concertos, para que a música me consiga preencher este vazio. Comprei até os bilhetes, muito arrumadinhos na pasta para isso criada no meu computador. Mas depois a quem conto o que ouvi, o que vi, o que senti? Com quem falo dos compositores, das orquestras, dos intérpretes?

Assim não. Assim não. Assim não.

 

2.

Dizem-me que devo chorar sem limites, nem pena, nem pejo, mas se choro lembram-me da força que é suposto ter, da inquestionável fortaleza da minha alma.

Dizem-me que tenho de superar, quando nem ideia fazem do que há para ultrapassar, ou sequer se o quero fazer.

Dizem-me para sair, para me distrair, quando nem desconfiam da revolta que sinto por a vida continuar sem que estejas comigo, quando não percebem que nada me pode distrair.

Dizem-me que tenho de viajar, para longe, para muito longe, quando não entendem que as viagens eram nossas, tu e eu, pelos caminhos de tantos mundos, imaginados ou calcorreados, abraçados ou detestados, tantos livros, tantos sonhos, tudo o que me interessava na vida.

E eu encolho no meio de tanta boa-vontade, no meio da culpa de ensurdecer a tantas sugestões, fechando portas, olhos, luzes, e ficando à espera de que, finalmente, resolvas regressar.

 

3.

Pela casa espalham-se pedaços de uma existência que já foi. Que vazias as roupas, transformadas em trapos sem préstimo nem brilho. Que velhos os livros, repentinamente amarelecidos e quebradiços, as folhas soltas, as letras desvanecidas.

Olho para estes restos que nada são, sem som nem cheiro, e não consigo tocar-lhes, dar-lhes destino. Pela casa estão espalhados fragmentos de uma memória que teimo em querer manter em matéria, quando tudo se tornou imaterial.

 

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publicado às 21:21


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