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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
O meu amor é de pedra
E mora no vento norte
Tal com a tristeza medra
No leito da sua morte
O meu amor é eterno
E mora na tempestade
Tal como o manto de inverno
Veste de branco a saudade
O meu amor já não parte
No lume da ventania
Tal como a min’ alma arde
Em permanente agonia
Alargo no peito os abraços do mar
Dissolvo no sal as angústias de ser
Nas ondas da vida o cansaço de dar
Nas dobras do medo o soluço de ver
Não tenho do tempo uma agenda guardada
Nem marcas carícias ternuras ou cardos
Aceito do vento essa voz torturada
De ramos e pombos que crio e resguardo
Os dias são poucos mas tantos sinais
Na terra nos corpos nas almas distantes
Que faltam que sobram que prendem demais
Gritos solitários de velhos amantes
Alargo no peito o cansaço da vida
Dissolvo no tempo o soluço de amar
Nas ondas do mundo já estou de partida
Nas dobras do vento afundo no mar
Cenas da vida de Cristo – Entrada em Jerusalém
14.
Falareis da rosa como se soubésseis de espinhos
Cuidareis dos filhos para que morram sozinhos
Carregareis as pedras com que fareis os caminhos
Servireis a fome que alimentais de carinhos
Mas a cova que vos espera será de lama
Mas o templo que vos tenta será de vento
Mas o tempo que vos gasta será a chama
Que do espaço vos devora sem um lamento
Maria Sofia Magalhães
Prosas Bíblicas – Livro 3
Pág. 74
Ao longo da estrada
ouço a mistura dos sons e dos sentimentos
as luzes meio apagadas da manhã o nevoeiro
os cinzas e os riscos de vermelho que me acordam a alma
bato as palmas no ritmo do volante e
as cordas da guitarra arrepiam-me os dedos.
Tão tristes sinceros duros
os acordes desta estrada.
Sinto que a vida me vai espremendo
como a um limão
transformando-me numa casca dura e seca
azeda e ácida
sedenta da frescura de uma rodela
em dias de Verão.
Pinheiros
A minha mãe vai buscar
O meu anel de noivado
Para que possa enfeitar
O meu amor de brocado
A minha mãe vai soprar
As folhas envelhecidas
As aves vão recriar
Melodias esquecidas
A minha mãe vai benzer
Bordados que nunca fiz
A fome de bem-querer
Os muros que nunca quis
A minha mãe vai guardar
A chave que não me entrega
No cofre do seu olhar
O canto que me sossega
Is There Hope
Saboreio a solidão
Como um abraço de mar
Perco-me na imensidão
No delírio de afundar
Cubro o mundo com o véu
Que inventei só para mim
Entre os olhos e o céu
Uma fronteira sem fim
No vício desta vertigem
Que me faz voar por dentro
Concentro-me na origem
Buraco negro no centro
Vou morrendo nesta luz
De um silêncio que arrebata
Uma ausência que seduz
Um nó górdio que se ata
Pode ser que venha a paz
Manto seguro e constante
Com que a alma se desfaz
Num futuro já distante
Alcindo Barbosa
Não há santo que nos valha
Nem demónio que nos tente
Pois a sorte que nos calha
Está no fado que é da gente
Está no fado que é da gente
E no sol que nos aquece
Na saudade que desmente
O que a alma não esquece
O que a alma não esquece
Na memória que há da terra
Na viagem que merece
O saber que o mar encerra
O saber que o mar encerra
Na vida que o tempo traz
No sonho que me desterra
No vento que me desfaz
No vento que me desfaz
Nos braços do meu País
Na casa que colhe a paz
Do mundo que sempre quis
Mosaico
Museu Glencairn
Nesta roda mal rodada
Que com penas nos depena
Pelo tempo depenada
Com suspiros mas sem pena
Hora agora que rezamos
Aos fiéis de pacotilha
As mãos postas que mostramos
Santa cruz na gargantilha
Não nos chegam os pregões
Nem os joelhos no chão
Amealham-se os sermões
p'ra futura redenção
Toca o sino e o badalo
Pasta o cordeiro de leite
Dorme o burro e canta o galo
Não há deus que se respeite
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