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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Uma voz que de fora narra a dor, quase sussurrada, quase sem paixão, uma voz apaixonada por um amor que não chega, que não se chega, que não lhe chega.
O sofrimento da antecipação, da espera, do que sabe de antemão que falhará. A transmutação entre o amador e a amada, quando nos damos conta de que o narrador agora é a mulher, aquela por quem se sofre e se desce ao abismo. E a mulher é justificada por si mesma pelas palavras do amador que se funde nela, nas suas razões e nos seus desesperos.
Há um caminho de sofrimento e aproximação, de sofrimento e fusão, de sofrimento e distanciamento, sempre num sussurro lento e triste, por vezes mais arrebatado. O título é particularmente feliz ao aludir a uma observação clínica, em que as palavras encadeadas e ritmadas são o pulsar cardíaco, aquele músculo que mesmo depois de todo o sofrimento resiste a recupera, mais lento e com cicatrizes.
As palavras repetidas sugerem a cadência e o ritmo: aquela mulher, coração, pedra, palavra, casa, amor, espera. A casa como a materialização do corpo e da esperança que se desespera. É uma poesia com uma melodia própria e dolorosa.
Manual de Cardiologia, de Fernando Pinto do Amaral, é um livro absolutamente surpreendente, que nos dói e quase nos redime.
GENUFLEXÓRIO
Soou o meio-dia Entra agora
nessa pequena ermida Dizem ter
talvez quinhentos anos Lá em baixo
a Torre de Belém
Entreabre essa porta
Cinco séculos depois ainda estás
aqui ainda a vês
entrar contigo aqui ainda ouves
o mesmo coração a sua mesma
música
e continuas sem saber porquê
Ajoelha de novo Já não crês?
E todavia ficarás
À espera de uma voz à espera de uma
primeira última luz
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