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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Os debates das presidenciais foram dominados por André Ventura. Não que André Ventura se tenha mostrado merecedor disso, mas porque os media o elevaram ao centro de todas as atenções. Não só lhe deram protagonismo naqueles em que era um dos oponentes, na maioria dos casos pela demissão dos moderadores em cumprirem o seu papel, como nos outros em que a sua presença, mais uma vez assegurada pelas perguntas dos moderadores, era imposta.
Mais uma vez o papel dos media nas democracias é crucial, tanto pela indispensável necessidade da sua existência, pela pluralidade de opiniões e pelo escrutínio dos vários poderes, como pela capacidade de manipulação e modelação da opinião pública.
A forma como as prestações são avaliadas, nomeadamente a unanimidade das loas a Vitorino Silva, pela autenticidade, pela criatividade e pelo fantástico uso das metáforas, é espantoso. Chego mesmo a pensar que devo ter uns óculos diferentes dos restantes, pois tudo o que vi foi uma lamentável tristeza de inanidades ditas e reditas por alguém que se está a candidatar, é preciso que não nos esqueçamos, ao cargo de Presidente da República.
Debates de 30 minutos são tudo menos esclarecedores, mesmo que tivessem corrido brilhantemente. Na maioria dos casos as perguntas versaram tudo menos o que de facto importa na Presidência da República. Com raras excepções, como a postura dos candidatos aos acordos e maiorias de governo, por exemplo.
Para conhecer os candidatos, as suas posições políticas e éticas, a sua forma e opções de vida, era preferível entrevistá-los com calma. Assisti a duas entrevistas feitas por Rui Unas a Ana Gomes e a Tiago Mayan que foram muito mais informativas e interessantes que qualquer dos debates.
Penso que o mais importante objectivo destas eleições é reduzir ao máximo a abstenção e tentar mobilizar, no meio da pandemia, os cidadãos a votar. Temos de nos convencer que quanto mais longe estivermos das nossas obrigações cívicas, quanto mais nos demitirmos de intervir e de escolher, participando nos actos eleitorais, mais frágil será o nosso regime democrático.
E todas as eleições são importantes. Esta também é. De um momento para o outro o Presidente pode ser a peça fundamental da nossa vida colectiva. Para isso temos que escolher aquele que pensamos ser a melhor e mais apta pessoa para o desempenho dessas funções.
Os adeptos dos extremismos nunca se abstêm. Os moderados é que negligenciam esse seu dever. Basta assistir ao que se está a passar nos EUA. A omissão e o oportunismo de muitos dos que estavam perto de Trump, que permitiram que aquela criatura se candidatasse a Presidente e que, após a eleição, se mantivesse no cargo à custa de mentiras e de atitudes indignas e que envergonham os mais distraídos, são exemplos a que devemos estar atentos para que não se repitam aqui.
Não, André Ventura não tem graça, não é um fenómeno ridículo e residual. A verbalização dos mais negros instintos do ser humano passou a ser a norma, os insultos e a gritaria, o abandalhar da moral e da ética passou a ser vista como o novo normal, para usar um dos jargões da época.
Ouvi há dias alguém defender que a redução e quase desaparecimento dos hábitos de leitura têm como consequência um enorme encolhimento do vocabulário e da capacidade de elaborar pensamentos mais complexos, o que deixa os cidadãos acríticos e crentes nas mais diversas idiotices, presos dos aldrabões e vigaristas que proliferam. Se olharmos para os nossos aprendizes de Trump não podemos deixar de concordar.
Em tempo de pandemia há formas alternativas de exercer o direito de voto. Basta ir a este link para nos informarmos.
E pensemos, interroguemos as nossas consciências. Julgar os outros é muito mais fácil do que tentar perceber as dificuldades pelas quais passa tanta gente, pelos mais diversos motivos. O racismo, a xenofobia, o desrespeito pelas mais elementares direitos humanos nunca resolveu problemas, só causou caos, miséria e sofrimento atroz. As ditaduras nunca foram a resposta a pandemias, desigualdades, corrupção ou pobreza.
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