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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
A forma como somos manipulados pela informação, feita por jornalistas credenciados, é triste e afasta, cada vez mais, os cidadãos dos media tradicionais. Na verdade, começam a ficar muito parecidos com a "informação" das redes sociais. Perigoso, muito perigoso.
Vem isto a propósito da forma como se insinua sem o afirmar, que a melhoria do ranking de uma escola pública está associada à proibição do uso de telemóveis pelos alunos, desde janeiro deste ano. Ou seja, há cerca de 3 meses.
"Escola pública que lidera 'ranking' com melhor média de exames proibiu telemóveis em janeiro"
Está, portanto, instalada a certeza de que os smartphones são uma desgraça para os alunos, razão e explicação de tantos problemas, desde o aproveitamento escolar à violência entre jovens.
Em termos de declaração de interesses, tendo imenso a concordar com esta opinião. Mas convém explorarmos o tópico, antes de tentarmos ligar uma coisa à outra, sem qualquer juízo crítico. Isso deveria ser uma prioridade no trabalho jornalístico, mas não é.
Como exemplo, cito um artigo publicado em setembro de 2024, no Journal of Psychologists and Counsellors in Schools, cujas autoras (Marilyn Campbell e Elizabeth Edwards) fizeram uma revisão da literatura sobre o tema (total de artigos encontrados n=1317, total estudado após critérios de exclusão n=22), realizados em múltiplos países: Bermudas, China, República Checa, Gana, Malawi, Noruega, África do Sul, Espanha, Suécia, Tailândia, Reino Unido e Estados Unidos da América. Concluíram que há muito poucas evidências, se não nenhumas, sobre o efeito que a ausência de telemóveis nas escolas resulte na melhoria do rendimento escolar, saúde mental e cyberbulling. Mais concluíram uma significativa falta de evidências que suportem decisões fundamentadas (retirar ou não os telemóveis do espaço escolar).
Noutro artigo mais recente (fevereiro de 2025), na revista The Lancet Regional Health - Europe, conclui-se não haver evidências que as políticas restritivas, em relação ao uso de telemóveis e redes sociais, que associem o seu uso a melhor saúde mental.
A manipulação e incompetência dos jornalistas, a preguiça ou a intenção de enganar e induzir comportamentos, instalou-se. É cada vez mais difícil destrinçar a verdade verdadeira das meias verdades ou mentiras com que somos continuamente inundados.
Não significa isto que não haja mais estudos que digam o contrário, ou que não sejam necessários muitos mais. Mas ligar 3 meses de ausência de telemóveis a melhoria no ranking é, manifestamente, desonesto e abusivo.
Sugestões:
Uso de telemóveis no Espaço Escolar: revisão da Literatura e Orientações Práticas
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