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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Não tenho feito pão, nem bolos, nem compotas, nem licores, nem nada que se coma, para além do que já fazia antes do confinamento obrigatório – umas saladinhas, uns ovinhos cozidos, enfim, deixo a comida para o expert cá de casa.
Mas ontem resolvi recuperar um pouco da minha veia artística e inventiva e resolvi fazer uma mousse de chocolate, já várias vezes tentada e muitas sem grandes resultados.
Portanto comprei uma tablete de 200 g de chocolate negro com 70% de cacau, parti-o em pedaços para dentro de um tacho, juntei 150 g de açúcar, um bocado de leite do dia gordo (não medi, mas foram cerca de 100 a 150 ml) e, grande acrescento que aprendi por essa internet fora, uma colher de sopa de azeite. Sim, leram bem: uma colher de sopa de um bom azeite. Liguei o fogão baixinho, para o chocolate derreter e não queimar.
Entretanto tinha deixado 6 ovos fora do frigorífico para ficarem à temperatura ambiente – li algures que isso fazia tooooooooda a diferença. Separei as gemas das claras e mexi muito bem as gemas, com uma colher de pau, de forma a que se transformassem num creme amarelado e homogéneo.
Depois do chocolate ficar em papa com o açúcar, o leite e o azeite, tudo muito bem mexido, retirei do lume, deitei lá para dentro um bom golo de licor caseiro de poejo e, devagarinho e mexendo sempre com grande vigor (todas as minhas receitas necessitam e evidenciam enorme vigor), fui juntando o creme das gemas para se irem incorporando na papa de chocolate.
A seguir, sempre com o pensamento estratégico na finalização da dita mousse, que requer mais planeamento que o isolamento viral, bati as claras em castelo bem firme (o castelo, claro) com uma pitada de sal, outro dos grandes segredos mal guardados da culinária ancestral. Mal o castelo se manteve de cabeça para baixo sem sofrer a acção da gravidade, comecei a misturar levemente as claras com o preparado de chocolate, envolvendo-as delicadamente, desta vez sem qualquer vigor, para que a mousse ficasse leve.
Frigorífico com ela e hoje, após deglutir um cabrito que demorou séculos a assar, mas que estava delicioso (do qual não sei a receita porque não meti prego nem estopa na sua confecção), com esparregado e batatinhas novas com casca, foi devidamente apreciada por todos os que partilhamos a almoçarada.
Enfim, mesmo com as ameaças invisíveis que nos rodeiam tratámos de nos banquetear, celebrando a festa de estarmos juntos. E a festa somos sempre nós que a decidimos e escolhemos.
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