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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
António Costa tem uma moção bem estruturada e com ideias fortes, não concretizadas quase nunca, embora indique alguns caminhos chave. Não cede ao populismo e tenta uma postura mais distanciada, de alguém que está interessado em resolver alguns problemas. Assume que o melhor é conseguir uma maioria absoluta, assume que terá que haver compromissos à esquerda, assume que é preciso lutar por uma política europeia que não penalize países como Portugal, assume que é necessário inverter o rumo político apostando nos direitos dos cidadãos, na regulação financeira e no mercado de trabalho, no investimento e modernização do Estado. Goste-se ou não, tem algumas ideias de combate.
O regime político em que vivemos tem por base uma Constituição feita há 38 anos. É claro que já houve várias revisões constitucionais. Mas se há partidos e outras organizações sociais (a tal sociedade civil que só interessa para algumas coisas) que entendem ser necessária uma alteração profunda e radical da Constituição, que tal lançarem o debate público sobre o assunto? E se os partidos se unissem, fizessem o tal pacto de regime, para fazer um referendo em relação à eleição de uma Assembleia Constituinte?
Há 38 anos a organização da sociedade - as relações entre pais e filhos, Estado e sector privado, empregadores e empregados, o analfabetismo e o acesso à educação, os problemas de desenvolvimento do país fora das áreas urbanas, a pobreza e as desigualdades, o abandono das terras e, principalmente, o clima político que se vivia em Portugal e no mundo, eram muitíssimo diferentes dos de hoje.
O acesso à informação e a sua divulgação, a enorme melhoria das condições de vida das populações, a globalização e a banalização da manipulação informativa modificaram-se radicalmente. Continuar a apostar em organizações como os sindicatos, as associações patronais, em lutas de tipo greves e manifestações, na era da internet, do facebook e do twiter, das compras e das notícias online em que cada cidadão desenvolveu a capacidade de se julgar o centro do universo e ser, nem que seja por segundos, o protagonista do que considera ser a mudança, nem que seja momentânea, transformam muito do que são as bases da construção do nosso regime e dos nossos sistemas de equilíbrio de poderes, em estruturas frágeis e a precisar de renovação e/ ou relegitimação democrática. Se calhar poderá haver outras formas de luta, outras organizações, outro tipo de manifestações.
Não basta dizer que se quer aprofundar a democracia e aproximá-la dos cidadãos. Enquanto não se enfrentar sem medo e sem demagogia a ocupação de lugares das cúpulas das administrações locais e central por aparelhos partidários, a organização territorial e administrativa do país que está totalmente desadaptada da realidade, não será possível uma alteração da lei eleitoral em que as populações se revejam mais nos seus representantes.
Modernizar o país, o Estado, investir nas novas tecnologias, aliviar os cidadãos das burocracias e do tempo que gastam a resolver banalidades, como renovar o cartão do Cidadão - uma excelente ideia que ficou a meio caminho - investir no teletrabalho, na flexibilização dos horários, nos apoios de proximidade a quem quer ter filhos - creches, meios horários, etc., nos apoios aos mais velhos gerando oportunidades de trabalho, facilitar a mobilidade das famílias com a reordenação do território e a requalificação do parque imobiliário, investir na ciência e na investigação marítima (mas a sério, não apenas nas vésperas eleitorais em que todos se lembram da nossa riquíssima costa, para a esquecerem imediatamente após o dia da votação), são tarefas que podem mudar o ciclo de recessão e descrença instalado.
A democracia faz-se todos os dias e não devemos enquistar-nos em fórmulas e soluções que estão gastas. Onde estão os protagonistas das discussões para uma verdadeira renovação do regime? Talvez fosse essa uma das melhores formas de mobilizar o país.
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