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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Os meios de comunicação, as redes sociais e os inúmeros comentadores, virologistas e epidemiologistas que pululam pelo espaço mediático, já decidiram que estamos muito mal, que o governo, a ministra da Saúde, a DGS e o Presidente, para além dos jovens, dos velhos e dos de meia-idade, estão a portar-se terrivelmente e a promover surtos de COVID-19, tanto que já há países na Europa que nos baniram como bons companheiros para o turismo dos seus concidadãos.
A política é feita de percepções e eu confesso que não percebo a quem interessa continuar a espalhar a irracionalidade do medo. Os países da Europa, que propagandeiam a solidariedade e escondem as suas estatísticas para se promoverem a eles próprios, não surpreendem.
Mas o alarmismo social constante, diário, com a demonstração de hecatombes e pedidos de mais confinamento, cercas sanitárias, multas, etc., parecem-me exageradas e sem sustentação.
Nada disto significa que não esteja preocupada. Só se fosse tola ou irresponsável. Mas não percebo tanto alarido. Será que se esperava que com o desconfinamento o vírus desaparecia?
Apesar de não ter sido (e não ser) adepta de medidas draconianas de confinamento, reconheço que tiveram uma enorme vantagem – achatar ou aplanar a curva em Portugal. Mas aplanar a curva não significa acabar com a pandemia.
Número de casos confirmados por dia e percentagem da evolução de novos casos (dados da DGS - 21/06/2020)
Aquilo que se conseguiu e muito bem, foi evitar a infecção simultânea de muitas pessoas, inundando os serviços de saúde e impossibilitando o tratamento daqueles que precisavam de internamento, nomeadamente nas unidades de cuidados intensivos (UCIs).
Ou seja, o contágio continua mas o número de doentes ao mesmo tempo foi controlado, provavelmente uma das maiores razões para a manutenção de uma taxa de letalidade relativamente baixa, comparando com outros países que não conseguiram suster a avalanche (Itália, Espanha, Reino Unido, por exemplo).
Taxa de letalidade em Portugal (dados da DGS - 21/06/2020)
Taxa de letalidade comparada com alguns países europeus (dados de 21/06/2020)
Logo que se permitiu a reabertura das actividades económicas, escolas e algumas actividades de lazer, por muito cuidado que haja – e é preciso que continue a haver e que se seja rigoroso nas medidas de prevenção – é impossível impedir que haja novas infecções. Isso só se resolverá ou com a vacina ou com a imunidade de grupo.
A percentagem de crescimento de novos casos tem-se mantido à volta de 1%, com os internamentos nas enfermarias e nas UCIs controladas, também mais ou menos estáveis, embora a descer ligeiramente (se olharmos para as variações semanais e não diárias).
Número de casos por dia e evolução dos internamentos (enfermarias gerais e UCIs - dados da DGS - 21/06/2020)
Na realidade Portugal mantém um número de infectados por milhão habitantes inferior a muitos países que nos querem barrar a entrada, e uma letalidade à volta dos 4%, também inferior a muitos desses países.
É importante perceber que as comparações directas são difíceis, pois os dados não são apresentados de uma forma homogénea e, pior, nem sempre podemos acreditar na fiabilidade dos mesmos. Por exemplo – testes significam testes diagnóstico ou todo o tipo de testes? E contam-se todos os que se fazem ou por pessoa? E como são contados os óbitos?
Por isso em vez de arrepelarmos agora os cabelos, flagelando-nos e aos responsáveis pela gestão da epidemia, como antes nos congratulávamos pelo bom exemplo, olhemos com serenidade a situação e tentemos ser racionais.
Cumprir todas as medidas preconizadas pela DGS e pela OMS – concordemos ou não, é nas instituições que nos devemos apoiar. O vírus é desconhecido e há muitíssimas coisas que só serão claras daqui a uns anos, nomeadamente a avaliação das estratégias usadas – confinamentos mais ou menos restritivos, usos de máscaras (vários tipos), terapêuticas, etc. Por isso temos que ter a humildade de reconhecer a nossa ignorância e nos irmos adaptando às evidências que vão surgindo.
Combater os mitos, as fake-news, os alarmismos e, sobretudo, os estados bipolares da sociedade, que tanto aplaude entusiasticamente – somos os maiores – como se denigre estupidamente – somos os piores.
É forçoso que regressemos o mais rapidamente à vida, usando o conhecimento já existente e as cautelas inerentes, mas aceitando que não há risco zero. É imperioso que recomecemos a tratar as outras patologias que não se confinaram à espera que o SARS-Cov-2 passasse. É indispensável que mantenhamos as rotinas de vacinação porque há já doenças que se podem evitar com vacinas – aproveitemos para nos livrarmos das crenças reactivadas que têm levado a um recrudescimento de infecções que também são perigosas e que matam, essas totalmente evitáveis.
E preparemo-nos para outras pandemias. Esta não é a primeira nem será a última.
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