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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Não sabia o que me esperava, nunca sei. Mas tenho sempre a absoluta certeza de que valerá a pena, quando vou assistir a um espectáculo do Meridional. E este, que comemora os 25 anos de uma carreira excepcional, prometia reflexão – DEVÍAMOS ter parado.
Quando acabou, as mais fortes sensações que me ficaram foram as de deslumbramento por um espectáculo belíssimo, e uma grande interrogação sobre tudo o que vi.
Esta não é uma peça de texto escrito ou falado, é uma peça de texto mímico e sensorial, em que o que se passa no palco conta uma história diferente para cada um dos espectadores. Aliás quem faz a história é cada um de nós, sendo os actores, a cenografia, a música, tudo, provocações de uma coisa que parece totalmente desligada e desconexa, mas que é uma forma de nos mantermos em interrogação permanente, de adaptarmos o que vamos vendo aos nossos percursos de vida. As personagens vestem e despem continuamente roupagens, que os fazem diferentes. Umas vezes experimentam, como se medissem as consequências, outras fazem-no rápida, repetida e atabalhoadamente, atropelando-se pelas mesmas roupas, outras normalizam-se e adquirem um tom executivo, assertivo e apressado, agressivo e devorador, outras ainda acabam por preferir a própria pele sem adereços, mergulhando numa posição quase fetal e isolada, à parte, como se se auto marginalizassem.
E por vezes encontram-se, como na cena em que duas actrizes têm vestido iguais, se movem da mesma maneira e olham espantadas à sua volta, meio crianças, meio bonecas, de mãos dadas. Por vezes encontram-se, como as que caiem nos braços uma da outra, como se desistissem e se amparassem mutuamente. Por vezes encontram-se, como se descobrissem o amor. Por vezes encontram-se, como se pudessem substituir ou acrescentar pormenores uns aos outros, adaptando-se a circunstâncias extremas.
E há algumas revoltas isoladas e inconsequentes, como a vontade de cantar de uma personagem que lembra as bailarinas da Paula Rego, que não sabe “o que querem que faça” e desafia “quem quer” com uma voz poderosa, há alguns desesperos, há um guarda-chuva que faz rir, um espelho que roda vagarosamente numa interpelação directa (somos nós que ali estamos), alguém que se passeia com nariz de palhaço e flores, murmurando palavras como silêncio e pausa.
A última cena é indescritível de bela. A música, as vozes, a luz, a melancolia, tudo misturado com a sensação de que não percebemos nada de nada, nada do que passámos, do que vivemos, do que somos, e ao mesmo tempo que, apesar de tudo, aquilo é connosco. Que, apesar de tudo, continuamos a procurar a nossa própria personagem, individual e colectiva.
Seria isto o que o Meridional pretendia? Penso que cada um fará uma interpretação diferente.
Mais uma vez estão todos de parabéns. Não percam, mesmo.
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