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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
A notícia da morte do Otelo Saraiva de Carvalho magoou-me e surpreendeu-me. Magoou-me, por se tratar de mais um amigo que parte. Surpreendeu-me, porque estive, recentemente, com o Otelo, no funeral da sua mulher, e achei-o, naturalmente, abatido, mas, aparentemente, com vigor e saúde.
Conheci o Otelo na Guiné, onde o substituí na Direcção da Secção de Radiodifusão e Imprensa do Comando-Chefe. Tornámo-nos amigos. Foi, aliás, essa amizade que me levou a testemunhar em seu favor no julgamento a que foi submetido, apesar de muitos reparos e apelos para que o não fizesse.
O Otelo era um homem bom, generoso, embora, por vezes, pouco prudente, pouco realista – contraditório, mesmo. Adorava representar, até na vida real, esquecendo que a representação exige um espaço delimitado, em que tudo o que aí é normal não o é na vida real.
Para mim, e apesar de todas as contradições, o Otelo tem direito a um lugar de proeminência histórica. E tem esse direito, apesar da autoria de desvios políticos perversos, de nefastas consequências, porque foi ele quem liderou a preparação operacional do 25 de Abril, a mobilização dos jovens capitães, o comando da operação militar bem-sucedida.
E penso assim porque entendo que um Homem é uma unidade e continuidade, uma totalidade complexa, e que só é bem julgado quando considerando, historicamente, esse quadro e o seu contexto. Mas há homens que, num momento histórico especial, se ultrapassam, ganhando dimensão nacional, indiscutível, porque souberam perceber e explorar uma oportunidade histórica única, e sentir os anseios mais profundos do seu povo.
Otelo é uma dessas personalidades. A ele a pátria deve a liberdade e a democracia. E esta é dívida que nada, nem ninguém, tem o direito de recusar.
António Ramalho Eanes
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