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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Na sequência da greve geral, da entrevista que Teixeira dos Santos concedeu a Judite de Sousa e do último programa semanal da TSF, Bloco Central, há algumas coisas que me deixam ainda mais dúvidas (porque eu, ao contrário de Cavaco Silva, tenho cada vez mais dúvidas e estou sempre a enganar-me) das habituais.
Teixeira dos Santos foi sóbrio e discreto, fintando as perguntas telenovelescas de Judite de Sousa, cujo único objectivo era fazer alarde e publicidade da irascibilidade de Sócrates, e de quanto os seus colaboradores sofreram às suas mãos. A informação está tabloidizada e a sociedade vive num perpétuo mundo onírico, de tipo Walt Disney, desapegado da realidade e do mundo adulto com que temos que lidar. A apologia da inocência, da espontaneidade e da perpétua adolescência toca as raias do disparate. A maledicência e a coscuvilhice constantes sobre a política são dramáticas e envergonham. Não me interessa se Sócrates tem mau feitio, Teixeira dos Santos se ofendeu, Paulo Portas amua, a ministra Cristas tem fanicos, se há amantes a pulular ou amizades quebradas, vícios tabágicos ou virtudes eclesiásticas. O que me interessa é o serviço público, as ideias políticas, as decisões, os argumentos, os resultados.
Mais uma vez passou a ideia de que o chumbo do PEC IV foi totalmente irresponsável e que, mesmo que ninguém possa afirmar que teria sido evitado o pedido de resgate, tê-lo-ia atrasado e, quem sabe, como disse Pedro Adão e Silva, Passos Coelho tivesse sido substituído por alguém capaz e mais competente.
Quando falamos do enorme consenso que hoje existe na sociedade, constituído por todos os partidos da oposição, por facções dentro dos partidos do governo, associações sindicais e patronais e a tão propalada e diáfana sociedade civil, quanto à necessidade de substituição do governo (de que eu própria comungo), é preciso lembrarmo-nos de que, há pouco mais de 2 anos, também havia um enorme consenso social e político, protagonizados pelos partidos todos, facções do PS, sindicatos, associações patronais, sociedade civil e Presidente da República, em como Sócrates e o seu governo eram responsáveis por todos os males do universo e deveriam ser demitidos, tendo-se precipitado as eleições.
Será que estes enormes consensos, caso sejam invocados sempre que houver decisões governamentais impopulares e situações de crise, deverão associar-se a quedas de governos e eleições antecipadas? Onde está a democracia representativa e a base para mandatos que permitam a implementação de uma política minimamente estável e consequente? E, se poderia ter sido uma bênção a hipotética substituição de Passos Coelho, não seria também uma esperança maravilhosa a substituição de António José Seguro na liderança do maior partido da oposição e representativo da esquerda democrática?
Que tem o PS a sugerir, a mudar, a motivar, a envolver os cidadãos, que justifique a sua vontade repetidamente afirmada de ir já a eleições? Na verdade penso que é a certeza de que, quanto mais tempo passar, mais provável será que não chegue a Primeiro-ministro. Quanto ao PCP e ao BE, assim como as palavras de ordem que ouvimos – está na hora de o governo ir embora – elas são exactamente as mesmas desde 25 de Novembro de 1975 e foram gritadas a todos os governos, desde então.
Estamos perante um bloqueio político sem precedentes. Mas a repetição do assalto ao poder, visto que ninguém percebe bem qual a alternativa a formar após eleições antecipadas, incerteza que se multiplica ao perceber que este PS nem coragem tem para, claramente, explicitar se apoia ou não a greve geral, talvez não seja a melhor opção. Até porque, ao contrário do governo de Sócrates, este conta (ainda) com uma maioria Parlamentar. Soma-se a este quadro deprimente um Presidente da República que desprestigiou e anulou a função presidencial, instituição que deveria ser o garante do normal funcionamento da democracia.
Queda do governo – de que está o CDS à espera? Da saída da Troika? Do próximo orçamento? Será que António José Seguro prepara e espera uma aliança com Paulo Portas, num cenário de eleições antecipadas?
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