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Dez réis de esperança

por Sofia Loureiro dos Santos, em 24.11.06
DEZ RÉIS DE ESPERANÇA

Se não fosse esta certeza
que nem sei de onde me vem,
não comia, não bebia,
nem falava com ninguém.
Acocorava-me a um canto,
no mais escuro que houvesse,
punha os joelhos à boca
e viesse o que viesse.
Não fossem os olhos grandes
do ingénuo adolescente,
a chuva das penas brancas
a cair impertinente,
aquele incógnito rosto,
pintado em tons de aguarela,
que sonha no frio encosto
da vidraça da janela,
não fosse a imensa piedade
dos homens que não cresceram,
que ouviram, viram, ouviram,
viram, e não perceberam,
essas máscaras selectas,
antologia do espanto,
flores sem caule, flutuando
no pranto do desencanto,
se não fosse a fome e a sede
dessa humanidade exangue,
roía as unhas e os dedos
até os fazer em sangue.


(poema de António Gedeão; pintura de Ismael Cuevas Jordán: esperança)

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publicado às 18:03


2 comentários

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De Anafonso a 24.11.2006 às 18:39

Gostei de reler este poema no dia em que se comemora o centenário do nascimento de Rómulo de Carvalho. Será que nos liceus de hoje ainda se ensina António Gedeão?
Obrigada por esta lembrança, Sofia.

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