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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
A responsabilidade do desmantelamento iminente do SNS não é só dos últimos governos, nomeadamente dos dois últimos, pela saída de Correia de Campos que tentou reformar e tornar sustentável o sistema.
A responsabilidade é também de quem lá trabalha e de quem o usa, ou seja, de todos nós, cidadãos que são sempre exemplares quando se olham ao espelho, e vêm tantos defeitos em quem está ao seu lado.
As gerações mais novas foram criadas (educadas?) segundo o dogma da sua própria importância, originalidade, reforço do ego e competitividade. Tudo isto é indispensável e muito importante se contrabalançado com a responsabilização, autonomia e sentimento de existência em comunidade. Ou seja, a existência dos outros, como parceiros exactamente com os mesmos direitos, deveres, sonhos e ansiedades.
Particularmente na área dos profissionais de saúde, em que durante muitos anos (e continua) foi alimentado o mito do génio para entrar nos cursos de Medicina. Com a melhor das intenções as famílias investiram na preparação dos futuros médicos como se fossem atletas de alta competição. Consequentemente a entrada na tão almejada vaga constituía (e constitui) um carimbo de excelência. Infelizmente, pela distorção das fórmulas com que se calcula a entrada nos cursos (as notas do ensino secundário são necessariamente diferentes de escola para escola e não medem, de forma alguma, a competência para exercer a profissão), esse carimbo não corresponde à realidade.
As novas gerações de médicos são iguais às antigas gerações: há os bons e os maus, os interessados e os desinteressados, os ambiciosos e os humildes. No entanto, a sociedade e os tempos de hoje moldaram-nos e continuam a moldá-los numa visão diferente do que é o serviço público.
Para esta nova geração de médicos, que se auto avaliam como quadros superiores de alto nível, as suas remunerações e condições de trabalho devem ser iguais aquilo que sempre conheceram e que sempre lhes foi facultado – tudo lhes é devido, a tudo têm direito para que possam exercer a profissão que, para eles, se limita à demonstração do saber específico de cada especialidade.
Ano a ano, com a escassez de médicos que existe e que, não esqueçamos, tem responsáveis políticos, o núcleo do sistema de saúde deixou de ser o doente e passou a ser o médico. Politica e economicamente foram esses os sinais enviados, tratando-se a saúde como fábricas de salsichas ou de componentes de computadores, introduziram a noção do mercado, da oferta e da procura, sem a percepção (ou com esse objectivo?) de que os bens que se transaccionam na saúde não são parecidos com o vestuário.
Neste momento não há qualquer cuidado, na maioria dos elementos mais novos, na continuidade de um serviço, na estruturação de uma escola de trabalho, na formação de um grupo coeso. Não há, com honrosas excepções, a noção de que o nosso trabalho é servir o doente. O trabalho é encarado quase como um favor que se faz, não uma obrigação, um factor de realização pessoal, uma dívida e uma contribuição para a sociedade.
Por isso, quando ouço falar do fim do SNS e as queixas dos muitos profissionais que têm tudo para serem excelentes elementos, para impulsionar a vontade e a força anímica dos mais velhos, que estão esgotados e precisam de ser motivados, precisam de ter a esperança de que o seu trabalho e esforço não foi em vão, embora considere justificadas muitas delas, pesam-me o coração e os membros num desalento enorme, porque o SNS está a ser destruído, mas também por dentro, por aqueles que dizem (e que têm obrigação de) defendê-lo a todo o custo.
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