por Sofia Loureiro dos Santos, em 01.12.08
Quando se fala da refundação das esquerdas convém perceber de que esquerdas estamos a falar.
- Se das esquerdas protagonizadas por grupos de cidadãos que não se revêem nos partidos políticos já existentes, como por exemplo o MIC, formado na sequência do resultado de Manuel Alegre nas últimas eleições presidenciais.
- Se das esquerdas protagonizadas pelos partidos considerados à esquerda do PS, ou seja, PCP e BE.
- Se das esquerdas protagonizadas pela discussão dentro das várias facções do PS.
- Se de todos estes movimentos em conjunto.
Analisando uma a uma estas hipóteses:
- Os grupos de cidadãos são uma mais valia na discussão política, porque aproximam as pessoas que não têm nem querem ter filiação partidária, da actividade política e da intervenção pública, o que abre a sociedade a novas formas de discussão e de intervenção. O problema é que estes movimentos tendem a agregar-se em volta de pessoas e não por comungarem um conjunto de princípios e valores, de uma determinada ideologia. Por isso estes grupos são importantes para a defesa de determinadas causas mas dificilmente poderão disputar eleições com vista ao exercício de poder. Acresce o perigo da “fulanização” e de um populismo perigoso.
- O BE e o PCP têm demonstrado, infelizmente, a sua natureza totalmente anti-poder e arcaica, com o entrincheiramento dos comunistas num beco próximo dos fundamentalistas religiosos, em que a defesa de regimes ditatoriais como o de Cuba ainda está na agenda do dia. O PCP continua com a mesma retórica desde há 30 anos, se não mais, colocando-se cada vez mais à parte do leque da discussão da esquerda moderna e amante da liberdade. O BE tem protagonizado o que de melhor existe no populismo demagógico, tendo-se especializado em ser o simétrico de Paulo Portas.
- Os vários movimentos de esquerda dentro do próprio PS têm tido pouca visibilidade, primeiro porque é muito difícil levantar a voz contra as teses oficiais de Sócrates, e a colagem ao poder é uma das constantes da vida dos partidos apoiantes dos governos, principalmente em épocas de maiorias absolutas. Só assim se entende a abulia de Alberto Martins, o relógio de repetição de Augusto Santos Silva, o ventriloquismo de Vitalino Canas, para citar só alguns, e a tentativa de calar vozes incómodas como a de Ana Gomes, por exemplo. Por outro lado se os próprios militantes do PS, como Manuel Alegre, abdicam de discutir e de fazer ouvir a sua voz dentro do próprio partido, demitem-se de um indispensável e saudável contra-poder. Esperemos os resultados de movimentos que se formaram como a Corrente de Opinião Socialista e a Res Publica.
- A conjugação de todos estes movimentos é impossível, pelos desmentidos e ataques sucessivos que se fazem uns aos outros. O frentismo de esquerda seria tudo, mesmo que existisse, menos uma renovação das esquerdas.
Sendo assim estou muito céptica em relação a este fenómeno. No entanto a contribuição de grupos de opinião dentro e fora do PS, com pessoas que aceitem as regras da democracia e que estejam dispostas a participar no exercício responsável do poder seria desejável, se não mesmo indispensável para a renovação do debate ideológico em Portugal.
É claro que a crise à direita ainda é pior, pois o afastamento da esfera do poder tem sido funesta. Mas também aí seria indispensável a discussão e a renovação das direitas.
Embora compreenda que a política e as concessões sejam o cerne da governabilidade, é preciso não esquecer que tem que haver uma ideia, ou várias ideias que estejam na base da concretização das acções governativas e/ou das alternativas da oposição democrática.
E temos assistido a um paupérrimo debate de ideias, de alternativas, de políticas e de projectos de concretização das mesmas. À esquerda e à direita. Este seria o momento ideal para um enorme e aceso debate de ideias, visto que a crise financeira, a redefinição dos papéis dos estados na economia e na política social, a modificação do paradigma do trabalho com um aumento enorme do desemprego e a consequente e previsível instabilidade nas nossas sociedades ocidentais, com as imigrações e o regresso dos fundamentalismos religiosos, tudo pede exasperadamente para se repensarem atitudes e se descobrirem novas soluções.