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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
A comunicação do Presidente da República deixou espantada a maioria das pessoas que passaram todo o dia a especular qual seria o assunto de tal maneira sério e grave que levasse a uma comunicação solene, à hora de abertura dos telejornais, sem divulgação prévia do assunto a abordar.
Pelo que percebi o Presidente quer que a Assembleia da República altere alguns artigos do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, aprovado por unanimidade pela Assembleia Regional dos Açores e pela Assembleia da República, que não foram considerados inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional:
Pareceram-me totalmente justificadas as reservas do Presidente. Não é lógico que a dissolução da Assembleia Regional dos Açores precise de mais formalidades para se concretizar, mesmo que sejam apenas formalidades, do que a dissolução da Assembleia da República.
Também acho extraordinário que uma lei aprovada pela unanimidade nos parlamentos regional e nacional esteja ferida de oito inconstitucionalidades definidas unanimemente (passe o pleonasmo) pelo Tribunal Constitucional.
O que não consigo descortinar é o motivo de tanto segredo, tanta pompa e circunstância e tanta gravidade. Porque não uma mensagem à Assembleia da República? Porque não uma conversa com os representantes dos partidos, fazendo chegar até à comunicação social a decisão de vetar politicamente a lei, caso não fossem feito as alterações? Porquê esta encenação e este dramatismo? Qual seria o propósito do Presidente, tão cuidadoso e escasso nas declarações, tão parco e rígido com as suas opiniões?
As reacções dos partidos foram interessantes: Manuela Ferreira Leite quebrou o seu silêncio estratégico tendo sido a primeira a acatar as ordens presidenciais, apesar de o PSD, já sob a sua liderança, a ter aprovado. O PCP, o BE e o CDS também afirmaram a intenção de tudo fazer para alterarem a lei, de acordo com as preocupações de Cavaco Silva. O PS ficou isolado na defesa da lei que tinha sido aprovada pela totalidade dos deputados.
Será que foi esse o objectivo do Presidente? Criar condições para que o PS se visse obrigado a reagir e a abrir um conflito institucional? Pelas correcções às primeiras reacções do PS, José Sócrates não se arriscará a fazê-lo.
Mas uma coisa é certa, a suspeita de que Cavaco Silva está a entrar na disputa política, sendo olhado como uma esperança da direita liderada pelo PSD, está patente. Por outro lado Cavaco Silva escamoteou o capital de credibilidade que mantinha, correndo o risco de nunca mais ninguém levar a sério o anúncio de comunicações presidenciais.
Afinal o Presidente está a alimentar tensões institucionais, em vez de as prevenir e evitar. Alguém falou em cooperação estratégica?
Adenda: apesar de defender o contrário do que aqui digo, vale a pena ler este texto de Paulo Pedroso, no Canhoto.
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