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Regresso a casa

por Sofia Loureiro dos Santos, em 06.06.08

Sinto sempre uma desconfiança instintiva quando ouço falar de políticas de apoio à natalidade e à maternidade. Arrepio-me de cada vez que se enaltecem as qualidades das mulheres que cuidam dos seus rebentos, que quereriam estar em casa 6 meses, 8 meses, 12 meses, para amamentarem, para darem papas e banhos e para assistirem ao gatinhar, ao rir, ao andar dos seus rebentos.


Estranho a enorme quantidade de consultas a que têm que ir acompanhadas dos respectivos companheiros, quer eles queiram quer não, esperando horas infinitas para poderem ouvir os dois que o feto ainda na barriga da mãe tem que ter a companhia do pai, o amor, o apoio, enfim, toda aquela retórica que acompanha o amor e a educação primorosa que nos ensinam que é a correcta e única possível.


É claro que acho muitíssimo bem que quem quiser fique em casa a cuidar dos filhos. O que me parece é que, encapotada e subliminarmente, se vai fazendo de novo uma lavagem ao cérebro da sociedade ensinando às mulheres que a sua função primordial é procriar, amamentar e acompanhar os filhos, e que só o não fazem por razões económicas.


Se o tempo gozado em licença de maternidade fosse dividido entre o pai e a mãe, ambos teriam oportunidade de acompanhar os filhos e de prosseguirem as suas careiras profissionais. A coberto de um grande apoio social à família e à mulher, empurra-se de novo o género feminino para a sua função reprodutora, esquecendo que as mulheres são maioritárias no desemprego em geral e no desemprego de longa duração, em particular.


As políticas de apoio à natalidade deveriam ser igualitárias, com a existência de creches na proximidade dos locais de trabalho, horários em part-time, teletrabalho, tudo o que facilite a vida de quem tem filhos, mas em pé de igualdade para ambos os sexos. Em vez de se insistir para que os homens ajudem e acompanhem a gravidez das mulheres como uma obrigação, por vezes ridícula e sem justificação, olhando quem não o faz como um machista sem remédio, seria melhor que se insistisse na necessidade de os homens ficarem em casa metade da licença de parto, no acompanhamento dos filhos ao médico e aos infantários, na facilidade com que os podem alimentar, exactamente da mesma forma que as mães. E não condenar as mães que optam por dar biberão, que querem regressar ao trabalho rapidamente após o nascimento da criança, que também gostam de beber um copo com amigos ou colegas de trabalho ao fim da tarde, que adoram a sua independência económica, que não gostam de ficar em casa. Não são piores mães por isso.


E também se pode ter liberdade de escolher não ter filhos.


Depois da revolução da pílula, da conquista da independência económica e da realização profissional, a sociedade parece quer fazer sentir de novo que as mulheres têm uma obrigação imperiosa, da qual depende até a sobrevivência da espécie, de regressar a casa.

 

 

(Nota: este texto foi hoje publicado no Corta-fitas, respondendo a um amável convite do Pedro Correia. Espero que os corta-fiteiros não se desiludam. Obrigada.)

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publicado às 13:12


31 comentários

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De Anónimo a 07.06.2008 às 01:47

Obrigada, Sátiro. Mulher, mãe, filha, de matriarcado antigo. Defendo que somos diferentes. Só nós engravidamos. Só nós temos disparos de ocitocinas que nos fazem ter voz de desenho animado quando vemos um bebé, gato, pinto ou humano. Somos nós que no limite ficamos com os filhos. Semana com a mãe, fim de semana com o pai. 6 dias com trabalho, a casa e os filhos. O homem fica com eles 2 dias, enquanto a mãe dá um jeito à casa, às unhas, à alma. Por isso o nosso organismo protege tão bem o sistema reprodutivo, transformando em celulite as toxinas nocivas a uma eventual gravidez. Visão periférica, intuição, instinto protector... Sim, quero poder optar. Ficar 3 anos a acompanhar os passos do meu filho. Desistir de uma carreira. Combinar carreira, filhos, marido, casa, ser boa mãe, ser boa mulher, na rua e na cama, manter-me eternamente bela e desejada pelo meu homem, saber cozinhar, saber receber, manter-me informada e interessante, não estar um caco à noite e não me doer nunca a cabeça. Opto sim. Opto por não ser a super mulher com todos esses atributos. Opto por aquilo que me faz feliz. Afinal tenho esse direito. Sou mulher, sou eu que engravido, sou eu que aborto, sou eu que tomo a pílula e que menstruo. Sou eu que mando na minha vida, nem que para isso tenha que abrir mão de alguma/muita coisa. E para isso existe uma coisa chamada Impostos. Para que esteja coberta qualquer que seja a minha opção. Não é preciso filhos, para poderem pagar as nossas reformas? Prefiro a Cidadania ao Feminismo. Sou pessoa antes de ser mulher, e sou mulher antes de ser pessoa. Somos um caso bicudo, por isso é que acasalamos de quando em vez.
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De Sofia Loureiro dos Santos a 07.06.2008 às 19:37

Anónimo (a): Os homens e as mulheres são diferentes e ainda bem que o são. Mas as suas responsabilidades na educação dos filhos e as suas ambições e liberdades de escolha deverão ser as mesmas. Por isso não defendo a homogeneização de coisa nenhuma, apenas que deixem quem quer fazer o que quer, sem que, à partida, lhe seja atribuído um papel estrito e "natural". Isto não é feminismo, é cidadania.

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