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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
30.
Empapamos de suor
Os lençóis da juventude
Com a fé e o ardor
Dos profetas da virtude
Entrelaçamos de dor
Os dias de vastidão
Enterramos o bolor
Que cresce na solidão
Aprendemos o caminho
Nas noites de agonia
Senhor mostra-me o carinho
Com que derretes o dia
Maria Sofia Magalhães
Prosas Bíblicas
Pág. 42
Philippe Jaroussky & Julia Lezhneva
Stabat Mater dolorosa - Pergolesi
11.
Vou plantando incertezas
Entre caminhos escuros
Arrancando asperezas
Construindo alguns muros
Solto os cães dentro de mim
Que guardam o vento leste
Mastigam num frenesim
A marca que me fizeste
O tempo já corroeu
A divina tatuagem
Senhor agora sou eu
A refazer a viagem
Maria Sofia Magalhães
Prosas Bíblicas
pág. 23
Dignidade
O dia de ontem, na Assembleia da República, foi o início de uma caminhada para o abismo na credibilidade e na qualidade dos trabalhos parlamentares.
Tudo foi mau: modos, atitude, grosseria e, mais grave que isso, o total desrespeito pelo papel dos deputados e do Parlamento. A globalização do Trumpismo, do achincalhamento, da falta de sentido de Estado e de Serviço Público ficou bem patente com as decisões e contra-decisões dos deputados do Chega. Excepção foi a dignidade com que António Filipe conduziu os trabalhos.
Será o mote para uma legislatura de bloqueio. Até às próximas eleições.
Ami, entends-tu le vol noir des corbeaux sur nos plaines?
Ami, entends-tu les cris sourds du pays qu’on enchaîne?
Ohé ! partisans, ouvriers et paysans, c’est l’alarme!
Ce soir l’ennemi connaîtra le prix du sang et des larmes…
Montez de la mine, descendez des collines, camarades
Sortez de la paille, les fusils, la mitraille, les grenades…
Ohé ! les tueurs, à la balle ou au couteau tuez vite!
Ohé ! saboteur, attention à ton fardeau… dynamite!
C’est nous qui brisons les barreaux des prisons pour nos frères,
La haine à nos trousses et la faim qui nous pousse, la misère…
Il y a des pays où les gens au creux du lit font des rêves
Ici, nous, vois-tu nous on marche et nous on tue, nous on crève…
Ici, chacun sait ce qu’il veut, ce qu’il fait quand il passe…
Ami, si tu tombes un ami sort de l’ombre à ta place.
Demain, du sang noir séchera au grand soleil sur les routes.
Sifflez compagnons, dans la nuit la liberté nous écoute…
Cenas da vida de Cristo – Entrada em Jerusalém
14.
Falareis da rosa como se soubésseis de espinhos
Cuidareis dos filhos para que morram sozinhos
Carregareis as pedras com que fareis os caminhos
Servireis a fome que alimentais de carinhos
Mas a cova que vos espera será de lama
Mas o templo que vos tenta será de vento
Mas o tempo que vos gasta será a chama
Que do espaço vos devora sem um lamento
Maria Sofia Magalhães
Prosas Bíblicas – Livro 3
Pág. 74
Depois de umas eleições resultantes da combinação de um golpe de estado judicial e de uma decisão pouco compreensível do nosso Presidente que, durante um ano, andou a ameaçar demitir o governo do PS, suportado numa maioria absoluta (para além de Mário Centeno, António Costa sugeriu 3 nomes do PS para formarem governo - António Vitorino, Carlos César e Augusto Santos Silva), temos uma constelação de instabilidade.
O Chega conseguiu 50 deputados. Não partilho do coro condescendente de quem justifica o voto no Chega com a zanga ou o protesto. Pode protestar-se de muitas formas. Mas quem vota escolhe e, para escolher, tem a obrigação de ouvir e ler. No caso do Chega basta ouvir o que dizem, principalmente André Ventura, mas não só. E o que dizem é assustador.
O PS teve uma derrota eleitoral, grande se olharmos aos resultados de 2022. Mas após o ano horribilis que teve, com tanto disparate, a governar desde 2015, o mais espantoso é não ter tido uma muito maior diferença para a AD.
A AD tem uma tarefa espinhosa pela frente. Ainda mais quando é torpedeada por gente que escreve cartas a pedir a Luís Montenegro que faça o contrário do que prometeu.
Mas o que mais me preocupa são as eleições americanas. Se Trump as ganha a Europa deixará de ter quem a defenda. Nada disso foi discutido.
Estará Portugal preparado para as consequências dessa eventualidade? Com a extrema-direita cada vez mais poderosa em toda a Europa, para além de Trump, estaremos a chegar à beira da generalização da guerra?
O meu regresso, cauteloso, vagaroso e aventuroso às lides culinárias, tem tido alguns sobressaltos. E da parte que menos se espera, como por exemplo dos utensílios.
Hoje de manhã, enquanto esperava pela entrega do supermercado, decidi repetir a receita de bolo de limão, com algumas modificações, nomeadamente um truque que me foi ensinado por alguém que, no trabalho, alia eficiência a atenção e simpatia.
Então qual é o truque? Para que o bolo não fique amargo, por causa da parte branca da casca, deve colocar-se os limões em água até ferver, apagar o lume e deixar arrefecer. Ou seja, cozer os limões. De seguida, cortam-se os pólos, dividem-se em 4, retiram-se os caroços e a parte central de pele branca.
De resto a receita foi mais ou menos a mesma: 2 limões sicilianos, 180 ml de óleo, 4 ovos, 280 gr de farinha de trigo integral, 300 gr de açúcar amarelo e uma colher de sobremesa bem cheia de fermento.
A preparação é idêntica: tudo para dentro do copo misturador, com excepção da farinha e do fermento. Depois mistura-se a papa resultante com a farinha e o fermento peneirados e põe-se a cozer, em forno pré-aquecido (180º), por 30 minutos.
O problema foi mesmo o forno. Liguei-o para o pré-aquecimento e, durante aí uns 4 minutos, ele trabalhou como de costume. Subitamente ouviu-se um estalo e a electricidade foi abaixo. Por momentos achei que tinha sido um problema geral, pois tem acontecido com alguma frequência.
Mas depois de se restaurar o quadro, de novo tentei ligar o forno e ouviu-se o mesmo estalo, com o mesmo resultado. Resumindo - tinha massa mas não tinha forno. Recorri, por isso, à ajuda materna, literalmente, indo a casa da dita com as formas cheias para cozerem no forno dela.
Pois o truque resultou e o bolo ficou bastante melhor que a tentativa anterior.
Não sei se este é o director's cut, mas é, pelo menos, o reloaded.
A propósito do livro Village of Secrets que aqui referi, vi anteontem um filme - Au Revoir Les Enfants, de Louis Malle, que apenas conhecia de nome. É um filme de 1987 que recebeu, em 1988, 7 prémios César: melhor filme, melhor realização, melhor cenário original ou adaptado, melhor fotografia, melhor decoração, melhor som e melhor montagem.
O filme é baseado numa história verídica vivida pelo próprio Louis Malle. De uma simplicidade espantosa, sóbrio, silencioso, comovente, mostra mais um exemplo de como as comunidades religiosas, desta vez uma cristã, contribuíram para esconder e salvar crianças e adultos judeus, na França ocupada e colaboracionista.
O mais interessante do filme é o facto de não haver bons nem maus. Todos os personagens têm cambiantes e, por isso mesmo, faz-nos pensar na nossa própria ética, nos nossos próprios valores e de como estes podem ser postos à prova e serem, por nós, esquecidos.
Todos somos humanos, mas há heróis de todos os dias, que não precisam de caixas de ressonância nem de espelhos de aumentar. Porque são, eles mesmos, uma versão melhorada das nossas inquietudes e preocupações.
Num dia de trabalho intenso, como todos, em que as actividades domésticas na minha ausência também foram exuberantes, um jantarzinho a dois, numa bela cervejaria, seguida de uma noite de cinema.
A felicidade das pequenas coisas.
À la Clair Fontaine
Schubert
A Democracia a funcionar. Gostemos ou não, o Povo pronunciou-se de forma inequívoca.
Esperemos que todos estejam à altura das suas responsabilidades.
A chegada de um partido de extrema direita à esfera do poder não é, infelizmente, uma surpresa. Não há maiorias nem à esquerda nem à direita. É possível um governo?
Que os líderes dos partidos democráticos defendam a Democracia. É o principal.
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