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Jardim Zoológico de Cristal

Glass Managerie

por Sofia Loureiro dos Santos, em 27.03.23

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Jardim Zoológico de Cristal

Há momentos que nunca esquecemos e que regressam mesmo sem que nos apercebamos.

Há muitos anos, estava eu a passar uma ou duas noites em casa de uma amiga minha, coisa que muito enervava a minha mãe muito pouco habituada a estas liberdades habituais em gente que vinha de África, quando senti a irmã dessa minha amiga chegar a casa, vinda do teatro.

Vinha a chorar desabaladamente, de uma forma que me impressionou e tocou profundamente. A peça que tinha ido ver era o Jardim Zoológico de Cristal, de Tennessee Williams. A sequela de uma poliomielite fazia-a coxear e (penso eu, pois nunca o verbalizei, tal o pudor que tive de falar de algo tão íntimo e doloroso), isso fê-la identificar-se com a protagonista.

Eu conhecia a peça pois tinha visto, uns anos antes, o filme de 1950 - Glass Managerie, de Irving Rapper, a preto e branco, de que tinha gostado muito. E a cena que mais me impressionou foi a que se passava na escola de datilografia, em que se via Laura a coxear e o ruído do aparelho da perna omnipresente e ensurdecedor.

Depois li mais do que uma peça de Tennesse Williams, que considero um extraordinário escritor.

 

Ontem fui ver O Jardim Zoológico de Cristal, encenado por Natália Luísa, do e no Teatro Meridional.

É sempre uma experiência diferente. O foyer espelha o clima do Teatro, as opções estéticas do Meridional, o carinho e o cuidado que põem na construção das peças, os cenários, as cores, a luz, os objetos, os tecidos, tudo que o que descobre a propósito de um texto, de uma época, o envolvimento com outros grupos, escolas, etc.

O café, o chá, os bolos, o som do espanta-espíritos que nos deixa de imediato arrepiados e expectantes. A sala com as cadeiras ocupadas por mantinhas, a penumbra e o perfume.

Sempre me espanto pela intrínseca qualidade e sofisticação de tudo quanto o Meridional faz. A escolha dos atores é sempre certa, de tal maneira que não nos ocorre nenhuma outra. A entrega de todos, a dicção perfeita, as emoções que despertam, o respeito pelo autor, pelas palavras, pela história, pela memória, a música presente-ausente.

Absolutamente emocionante. Um clássico com uma interpretação sublime de todos os atores, uma cenografia simples, sem que nada falte nem seja supérfluo.

É difícil descrever o turbilhão de sentimentos que me assaltaram. Fui para casa muito mais rica.

Obrigada, Natália, por mais esta peça inesquecível.

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publicado às 22:07

Pais e Filhos

por Sofia Loureiro dos Santos, em 19.03.23

fatherhood-as-described-by-paul-beatty.jpg

Fatherhood as Described by Paul Beatty

Rashid Johnson

2011

 

Acabaram de sair de casa. Contentes e serenos, lado a lado.

Vou arrumando minimamente os desarrumos. E recordando outros dias, outras refeições, com os mesmos ou mais protagonistas.

Tenho saudades de mais lugares ocupados, particularmente um, que de vez em quando me dói como se me faltasse um bocado. Que falta.

Uma mesa de família, naqueles momentos em que as famílias são o aconchego e a razão do nosso equilíbrio, naquelas horas em que apenas as boas memórias nos assaltam.

Eu tenho muito boas memórias. E a mesa tem sempre o ruído das vozes, os cheiros da comida, o prazer da companhia.

Ficamos os dois. Ficamos bem.

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publicado às 17:34


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