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Do Deslumbramento

por Sofia Loureiro dos Santos, em 26.11.22

do deslumbramento.jpg

É fácil não pensar, engolir as imagens cada vez mais rápidas que nos passeiam pelos televisores, monitores de computador, ecrãs de telemóveis. Anestesiamos a voz interior, o cruzamento das ideias, a dor, a dúvida, o espanto. Acomodamos tão bem as desculpas do cansaço, do stress, do impossível reverter do tempo e da vontade adormecida.

Para que serve a arte? Para quê a cultura? Cada vez a entendemos mais como qualquer coisa que entretém, que nos desvia da dura realidade, que nos ocupa o cérebro e os poucos momentos que temos para respirar.

Esquecemos rapidamente que viver implica entrega, fracasso, sonhos, memórias, fragmentos que queremos e temos que procurar, encaixe das mais diversas sensações que não compreendemos, busca de prazer e esquecimentos selectivos, amores vários e de vários tipos, morte, ódios e desrazões, tanta contradição e nebulosas como instantes de beleza e deslumbramento.

Pois é Do Deslumbramento que falo. Fui ver esta peça domingo passado, um texto original de Ana Lázaro construído para a comemoração dos 30 anos do Teatro Meridional.

Confesso que não sei o que dizer, de tal forma me marcou.

O jogo de luzes, o espaço cénico minimalista, a depuração e simplicidade da representação, a música, a incrível sensação de que não estamos perante uma peça de teatro mas de cenas e de conversas interiores daquelas personagens.

Quem são elas? Elas como actores ou os actores como personagens? Estamos dentro de alguma coisa prestes a acontecer ou a recuperar fragmentos do que aconteceu? O que é um corpo, uma memória, uma verdade? O que faz o tempo? É o tempo que faz o corpo e a memória ou a memória que conta o tempo e constrói um corpo? De que nos lembramos verdadeiramente? O que desencadeia a sensação? A luz, a sensação de queda no abismo, a certeza do branco ou do escuro? A dúvida? A incerteza das lembranças, dos sons, dos pequenos acordares dos nervos, da água nas mãos, do inundar das perguntas?

Quem somos para nós? Quem somos para os outros? O que se esconde em cada memória refeita ou em cada corpo que retalha o tempo de que se recorda?

Teatro tão simples e erudito, que parte de cenas breves e de sensações, do trabalho do actor, de uma peça como Bruscamente no Verão Passado, em que é preciso apagar uma fatia de cérebro para cortar uma memória, para a recuperação de uma fatia de cérebro para recuperar uma vida, pela memória.

Do Deslumbramento. Das melhores peças que tenho visto no Meridional, e todas elas são soberbas.

Ainda têm uma semana.

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publicado às 17:35

Se eu fosse à terra do bravo

por Sofia Loureiro dos Santos, em 17.11.22

acores.jpg

Fritz Bultman

 

Se eu fosse à terra do bravo

Se eu fosse à terra do bravo

Bravo meu bem

Sem a tua companhia

Bravo meu bem

Sem a tua companhia

 

E de lá viesse cravo

E de lá viesse cravo

Bravo meu bem

Para ver se alvorecia

Bravo meu bem

Para ver se alvorecia

 

Se as ondas que o mar estende

Se as ondas que o mar estende

Bravo meu bem

Nos braços da ventania

Bravo meu bem

Nos braços da ventania

 

No canto que se suspende

No canto que se suspende

Bravo meu bem

Com a tua valentia

Bravo meu bem

Com a tua valentia

 

Que seja de bravo e terra

Que seja de bravo e terra

Bravo meu bem

O amor que arrepia

Bravo meu bem

O amor que arrepia

 

No cravo da nossa guerra

No cravo da nossa guerra

Bravo meu bem

A espuma que nos sacia

Bravo meu bem

A espuma que nos sacia

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publicado às 17:11

Eu fui à terra do bravo

por Sofia Loureiro dos Santos, em 17.11.22

Canção popular dos Açores

Zeca Afonso

 

Eu fui à terra do bravo

Eu fui à terra do bravo

Bravo meu bem

Para ver se embravecia

Bravo meu bem

Para ver se embravecia

 

Cada vez fiquei mais manso

Cada vez fiquei mais manso

Bravo meu bem

Para a tua companhia

Bravo meu bem

Para a tua companhia

 

Eu fui à terra do bravo

Eu fui à terra do bravo

Bravo meu bem

Com o meu vestido vermelho

Bravo meu bem

Com o meu vestido vermelho

 

O que eu vi de lá mais bravo

O que eu vi de lá mais bravo

Bravo meu bem

Foi um mansinho coelho

Bravo meu bem

Foi um mansinho coelho

 

As ondas do mar são brancas

As ondas do mar são brancas

Bravo meu bem

E no meio amarelas

Bravo meu bem

E no meio amarelas

 

Coitadinho de quem nasce

Coitadinho de quem nasce

Bravo meu bem

P'ra morrer no meio delas

Bravo meu bem

P'ra morrer no meio delas

 

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publicado às 17:08

Memórias

por Sofia Loureiro dos Santos, em 10.11.22

Memories+Dreams+Reflections-12.jpg

Memories, Dreams, & Reflections

Deirdre Doyle

 

Vou cantando em novelas de encantar

Embrenhada nas florestas invisíveis

Respirando como flor a despertar

Entre as pedras de caminhos impossíveis

 

Salgo o sangue com que tatuo o destino

Refluindo nas palavras que desenho

Mais fugazes que um poema repentino

Mais letais do que as espadas que não tenho

 

Forma um grito o teu nome que não vejo

Na candura da minha dedicatória

A presença mais ausente que protejo

Esculpida na cortina da memória

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publicado às 22:18

Força Estranha

por Sofia Loureiro dos Santos, em 09.11.22

Caetano Veloso & Gal Costa

 

Eu vi um menino correndo

Eu vi o tempo brincando ao redor

Do caminho daquele menino

 

Eu pus os meus pés no riacho

E acho que nunca os tirei

O sol ainda brilha na estrada e eu nunca passei

 

Eu vi a mulher preparando outra pessoa

O tempo parou pra eu olhar para aquela barriga

A vida é amiga da arte

É a parte que o sol me ensinou

O sol que atravessa essa estrada que nunca passou

 

Por isso uma força me leva a cantar

Por isso essa força estranha

Por isso é que eu canto, não posso parar

Por isso essa voz tamanha

 

Eu vi muitos cabelos brancos na fronte do artista

O tempo não para e no entanto ele nunca envelhece

Aquele que conhece o jogo, do fogo das coisas que são

É o sol, é o tempo, é a estrada, é o pé e é o chão

 

Eu vi muitos homens brigando, ouvi seus gritos

Estive no fundo de cada vontade encoberta

E a coisa mais certa de todas as coisas

Não vale um caminho sob o sol

E o sol sobre a estrada, é o sol sobre a estrada, é o sol

 

Por isso uma força me leva a cantar

Por isso essa força estranha

Por isso é que eu canto, não posso parar

Por isso essa voz tamanha

 

Por isso uma força me leva a cantar

Por isso essa força estranha no ar

Por isso é que eu canto, não posso parar

Por isso essa voz tamanha

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publicado às 20:52

Assim o amor

por Sofia Loureiro dos Santos, em 06.11.22

sofia_melo_breyner.jpg

Sophia de Mello Breyner Andresen

 

Assim o amor

Espantando meu olhar com teus cabelos

Espantando meu olhar com teus cavalos

E grandes praias fluidas avenidas

Tardes que oscilavam demoradas

E um confuso rumor de obscuras vidas

E o tempo sentado no limiar dos campos

Com seu fuso sua faca e seus novelos

 

Em vão busquei eterna luz precisa

 

Sophia de Mello Breyner Andresen

in Geografia, 1967

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publicado às 21:07

Permaneço

por Sofia Loureiro dos Santos, em 06.11.22

wait for the promised.jpg

wait for the promised

Peter Demetz

 

Permaneço nos simples gestos do viver.

O segurar da maçã o apertar dos olhos

o arrepiar da roupa o engolir do silêncio

gota a gota saboreando a dureza

e a maturidade das rugas

o aninhar do corpo o enrolar da toalha

somando os intervalos da respiração do mundo.

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publicado às 19:22

O sinal

por Sofia Loureiro dos Santos, em 06.11.22

The_Three_Wise_Monkeys,_Nikkō_Tōshō-gū;_April_

Três Macacos Sábios

Santuário Tōshō-gū

A mais subtil e invencível censura é a própria, tendendo a transformar-se em omnipresente. Impõe-nos um silêncio que se torna mais profundo e que abrange cada vez mais assuntos. E eu estou imersa na capacidade de me auto-censurar.

Ontem este blogue fez 17 anos. Tal como eu e tantas coisas que aprecio, nomeadamente a liberdade, está fora de moda. Discutir, trocar ideias, colocar opiniões à apreciação pública sem que estas sejam de imediato a razão de insultos, de assassinatos de carácter, do destilar de ignorância, preconceitos, ódio, desprezo, acusações, são conceitos datados e a cheirar a bafio.

marcelo pedro silva.png

Pedro Silva

Mas quando me revolto e resolvo empunhar a metafórica pena da expressão livre do pensamento, quando decido que vou opinar sobre as minhas pequenas e pouco importantes preocupações, ouço o nosso Presidente Marcelo Rebelo de Sousa a demonstrar que o silêncio pode ser mesmo de ouro, que as palavras devem ser medidas e escrutinadas pela nossa censura interior, que a prudência e a possibilidade de causar mais turbulência e ruído esdrúxulo devem ser muito ponderadas, antes de as proferirmos.

Aliás o nosso Presidente é o exemplo vivo da verborreia cada vez mais perigosa, da falta de filtros, do desbragar do disparate. Não percebo bem se o objectivo é provocar ou se é apenas um destemperamento irreprimível de alguém que nunca foi muito contido.

E por isso, tal como um sinal dos céus, desce de novo sobre mim o manto da censura impelindo-me ao calar da boca, mas mantendo os olhos e os ouvidos bem abertos.

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publicado às 10:25

Brasil

por Sofia Loureiro dos Santos, em 01.11.22

lula.jpg

O próximo Presidente

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publicado às 11:57


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