Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
If I can stop one heart from breaking,/ I shall not live in vain;/ If I can ease one life the aching,/ Or cool one pain,/ Or help one fainting robin/ Unto his nest again,/ I shall not live in vain. [Emily Dickinson]
E o mar aqui tão perto.
Mesmo com a angústia da guerra, com o tempo que vai escasseando para a realização dos sonhos, com a tristeza das várias nostalgias, resta-nos o mar, a fuga e o encontro da lonjura, dos outros, de mais.
E o mar aqui tão perto.
Santo António de Lisboa
Vem cá ver o que isto é
Comer sardinha com broa
Beber vinho e água-pé
Não há febra nem sangria
Que nos cure a tradição
De lamentar a alegria
E louvar a maldição
Dar vivas ao vento agreste
Cantar como quem aguenta
Implorar ao pai celeste
Aprumo nesta tormenta
Somos bravos pacifistas
E guerreiros de um só dia
Solitários saudosistas
Bêbados de poesia
Oh meu querido santinho
Quero que sejas meu par
Ampara-me no caminho
Que ainda me falta andar
Peech Bubble XII
Discursam discursos
Orelhas de abano
Cornetas de guerra
Orelhas de terra
Não saem da boca
Os dados quadrados
Movem-se na boca
Os sons desbotados
Discursos discursam
O povo envelhece
Palavra a palavra
O povo empobrece
Oh Povo bom Povo
Tanto de ti se fala
Tão pouco por ti se faz
Tanto que o povo cala
Tanto que o silêncio trás
Oh Povo triste Povo
Tanto que de ti se pede
Tão pouco que a ti se dá
Vinho que não mata a sede
Os sonhos do que não há
Oh Povo grande Povo
Tão pouco de tanto guardas
Tanto do muito que perdes
Tanto em ser feliz tardas
Do tanto de ti que rendes
Salazar vomitando a Pátria – não se percebe bem o que é Salazar, o vómito ou a Pátria. Se calhar é esse mesmo o objectivo: não distinguir umas coisas das outras porque Salazar, a Pátria e o vómito, deviam ser sinónimos para Paula Rego.
Salazar vomiting the Homeland – 1960
De um abstraccionismo estranho e aterrador, de um exílio de muitos olhos e muitas línguas, passa para uma pintura figurativa exímia, com proporções grotescas, intencionalmente absurdas, em que as mulheres são másculas, com braços curtos, cabeças e mãos enormes, expressões fechadas e, por vezes, quase demenciadas.
The maids – 1987
As pinturas de Paula Rego vivem das histórias infantis, em que os personagens reais se transformam e adquirem animalescas figuras, animalescas atitudes e visões. Os adultos com a crueldade desses contos, com a ingenuidade simples e concreta das crianças. Em muitos quadros há várias cenas de uma peça que está a ser visionada, normalmente em planos diferentes, com dimensões diminutas ou cores esbatidas, escondidas em brinquedos ou peças de mobiliário.
Em raros quadros se nota alguma felicidade, com no quadro da dança ou no quadro da fuga para o Egipto. Neste último a figura masculina é preponderante e acolhedora, a feminina carinhosa, sem toque.
Os quadros que retratam as bailarinas são chocantes, pois as figuras a que estamos habituados a associar leveza e beleza, aparecem curtas, grossas, pesadas, desfeadas, em vestidos de cores fortes e escuras, tudo bizarro e violento.
War – 2003
Os últimos quadros retratam a velhice nas suas facetas mais cinzentas, ridículas, dependências e decadências de corpos, amarguras e solidões de almas.
O repouso na fuga para o Egipto – 1998
Interessantíssimos os estudos para os quadros, onde se percebem várias hipóteses antes da decisão, elas próprias séries espantosas, como as da dança, em que há alguns desenhos de corpos em dança satânica, tal como um quadro a preto e branco de diabos e outro sobre as bruxas e os seus bruxedos.
Dancing Ostriches from Disney’s Fantasia - 1995
Não sei como Paula Rego convive com ela própria, mas a quem olha o que ela pinta, o estômago, os nervos e a cabeça revolvem-se e transtornam.
É uma pintura visceral, e que provoca reacções viscerais. É espantosa.
Scavengers – 1994
Nesta carta que te escrevo
Com tantas letras de espanto
Abro os dedos com enlevo
Como os versos que te canto
Mas a voz que me emudece
Numa angústia esculpida
Confiança que estremece
Como folha ressequida
Não aprende a esvoaçar
Enfrentando a ventania
Que pressinto nesse olhar
Que desfaz a poesia
Recolho então de mansinho
E dissolvo-me no ar
Das palavras faço um ninho
No vazio que é amar
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.