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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Não é por me afastar
que me aproximo
se o abraço me faltar
estendo os olhos
nas palavras a guardar
falta-me a boca
que me nego a calar
pois serei louca.
Se o silêncio me bastar
cavo um buraco
para quando me fartar
deste pedaço.
O ar completamente parado, sufocante, de uma luz amarelada e bafienta. As tardes de Verão na província, a obrigatória sesta nos quartos insuportavelmente quentes, com as portadas de madeira que abriam riscas de pó dançante, até que o sono vencia as mais resistentes pálpebras. Ao longe o canto das cigarras era a única coisa que se ouvia.
Outro dia surpreendi-me a ouvir cigarras no Jamor, enquanto me preparava para o treino. Repentinamente senti-me outra vez com 10 anos, naquelas imensas tardes suspensas, como se a vida sustivesse a respiração.
Se calhar já ninguém se lembra das previsões do tsunami da pandemia que estava prestes a atingir Portugal. Convém lembrar que a previsão mais benigna era de termos 16.395 casos a 30 de Março, e a mais negativa projectava 48.110 casos no mesmo dia. Felizmente apenas a 18 de Julho se atingiram os 48.390 casos (110 dias depois).
Ao contrário das muitas declarações que se multiplicam veiculadas por diversas entidades e personalidades com diferentes formações e responsabilidades, considero que, em Portugal, a situação nunca esteve descontrolada e até tem corrido bastante bem.
Se bem me recordo, o grande objectivo era achatar a curva, de forma a reduzir ao máximo a inundação dos serviços de saúde e a mortalidade, minimizando as infecções nas faixas etárias mais elevadas. Até hoje, mesmo após o desconfinamento, isso tem sido conseguido.
Espero sinceramente que se possam retomar todas as actividades o mais depressa possível, vencendo o alarmismo e o pânico que nos assolam. Não podemos manter alocados todos os recursos, nomeadamente os da saúde, a tratar uma doença que, apesar de tudo, atinge 0,5% da população do país, se considerarmos apenas os casos confirmados de infecção. Há imensas outras patologias que foram deixadas à sua sorte, muitos doentes que deixaram de ser acompanhados, ou porque não procuraram os serviços ou porque estes estavam impossibilitados de os atender.
É indispensável, sem que abrandemos os cuidados e a prevenção da infecção, que saibamos conviver com este vírus. Não me parece justificável a manutenção diária de notícias que nos convencem de uma magnitude que está desfocada da realidade.
Não desvalorizo a COVID-19, até porque muito há ainda para saber e descobrir sobre esta entidade. Mas a hipertrofia mediática do SARS-CoV-2 faz-nos desfocar de todos os outros problemas tão ou mais graves e muito mais prevalentes nas nossas sociedades. É altura de recuperarmos do susto e de reorganizarmos as prioridades.
(A Coruña)
E assim continuámos, entre as finalizações de pequenos pormenores de arranjos, como o descortinar um carpinteiro para compor e restaurar as portas, que ao longo dos anos tinham perdido o aprumo da juventude e se tinham despedido de alguns bocados de puxadores, embaçadas e retorcidas por humidades e sem exercerem a sua mais nobre função: fecharem-se.
Estas finalizações são daquelas que nunca mais finalizam e a tolerância deixa de funcionar. Já se gastaram todos os restos de compreensão para com os atrasos tradicionais neste tipo de trabalhos e para com os pequenos ajustes daquilo que já devia estar prontíssimo. Ainda por cima com a pandemia pelo meio, as obras esticaram-se até não se poder mais.
Ontem trocávamos impressões sobre esta e outras irritações minhas, olhando displicentemente para o que estava a dar na TV, com olhos pouco observadores e, repentinamente, voltaram os beeps. Comigo estava o representante mais novo da novíssima geração internáutica, perita em Zoom e notificações de gadgets passados e futuros, pelo que exclamei: Estás a ver? São estes os ruídos que, de vez em quando e sem ninguém perceber porquê, a TV grita excitadamente!
Senti sobre mim um olhar apiedado e ligeiramente impaciente: Mas isto não é a TV, é a caixa de música! Depois de emudecer uma resposta torta que assomou aos meus lábios, olhei melhor para a colectânea de coisas que se empilhavam na prateleira imediatamente inferior à da TV, onde estava uma caixa de música com muitos, muitos anos.
Tinha-a comprado em A Coruña, penso que em 1994, quando demos uma volta pelo norte da península passando por Vigo, Santiago de Compostela, A Coruña e Ferrol. Lembro-me que o tempo estava chuvoso e que, ao deambular pelas ruas junto ao mar, encontramos uma loja de brinquedos.
Os meus filhos eram pequenitos e eu fiquei bastante tempo a olhar para vários bonecos, carrinhos e caixas de música. Acabei por comprar uma que mimetizava um baú com brinquedos, linda, linda, mais apreciada por mim do que por eles, diga-se em abono da verdade. Dois anos antes, em Roma, tinha comprado outra, dessa vez uns palhaços bem garridos.
(Roma)
Pois era essa caixa de música, ninguém me pergunte como nem porquê, que estava a fazer aqueles ruídos. A corda está perra e, por vezes, não sei com que estímulo, dá um pouco de si e lá sai um beep. Animados de espírito científico demos corda à caixa e comprovamos que eram mesmo os ruídos da música repartida em sons isolados o que se ouvia.
Este nosso Sherlock riu-se perante o nosso espanto e a minha evidente frustração por não ter decifrado o mistério, devolvendo a caixa de música ao seu lugar ante-obras, na varanda-escritório, onde os beeps se produziam mas não eram ouvidos. Ficou patente a minha incapacidade de encarnar detectives amadores geniais. Estou mais perto dos polícias que só atrapalham as investigações.
Qual não é o nosso espanto quando, uns dias depois deste rearrumar de equipamentos audiovisuais e após assistirmos a um filme através do computador, ligado à TV através do cabo HDMI, fomos incomodados pela noite dentro por uns beeps estranhíssimos, sem ritmo nem ciclo reconhecíveis que me pareceram notificações de telemóveis, depois alguma coisa vinda do computador, depois da televisão. Estremunhados pesquisámos as possíveis causas de tão estranhas e audíveis notificações de coisa nenhuma, desligámos tudo o que tínhamos ligado, inclusivamente o rádio despertador, numa tentativa de regressar ao sono.
No dia seguinte os beeps continuaram, mais espaçados. A sua proveniência parecia ser a televisão. Fui procurar na internet se havia descritos problemas nas TVs Samsung, nomeadamente beeps inusitados, e encontrei! Na internet encontra-se de tudo, nomeadamente explicações para os mais inacreditáveis problemas. Pelos vistos há televisões que, sem mais nem para quê, fazem ruídos, que desaparecem tão subitamente como aparecem e que não têm explicação científica comprovada. Calor, cabos, interferências, hipóteses mais ou menos mágicas mas nada que se entenda ou reproduza. Bem, pelo menos já havia alguém que tinha sofrido dos mesmos beeps.
E de facto, tão misteriosamente como apareceram, os beeps deixaram de nos acordar por algum tempo, até que regressaram. Habituámo-nos, como nos habituamos a tudo, partilhando este mistério com o pessoal mais novo e mais habilitado a lidar com as espantosas tecnologias digitais, nada tendo sido adiantado nem resolvido.
A miscelânea de detectives privados que há em mim, mais ou menos formais, de várias localizações geográficas, de Miss Marple a Eneias Trindade, passando por Jaime Ramos, Hercule Poirot, Commissaire Maigret, Perry Mason e Mma Ramotswe (para além de todos os outros de que me não recordo mas que enformam a minha curiosidade e necessidade de compreender o incompreensível), não estava nada satisfeita por este falhanço incomensurável em descobrir a causa destes aflitivos e irritantes beeps.
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Obras em casa são um pesadelo. Pó, porcaria, confusão, gente a toda a hora a devassar-nos a intimidade, chão sujo, móveis cobertos de lençóis, plásticos e baldes de tinta com as mais diversas maquinarias para estragar paredes, sacos amontoados em todo o lado, com roupa, com livros, com papéis. No fim, para além das limpezas, é preciso arrumar tudo de novo com a imprescindível paciência para implementação das mais fantásticas lides domésticas. Claro que as revoluções se começam em casa e a reorganização da mesma, com mudanças mais ou menos radicais, é indispensável e indissociável das obras.
Por isso mesmo a televisão que morava na sala mudou-se com satisfação para o quarto onde ocupou o espaço da anterior, bastante mais pequena, induzindo aos decrépitos ocupantes uma cada vez maior dificuldade de visualização. Por outro lado, a ausência deste ponto de encontro na sala de estar abre todo um novo mundo de possibilidades de gestão do espaço e das conversas entre os habitantes, permanentes ou temporários.
Também a decoração da pequena estante da televisão no quarto se alterou, tal como a da estante de livros no escritório improvisado da varanda fechada, menos quente no Verão, agora que está forrada a vidros duplos com exterior fosco, para melhorar a eficiência energética. Decoração essa mais seguidora de um cansaço de distribuir as coisas que todos temos a mais pelos espaços delas do que decidida por orientações estéticas. Mas enfim, as obras e a falta de skills nas arquitecturas paisagísticas de interiores ditam a sobrevivência. Tanto assim que a mistura de leitor de DVDs, os próprios DVDs, estatuetas estrambólicas e caixas de música se misturam agora num conceito de continuidade pré e pós moderno de tudo ao molho e falta de fé seja no que for, o que eu quero é acabar rapidamente com tudo isto que já não aguento mais.
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Amália Rodrigues & Alain Oulman
Camané & Mário Laginha
Makaya
Com que voz chorarei meu triste fado,
que em tão dura paixão me sepultou,
que mor não seja a dor que me deixou
o tempo, de meu bem desenganado?
Mas chorar não se estima neste estado,
onde suspirar nunca aproveitou;
triste quero viver, pois se mudou
em tristeza a alegria do passado.
De tanto mal a causa é amor puro,
devido a quem de mi tenho ausente
por quem a vida, e bens dela, aventuro.
Atentemos neste artigo do Expresso (não tenho acesso à notícia completa). Ficamos a saber que a DGS tem uma nota NEGATIVA de 33,4%. Mas não sabemos qual é a nota POSITIVA - será de 66,6%?
Marta Temido também tem uma nota NEGATIVA de 29,4%. Mas ficamos a saber que a maioria (52,4%) acha que esteve bem (nota POSITIVA) e 14% acham até que esteve muito bem - POSITIVA também. Ou seja, 66,4% deu-lhe nota POSITIVA!
Pois, mas é muito mais interessante realçar, no caso da DGS e da Ministra Marta Temido, as notas negativas.
Já no caso de Marcelo Rebelo de Sousa o destaque é feito pela percentagem que lhe deu nota MÁXIMA (25,6%), mas ficamos sem perceber qual a percentagem dos que acharam a sua acção NEGATIVA.
Pois eu, usando os mesmos critérios do Expresso, dou-lhe uma nota NEGATIVA.
Não aprendemos nada, como comunidade europeia, com o que se passou na crise de 2008. E, mais uma vez, a divisão entre os países que se acham moralmente superiores, que são frugais e sabem gastar bem o dinheiro, impõe-se. Dentro de alguns anos regressarão as sanções para quem não fez aquilo que esses países acham que se deve fazer - cortar na segurança social e reduzir as garantias dos trabalhadores com alterações da legislação.
É sempre o mesmo. A falta de vergonha chegou até à proposta de vetos por parte de países que não concordavam com a forma como se aplicavam os fundos. A falta de vergonha da parte de quem faz dumping fiscal, atraindo as empresas de outros países para fugirem aos impostos.
Não, não aprendemos rigorosamente nada.
Estou de acordo com todos os que se opõem à redução dos debates parlamentares quinzenais, em que o Primeiro-ministro e o governo são confrontados com o escrutínio Parlamentar.
O trabalho do Parlamento é legislar e escrutinar a actuação do governo. Um dos trabalhos do Primeiro-ministro é responder aos parlamentares. Este tique autoritário de deixem-no e deixem-me trabalhar é uma submissão ao populismo, muitas vezes denegrido mas abraçado nestes gestos que são bastante significativos do que se pensa da actividade dos deputados.
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