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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Temos ouvido repetidamente o Bastonário da Ordem dos Médicos dizer que os problemas das urgências pediátricas, obstétricas e outras são a demonstração da falência do Estado. E tem razão, pois é o Estado que tem a responsabilidade de desenvolver e implementar as políticas e as medidas que suportem uma cobertura de serviços de saúde, eficaz e suficiente, em todas as especialidades.
Mas talvez fosse mais importante perceber o porquê dessas insuficiências, e são diferentes das que temos visto brandir pelo mesmo Bastonário. Como já aqui realcei, a população médica está envelhecida, sendo de 50 anos a idade média dos especialistas que trabalham no SNS (50,8% têm mais de 50 anos). Significa isto que metade dos médicos especialistas podem ser dispensados de fazer urgências nocturnas e, dessa metade, cerca de 3/4 têm mais de 55 anos, o que os dispensa também de fazer urgências diurnas.
A consequência deste envelhecimento dos quadros é a necessidade que há de assegurar as equipas de urgência com a metade dos especialistas mais jovem, que se vê obrigada a aumentar exponencialmente as horas alocadas aos serviços de urgência - 2 e 3 ou mesmo mais dias (e noites) por semana, o que se torna insustentável. Qualquer médico, por muito dedicado à causa pública que seja, procura uma alternativa de forma a poder ter uma vida minimamente normal.
E o problema vai agravar-se, se observarmos com atenção os gráficos disponíveis na página 189 do Relatório Social do Ministério da Saúde e do SNS de 2018. Além disso, e ao contrário do que se diz para justificar a saída dos médicos do SNS - esta é expressiva predominantemente nos médicos mais velhos, que já não fazem urgências - a taxa de retenção global no SNS dos especialistas formados em 2018 foi de 83% (80% para a Pediatria, 84% para Ginecologia/Obstetrícia), desmentindo a narrativa da hemorragia dos jovens médicos para o sistema privado (págs. 2019 e 210).
Portanto não há médicos a mais, como a Ordem dos Médicos ao longo de décadas tem defendido (anteriores Bastonários e o actual). Há poucos, envelhecidos, mal distribuídos e mal aproveitados. A reorganização dos serviços de urgência, de que se fala há décadas, é absolutamente indispensável, com a concentração das urgências, de todo o tipo, apenas em 1 ou 2 hospitais da Grande Lisboa (para falar na Captital), de forma a optimizar os escassos recursos.
Há falência, sim, mas de organização, adaptação aos novos tempos, tal como houve de visão de médio e longo prazo. Porque se mantém fechada a hipótese de abertura de outros cursos de Medicina, abrindo a profissão a quem a ela quer aceder? Porque se mantém a licenciatura em Medicina blindada quando há um muitíssimos locais por esse Portugal inteiro onde não há médicos?
O País mudou muito nestes 40 anos e aquilo que se aplicava na década de 180 do séc. passado, com a redução de entrada nos cursos de medicina à sua mínima expressão, não é possível aplicar-se em 2019. Os hospitais privados têm uma dimensão e um peso que não tinham há 40 anos - são uma alternativa de formação e de realização profissional para quem busca a profissão médica, e ainda bem. É essencial que o SNS seja o esteio da excelência e da inovação em saúde. É essencial que os profissionais escolham trabalhar no SNS e, para isso, é preciso reformar as carreiras médicas, reforçar o investimento na inovação e, principalmente, introduzir uma cultura de avaliação, meritocracia e responsabilização, mas também de remunerações condignas e atractivas.
A centralização do sistema de saúde nos Cuidados de Saúde Primários, fazendo dos Centros de Saúde / Unidades de Saúde Familiares a sua porta de entrada, alocando especialistas e centros de diagnóstico dedicados é indispensável para o esvaziamento dos serviços de urgências, inundados de situações não urgentes. A implementação de programas de prevenção da saúde - literacia em saúde, promoção de estilos de vida saudáveis como a vida activa e a alimentação saudável, a alteração dos ritmos e dos horários de trabalho, flexibilizando-os e estimulando o teletrabalho, a delegação de competências a outros profissionais de saúde como enfermeiros e técnicos superiores, tanto, tanto que há a fazer.
E não posso deixar de falar de outra falência, de tão grave, como a que chegou aos títulos dos jornais, e que tem a ver com a incompreensível morosidade da apreciação de processos pelo Conselho Disciplinar da Ordem dos Médicos. Como é possível haver um médico com 5 processos a correr desde 2013, sem que se perceba o que aconteceu, porquê e porque não, num assunto desta gravidade? Como podem estar médicos sem competência certificada a fazer estes exames? Entre 2000 e 2009 não foi possível criar uma competência específica para a realização de ecografia obstétrica - 10 anos depois continua a ser impossível?
Como médica que sou fico imensamente chocada quando tomo conhecimento destes casos, pela gravidade que têm, pelos imensos problemas e dor que geram, pela desconfiança que, inevitavelment, suscitam.
A certificação da qualificação e da competência profissional para exercer medicina em Portugal é da alçada da Ordem dos Médicos, que avalia os currículos dos médicos que se formam em Portugal e no estrangeiro. Para estes últimos, é um calvário sem fim à vista, como tenho testemunhado, sem prazos definidos. Um processo que se inicia por um exame com 3 provas, depois um pedido de equivalência à especialidade, com a eventual necessidade de mais um exame. tudo muito lento, sem prestação de informações, com uma notória e imensa falta de respeito por quem se candidata, pela profissão e por quem poderia beneficiar de mais um especialista. Muitos desistem.
Sim, há muitos tipos de falências na nossa sociedade - a negligência e deresponsabilização são das mais nocivas na e para a nossa sociedade.
A sentença do Supremo Tribunal espanhol, em que condenou à prisão os políticos que democraticamente lutam por aquilo em que acreditam, neste caso a independência da Catalunha, fez o impensável. Para Espanha defender ideias é criminoso, de tal forma que há condenações de 9 a 13 anos de prisão.
É inacreditável como pode isto ser possível no séc. XXI, dentro de um país da União Europeia.
Catarina Martins sabia que, sem o PCP, o PS não teria condições para assinar um acordo de legislatura com o BE.
O PCP terá que digerir a pesada derrota eleitoral e não faltarão vozes a ligá-la à sua participação na Geringonça. Não é essa a minha interpretação, pois acho que o PCP está a percorrer o caminho inexorável de um partido que assenta naquilo que já não existe.
As circunstâncias de 2015 mudaram e são totalmente diferentes. Uma coisa é certa - a solução governativa anterior foi sufragada pelo povo - a mudança na continuidade. Seja Geringonça, Caranguejola, Traquitana ou Carripana, o PS tem mandato para se entender com o BE e o PCP (e o Livre e até o PAN). Espero que todos cumpram a vontade eleitoral.
O povo quer uma nova Geringonça. Não sei se vai ser mais fácil do que em 2015, mas António Costa já nos habituou à sua habilidade política.
Mas o PS tem que olhar bem para dentro de si quando a análise dos votantes mostra que o voto no PS está envelhecido e é de gente pouco qualificada.
Os jovens qualificados têm empregos precários e mal pagos, não conseguem resolver o problema da habitação e não conseguem levar uma vida independente, com qualidade. Os jovens em Portugal revêm-se cada vez menos nas propostas do PS.
O PSD e o CDS tiveram uma pesada derrota. Acho que Rui Rio ainda não percebeu.
A abstenção mantém-se e é muito preocupante, tal como a entrada da extrema-direita no Parlamento.
Tempos complicados se avizinham.
Ipse coniungat vos
Biblia Sacra
Salvador Dalí
Rezo a quem meu Deus
se em ti não creio
se aos ventos e às águas
à eterna luz dos olhos de quem amo
se às almas do passado
se aos fumos do futuro
a quem encomendo esta ânsia
a quem peço esta graça
de te amar tanto
enquanto
o amor nos celebrar?
(Para A&A - 05/10/2019)
Ainda têm tempo.
Está um belo dia para um voto e um passeio. Ou um passeio e um voto. Ou um voto e dois passeios.
Não deixem a outros a decisão do vosso querer.
Cada voto conta e todos contam o mesmo. A igualdade.
Votar é uma festa!
O voto é a nossa arma, a nossa voz, a nossa oportunidade de dizer quais as propostas e quais os prtogonistas que queremos que nos representem e nos governem.
O voto é não só um direito mas também um dever. E uma festa de civismo e uma festa de cidadania.
No domingo vou votar no PS. Não acreditei na Geringonça, não defendi esta solução. Mas fiquei rendida pelos resultados, pela descompressão da sociedade, pelo apaziguamento entre os governados e os governantes.
Houve erros e problemas, pois houve. E também por isso é preciso votar no PS, para que a sua representação parlamentar seja reforçada.
Mas o essencial é ir votar, sempre, com a seriedade e alegria dos gestos que verdadeiramente têm importância e significado.
Na sociedade civil, foram eles o fundadores do nosso regime democrático.
03/10/2019
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