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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
A Setembro chegaremos
de mãos secas e almas de cinza
nos corpos ressacados.
Abriremos a espuma
que pode ser de nuvem
ou de bruma.
A Setembro chegados
como peixes seremos
calcinados
de caruma.
Sua Excelentíssima Irrelevância resolveu lembrar-nos a todos quanto a verborreia de Marcelo é um bálsamo, tal como a surpreendente Geringonça, prendas de um Deus que se condoeu do País.
Tantas e tão variadas as causas que acendem os ânimos e desatam as iras. É obrigatório ter opinião sobre tudo, contra ou a favor, muito decidida e sem cambiantes, que a reflexão não é boa conselheira. A tolerância deixou de ser um valor por si só, resumindo-se a um título que os que se declaram dele ruidosos possuidores se manifestam nada praticantes. Do combate aos fogos à pedagogia do ensino básico, da obrigação dos coming outs à reserva da privacidade absoluta, dos eclipses solares aos estados de calamidade pública, do sexismo do Chico Buarque, tudo é motivo de absolutas declarações e insultos descabelados.
Eu estou cada vez mais apalermada com as minhas indecisões, cada vez mais fundas e sobre cada vez mais assuntos. Num dia penso uma coisa, noutro penso outra; leio uma opinião com que concordo, outra contrária onde descubro razão; entretanto tento informar-me melhor, mas o assunto já foi esquecido e já ferve nova polémica agreste e terrível. Cada vez tenho menos opiniões, até porque não consigo colocar-me de um dos lados da barricada e isso é, só por si, um crime sem perdão para os dois lados da dita.
Por exemplo: continuo a achar que a sexualidade seja de quem for é um assunto que não diz respeito ao público em geral e que não tem qualquer interesse nem interferência nas funções públicas seja de quem for. Ninguém é melhor ou pior governante, médico, electricista ou jogador de futebol por ser homossexual ou heterossexual – é irrelevante. Mas também é verdade que nem sequer nos apercebemos que ainda há diferenças entre homo e heterossexuais quando se trata de falar, em ambientes sociais ou profissionais, das mais diversas pequenas coisas quotidianas, como da família, dos filhos, das férias, das fotos, dos problemas conjugais, dos gostos, das doenças, dos sogros e sogras respectivos, das idas ao cinema e aos concertos, das companhias, dos ciúmes, das raivas e irritações, enfim, de tudo aquilo que faz a nossa vida. Isso significa que, na verdade, a irrelevância do assunto pode não ser real. Por isso, se calhar, até é importante que pessoas com visibilidade pública assumam a sua homossexualidade, acabando por normalizar aquilo que ainda não o é.
Outro exemplo: os livros de actividades escolares da Porto Editora, separados e distintos para meninos e para meninas. Acho um enorme disparate e demonstrativo de uma atitude bafienta e retrógrada no que diz respeito à promoção de igualdade de género - disso não tenho quaisquer dúvidas. Também me parece óbvio que a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CCIG) só poderia dar um parecer condenando tal anacronismo idiota. Há, no entanto, algumas coisas que não consegui esclarecer: esses livros tinham sido adoptados por algum estabelecimento de ensino? Público ou privado? Onde está o comunicado da CCIG que não consegui ler? Confesso que não gosto da recomendação de retirada de venda. Bem sei que é só uma recomendação mas soa a uma obrigação. Por muito que os ache detestáveis e estúpidos, e desde que nenhum estabelecimento de ensino os tenha adoptado como livros escolares (é obrigação do governo zelar por um ensino que não promova a discriminação de géneros), o resto é connosco, o público. Ou será que temos outra vez listas de livros certos e errados, os aceites e os proscritos?
Mas o que mais me incomoda é que a intensidade, o empenhamento e a importância das discussões são os mesmos para todos os temas, desde os excessos alimentares aos atentados terroristas. Tudo é tratado como se a sobrevivência da espécie estivesse em causa ou o mundo prestes a explodir, reduzindo tudo ao menor múltiplo comum.
Será da silly season. O problema é que estamos a eternizar a silly season e nós é que nos tornámos silly. Felizmente ainda se vão encontrando artigos de opinião que não têm nada de silly e são bons em qualquer season, como este de Maria de Lurdes Rodrigues: O terrorista integrado.
Aqui está uma bela ideia, que poderia ser copiada por muitos outros: um supermercado alemão retirou todos os produtos não alemães das prateleiras para combater o racismo e a xenofobia.
“Esta prateleira seria bastante aborrecida sem diversidade”
Esfera
As nossas janelas
pintam-se de cinza esguicham
sangue gritam os desastres
do mundo. Se correr as cortinas
e quiser viajar percorrendo
longos poemas claridades
imaginadas amores muito ansiados
os olhos abandonam-me
e atravessam as colinas
do desespero.
Penduramos diariamente palavras desgostadas
e olhos lacrimosos de tantas e tão frequentes
almas danadas desesperadas enlouquecidas
que nos dilaceram e transformam em papa
de forma a maltratarmos e descosermos
as razões da tolerância.
Estão árvores janelas candeeiros e mãos
retalhadas e cheias de letras
gastos os versos e fechado o olhar
para que se possam reacender.
Marques Mendes anuncia crescimento da economia acima de 3%. A seguir o INE apura 2,8% também no 3º trimestre. Logo:
PSD: "Crescimento ficou aquém das previsões, mas continua a ser positivo"
Pelo que me lembro, as previsões do governo eram de um crescimento de 1,8%, que tem sido superado trimestre a trimestre. Aquém de Marques Mendes? A desvergonha do PSD não tem fim.
Depois de 4 anos sem me mexer, ou seja a mexer-me alguns passos da cama para a cadeira, da cadeira para o carro, do carro para a cadeira, e assim sucessivamente, com o aumento de peso correspondente apesar das mais draconianas dietas, entortada e encarquilhada por anos de inactividade e rarefacção óssea concomitante, associados à média idade que já cá chegou, fui obrigada por uma colega muito simpática e muito assertiva a iniciar o calvário do exercício físico.
Claro que para uma matrona como eu, do século XXI, só mesmo com um PT (personal trainer), novos arautos da beleza e bem-estar, indispensável profissão de futuro, e muito trendy (na moda, da última moda, moderno, badalado, inovador, em voga, actual). Rendida e convencida, procurei o mais perto de casa que pude um ginásio (ou catedral do fitness); foi-me atribuída uma PT que me avaliou. Logo nessa avaliação, sem saber muito bem como, uma máquina que nos pesa e deita cá para fora as percentagens de gordura, tecido ósseo, água e metabolismo, fiquei a saber que o meu estava ao nível do das septuagenárias. Além disso iniciou-se logo um duelo amigável sobre dietas glúten-free e lactose-free e... tudo-free.
Nunca imaginei que o meu estado de depauperamento físico fosse tão desmesurado. Dobrar-me, equilibrar-me, fazer abdominais, pranchas, step, lunges e sei lá o que mais, intervalando com uns segundos para bebericar uns golos de água e recuperar o fôlego (acho que já preguei uns valentes sustos à PT, que me obrigou a comprar uma geringonça para medir a frequência cardíaca). Confesso que me sinto uma alma presa numa cela de carne e osso, mole e gigantesca, que primeiro que se mova, levante, dobre, estique, é o cabo dos trabalhos.
Acho que tive sorte com a PT. Apesar de franzina e incondicional e fervorosa adepta da alimentação sem pão, sem leite, sem queijo, sem iogurtes (não investiguei ainda o que mais inflama os meus interiores), é delicada, simpática e assertiva, estando sempre pronta a inventar novas torturas, mas com o apoio certo, sempre que necessário.
Mas há esperança: a propósito dos Campeonatos Mundiais de Atletismo que ontem terminaram, fiquei a saber que há tabelas de recordes por idades, para 100m, 200m, 400m, 800m, (…) e maratonas (50 Km). E há um indivíduo que tem vários recordes absolutos de todas estas distâncias aos 100 anos.
Quem sabe se daqui a 34 anos não figurarei também como recordista da maratona feminina aos 90 anos? Querer é poder. Principalmente se passar a alimentar-me de ervas e de sementes e fizer muitos lunges até lá.
Earth
1.
Onde está o mundo?
Aquele pequeno mundo a que me acostei
de coisas certas e semelhantes
tão iguais que os dias não se distinguem e os rostos
que se olham e se esquivam
são um e o mesmo desta mole humana
que o mundo alimenta e castiga.
2.
A estrada surge em combustão
e eu derreto devagar
enquanto sonho com a direcção
que tomarei à chegada.
3.
Compreendo o tempo que se esgota
e o corpo que se degrada
molécula a molécula
numa agonia pré programada
que nasce e connosco se enrola.
Falta-me apenas a inevitável aceitação
da derrota.
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