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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
(...) Acho que só os tolos é que não olham à sua volta e não reintegram uma realidade na sua obra. O acto artístico é sempre um acto de reflexão. (...)
(...) Vivemos tempos de uma grande instabilidade. Não são os tempos dos anos 30 e 40, quando a nossa Europa sofreu aquela guerra horrível, mas são tempos de angústia e de medo. (...) Recentemente, nos tempos em que o nosso país foi ocupado pela troika, vivemos uma tristeza colectiva muito grande, foram tempos de apreensão e de grandes dramas pessoais. Neste momento, acho que estamos a viver um tempo, não digo bom, mas de esperança. (...)
(...) Aquilo que se passa com os refugiados é das situações mais dramáticas que se pode viver. A pessoa perde os bens pelos quais lutou durante toda uma vida, para ter algum suporte e dignidade, e perde também um bocado da sua identidade e do seu chão. Custa-me ver o que a nossa Europa está a fazer aos refugiados, que vêm de países em guerra ou de países onde há fome ou onde se pratica um verdadeiro genocídio. A Europa tem uma resposta muito fraca e muito cobarde perante esses seres humanos. (...)
(...) O dia-a-dia pode ser muito violento. Como artista, sinto muitas vezes que as forças se combinam para lutar contra um estado de criação, contra um estado de pensamento e contra um estado de reflexão, porque o dia-a-dia é, realmente, duro. (...)
(...) Mas gosto imenso de viver na aldeia porque na aldeia não tenho compromissos, e eu gosto de viver sem compromissos, vou cada vez menos a eventos sociais, cansa-me a superficialidade dos convívios, gosto de viver só com os amigos e com a família. (...)
(...) O facto de as pessoas visitarem cada vez mais exposições pode ter que ver com a necessidade de procurarem uma dimensão mais espiritual, até mais misteriosa, para a vida. Acho que as pessoas encontram, nessa visita aos museus, uma dimensão que antes encontravam nas igrejas, a dimensão do sagrado, essa dimensão que todos precisamos porque somos mais do que carne, somos espírito. Precisamos do encontro com a criação e alguém que vê uma manifestação de arte também começa a criar. (...)
(...) Ter alguém que nos fala com verdade é, realmente, uma grande sorte.
Se não fosse esta certeza
que nem sei de onde me vem,
não comia, nem bebia,
nem falava com ninguém.
Acocorava-me a um canto,
no mais escuro que houvesse,
punha os joelhos à boca
e viesse o que viesse.
Não fossem os olhos grandes
do ingénuo adolescente,
a chuva das penas brancas
a cair impertinente,
aquele incógnito rosto,
pintado em tons de aguarela,
que sonha no frio encosto
da vidraça da janela,
não fosse a imensa piedade
dos homens que não cresceram,
que ouviram, viram, ouviram,
viram, e não perceberam,
essas máscaras selectas,
antologia do espanto,
flores sem caule, flutuando
no pranto do desencanto,
se não fosse a fome e a sede
dessa humanidade exangue,
roía as unhas e os dedos
até os fazer em sangue.
Como um prolongado lamento
o contínuo uivo do vento
pelas janelas entreabertas
dissolve as muitas cobertas
com que enrolamos os medos
e espreitamos os nossos segredos.
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