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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Isabel Catarrilha Pires
Filho de Maria
e nosso irmão
será que Jesus
nasceu ou não?
Dizem que sim
e dizem que não
já não há guia
para esta aflição
menino deus
divino artesão
um redentor
na perdição
gigante maior
pra outros anão
será que Jesus
viveu ou não?
Mundo perdido
mundo encontrado
caminho arredio
ou desviado
amável a mão
do nosso amado
agasalha o frio
no tempo afiado
por nós furacão
por nós maltratado
será que Jesus
sofreu ou não?
Dizem que sim
dizem que não
por cantos do mundo
já foi encontrado
de pena na mão
do poder apeado
por uns adulado
por outros ignorado
pra uns salvação
pra outros pendurado
em decoração
será que Jesus
morreu ou não?
Um ano depois a Geringonça continua a funcionar, melhor do que muitos de nós, eu em primeiro lugar, poderíamos imaginar.
Não fui uma defensora desta solução. A decisão de António Costa e do PS apanharam-me de surpresa e não me agradaram pois penso que a legitimidade política para ser Primeiro-ministro, depois da forma como, com o meu aplauso, ocupou o lugar de António José Seguro, não existia.
Mas a verdade é que a atitude inédita do PCP, em primeiro lugar, do BE e do próprio António Costa, abriram as portas a uma solução inédita na democracia portuguesa, logrando o alcance de uma maioria parlamentar de esquerda como sustento de um governo minoritário. E os resultados estão bem à vista.
Não estaremos financeiramente ou economicamente melhor, mas recuperámos a esperança. Há uma descompressão na sociedade portuguesa que é muito bem vinda após 4 anos de chumbo; o discurso optimista do governo e da maioria que o apoia é um bálsamo para as perspectivas de futuro, a postura digna e reivindicativa perante a Europa devolve um pouco de orgulho à comunidade.
Não estaremos melhor, mas seguramente não estamos pior. Foram devolvidos rendimentos e direitos a quem os perdeu e as contas do Estado não estão piores do que estavam durante os 4 anos da crise revanchista da direita. A crise continua, mas deslocou-se o ónus de quem a paga para outros sectores da população, mais privilegiados.
Fomos sabendo os problemas que estavam cobertos pelo pano da cumplicidade com Bruxelas, os problemas com a banca, as privatizações a todo o custo e ao desbarato. Alterou-se o foco da sociedade - das finanças para as pessoas. Descobrimos que havia e há sempre alternativas ao empobrecimento, ao aumento da desigualdade, à desprotecção dos cidadãos, à mediocridade e à tristeza.
Um ano depois a direita cria factos sobre factos para condiciona as pessoas, como o caso dos contratos de associação das escolas, como o problema da CGD que não sai das notícias.
Convém, no entanto, não concluir que está tudo bem e satisfeito, acreditando nas sondagens que, de forma crescente, vão mostrando o apoio popular a este governo. Cada vez mais desconfio destes estudos, pois parece que as pessoas decidiram ludibriar os inquéritos.
Por outro lado foi eleito um verdadeiro Presidente da República, também ao contrário do que eu vaticinava. Apesar de demasiado interveniente, Marcelo Rebelo de Sousa tem contribuído definitiva e decisivamente para a recuperação da imagem institucional da Presidência da República e trabalhado com António Costa no apaziguamento nacional.
Da minha parte, com ou sem sondagens, reconheço que estou mais descansada, mais esperançosa e mais confiante. Que continue a Geringonça, que é bem melhor que qualquer calhambeque constituído pelo PSD e pelo CDS.
Uma voz que de fora narra a dor, quase sussurrada, quase sem paixão, uma voz apaixonada por um amor que não chega, que não se chega, que não lhe chega.
O sofrimento da antecipação, da espera, do que sabe de antemão que falhará. A transmutação entre o amador e a amada, quando nos damos conta de que o narrador agora é a mulher, aquela por quem se sofre e se desce ao abismo. E a mulher é justificada por si mesma pelas palavras do amador que se funde nela, nas suas razões e nos seus desesperos.
Há um caminho de sofrimento e aproximação, de sofrimento e fusão, de sofrimento e distanciamento, sempre num sussurro lento e triste, por vezes mais arrebatado. O título é particularmente feliz ao aludir a uma observação clínica, em que as palavras encadeadas e ritmadas são o pulsar cardíaco, aquele músculo que mesmo depois de todo o sofrimento resiste a recupera, mais lento e com cicatrizes.
As palavras repetidas sugerem a cadência e o ritmo: aquela mulher, coração, pedra, palavra, casa, amor, espera. A casa como a materialização do corpo e da esperança que se desespera. É uma poesia com uma melodia própria e dolorosa.
Manual de Cardiologia, de Fernando Pinto do Amaral, é um livro absolutamente surpreendente, que nos dói e quase nos redime.
GENUFLEXÓRIO
Soou o meio-dia Entra agora
nessa pequena ermida Dizem ter
talvez quinhentos anos Lá em baixo
a Torre de Belém
Entreabre essa porta
Cinco séculos depois ainda estás
aqui ainda a vês
entrar contigo aqui ainda ouves
o mesmo coração a sua mesma
música
e continuas sem saber porquê
Ajoelha de novo Já não crês?
E todavia ficarás
À espera de uma voz à espera de uma
primeira última luz
Aproxima-te mais Só mais um passo
o último
Há uma velha amiga que te chama
Retribui-lhe esse amor
Está sempre à tua espera e ao contrário
da outra
esta não faltará ao teu encontro
Está vazio o teu peito No lugar
do coração talvez um ataúde
ou nem isso uma sombra
igual a essa noite onde procuras
o mar o imenso mar e só encontras
sede
O infindável caso da entrega das declarações de rendimentos e património dos administradores da CGD ao Tribunal Constitucional, do eventual compromisso do Ministério das Finanças em dispensá-los de tal obrigação, o folhetim das várias lateralidades indignadas, à esquerda pelo facto de ser impensável fugir ao escrutínio público, à direita pelo não cumprimento de promessas escritas, não me parece ser uma coincidência.
Convém esclarecer desde já que não consigo compreender como é possível, num país em que o rendimento líquido médio mensal é de 838 euros, haja alguém a receber por mês muito mais do que a média dos cidadãos recebem por ano, por muito competente que seja no seu trabalho. E não me venham explicar que no sector privado é isso que se aufere porque isso não pode justificar uma tão grande desigualdade salarial.
Mas a verdade é que todo este frenesim tem apenas o objectivo de atingir politicamente Mário Centeno. Ficámos a saber, pela mesma imprensa que tanto tem atacado a administração da CGD, que os anteriores presidentes da Administração entregaram, de facto, as declarações de rendimentos e de património, mas em branco ou com informações incompletas. E mais ainda, é que nada aconteceu: o Tribunal Constitucional não fez rigorosamente nada e os nossos jornalistas de investigação, colunistas, opinadores, comentadores e políticos encartados, nunca tiveram qualquer curiosidade em perscrutar as ditas declarações públicas, pois só agora se aperceberam disso.
Ou seja, tudo isto é de uma hipocrisia sem nome. E não me parece coincidência porque os ataques políticos têm atingido vários ministros, chegando agora a vez de Mário Centeno.
(...) Alguém que quer, através da prática clínica, impor aos outros, insensível ao sofrimento que causa e louvando-o até como "redenção", as suas crenças religiosas, não deve ter licença para o fazer. É para isso que servem as leis e as ordens profissionais: para garantir que ninguém usa o poder que lhe é conferido por uma certificação oficial para subverter a sua missão, infringindo direitos fundamentais e incentivando discriminações que a Constituição interdita. Porque está errado. Porque é maldoso. Porque destrói vidas. Não está em causa calar Maria José Vilaça: pode subir a púlpitos, escrever artigos, dar entrevistas, ir à TV pregar a sua visão do mundo e dos homossexuais. Mas não como psicóloga. Porque isso, sim, é uma total anormalidade.
Temos muitos canais de televisão, a enorme maioria deles desinteressantíssimos.
Os de informação têm alinhamentos noticiosos idênticos, sem rasgos nem diferenças, com os mesmos comentários e comentadores. Os de cinema repetem os mesmos filmes indefinidamente. Os de séries são todos iguais. E há uma plétora generalizada de debates futebolísticos verdadeiramente ridículos, e de programas de comida com uma multiplicidade de chefes que praticam uma culinária cada vez mais divorciada da alimentação dos comuns mortais.
No entanto há alguns oásis de que nos apercebemos quase por acaso, como o Visita Guiada, de Paula Moura Pinheiro, que já vai na sexta temporada.
Em episódios de cerca de 30 minutos, Paula Moura Pinheiro leva-nos a visitar quadros, peças de arte, mosteiros, altares, igrejas, bibliotecas, jardins, onde tudo é devidamente enquadrado e acompanhado por alguém que explica e conta a história do que estamos a ver, levando-nos a conhecer e a compreender a época, o artista, o acontecimento.
De uma elegância contida e de uma sobriedade sem solenidade, Paula Moura Pinheiro consegue interessar os espectadores sem falsas erudições nem condescendências com o popularucho ou discursos facilitistas, percorrendo o País e os seus vários tesouros, mais ou menos desconhecidos.
Felizmente podemos ver e rever os programas na RTP Play. Muitos parabéns a toda a equipa que o pensa, produz e realiza.
Pose
Lá fora soam passos entre o nevoeiro.
Volto a cabeça atentamente
mas não me importam os passos nem o nevoeiro nem a cabeça
nem os sucessivos segundos que transcorrem entre o voltar da cabeça e o piscar dos olhos
entre uma gota desfeita no ar e o peso da gota nos cabelos.
Ouça as rodas do pensamento mais alto que os passos que o nevoeiro conserva
indentado e arrastado de sucessivas voltas no fechar da luz
que se coa por entre as gotas que pesam nas mãos dentro dos bolsos
tão afundadas e presas como a cabeça que conta os sucessivos passos
de quem desatento atravessa o espaço do meu mundo
reduzido à dimensão do nevoeiro em que se transforma o que volta à minha cabeça.
Emptiness
Vamos confinando o espaço do corpo que encolhe
ao canto do universo em expansão que nos acolhe
como infinito é o tempo que se retrai e se recolhe
nas sobras desta vida que se vive e não se escolhe.
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