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If I can stop one heart from breaking,/ I shall not live in vain;/ If I can ease one life the aching,/ Or cool one pain,/ Or help one fainting robin/ Unto his nest again,/ I shall not live in vain. [Emily Dickinson]
Irrevogabilidade desavergonhada:
Os técnicos do FMI têm certa saudade da autoridade que já cá tiveram
Alfredo Ceschiatti
Tenho tentado estar o mais possível distante do assunto Sócrates. Mas por muito trabalho que tenha, por muito que mude de canal sempre que começam as notícias, por muitas séries policiais soporíferas e ansiolíticas que veja, Sócrates é servido em bolus pelos media, sempre que é necessário distrair o País da direita que nos desgoverna ou desviar as atenções da alternativa que o PS protagoniza.
Muitos têm uma opinião sobre a culpabilidade de Sócrates, por preconceito puro e simples e pelas razões opostas: a hipótese de ser um criminoso é uma verdade inquestionável para uns, enquanto a sua inocência é um dogma para outros. Mas há ainda um grupo de gente que, apesar da campanha negra que continuamente é feita contra Sócrates, com a conivência, se não com a ajuda do Ministério Público, tentam esperar pelo julgamento e pela produção das provas para concluir, ou esperam que as provas e o julgamento demonstrem aquilo em que, no íntimo acreditam.
Mas quando se quer fazer crer que este é um caso de justiça e não um caso de política está a prestar-se um péssimo serviço à Justiça, ao País e à Democracia. O processo que envolve José Sócrates, a ser verdade o que já foi tornado público, nomeadamente que está em investigação há 3 anos, e que vai de caso em caso, de empresa em empresa, de País em País, de conta bancária em conta bancária, torna o Processo Marquês num enorme embuste e numa caricatura daquilo que deve ser um Estado de Direito.
Felizmente começam a aparecer várias pessoas insuspeitas de serem seus amigos, admiradores ou camaradas de partido, que se mostram chocadas e apreensivas com o estado da Justiça. Mas é preciso não esquecer que alguns dos que agora se indignam forma responsáveis pelo clima de ódio criado em torno da figura de José Sócrates, pois participaram na campanha de ataque ao seu caracter e ao vilipêndio de todos quantos se atreviam a concordar com as suas políticas. Não me esqueço de pessoas com responsabilidade como Pacheco Pereira, que publicamente decretava sociedades maléficas atrás dos blogues que continham pessoas simpatizantes com a política de Sócrates, que fez eco do caso das escutas de Belém, ou da asfixia democrática, que permanentemente colaborou na intoxicação da opinião pública contra o ex-Primeiro-ministro.
Todo este episódio da alteração da medida de coação aplicada a Sócrates é verdadeiramente extraordinário: qual a alteração no processo levou a que a acusação propusesse esta alteração? Como é possível continuar a sustentar que haja perigo de fuga e/ ou de perturbação da investigação? Como é possível que não se reaja oficialmente à obscenidade da publicação das transcrições do interrogatório a Sócrates imediatamente a seguir à sua recusa em aceitar a prisão domiciliária nas condições propostas? Como é possível continuar a manter uma prisão preventiva ao fim de 3 anos de investigação que não resultaram ainda em qualquer acusação?
Não é possível continuar a ignorar o contexto obviamente político de todo este caso. Vale a pena, mesmo salvaguardando todas as diferenças, ver o que se passou com o caso Strauss-Kahn. Temos o direito e o dever de questionar este caso e esta forma de administrar a Justiça. Nenhum de nós está a salvo num País em que os direitos dos cidadãos são ignorados e atropelados pelas espadas do justicialismo e pela substituição do poder político pelo poder judicial.
Por muito que António Costa queira despoluir o debate político, ele está há muito contaminado pelas questões judiciais. Começa a ser ensurdecedor o silêncio do líder do PS. Por muito delicada e sensível que seja esta questão, o problema não está especificamente na pessoa de José Sócrates. O problema somos nós todos, no dia em que tivermos a infelicidade de estarmos envolvidos em qualquer tipo de processo judicial.
Este é um dos fundamentos de uma sociedade digna, que respeita os cidadãos. A confiança na Justiça é fulcral para a vivência em comunidade e para a democracia. Precisamos de políticos corajosos e que saibam destrinçar entre o prioritário e o acessório, que não tenham receio de afrontar as opiniões públicas, que mostrem as suas ideias e os seus valores.
Nota: vale a pena ler: Pedro Marques Lopes, Miguel Sousa Tavares, Fernanda Câncio, Leonel Moura.
10 de Junho de 2015
Vemos desfilar as figuras
numa pompa de bonecos articulados
as marcas no chão
desenhos de um encenador empalhado
passadeiras e banda de música
enfáticos soldados de chumbo
neste País apalhaçado
no entretém de vizinhas à janela.
E a voz de pároco do burgo
redonda e ciciada como convém
a soar pelos ares de entulho
numa bênção colada a ninguém
meu País triste e alheado
da irrelevância das almas sem orgulho.
(...) A escolha que Sócrates fez é óbvia. Mas muitíssimo dura. Ela retrata a personalidade do ex-primeiro-ministro. Se é verdade que, como todos sempre souberam, ele se alimenta do combate e do conflito, decidir continuar a viver numa cela não é para qualquer um. Revela coragem. O que obriga as pessoas, independentemente das suas convicções sobre a culpa ou inocência de Sócrates, a reconhecer-lhe pelo menos essa qualidade. (...)
(...) José Sócrates, para recusar a oferta de prisão domiciliária anilhada com pulseira eletrónica, relata: "Seis meses sem acusação. Seis meses sem acesso aos autos. Seis meses de uma furiosa campanha mediática de denegrimento e de difamação, permitida, se não dirigida, pelo Ministério Público". É isto verdade?... É.
É cristalinamente verdade. É repetidamente verdade em inúmeros outros casos. É uma verdade permitida pela aplicação de uma falácia chamada segredo de justiça.(...)
AXIMAGE - 7 de Junho de 2015
António Costa e o PS estão a fazer uma campanha limpa e séria, como já há muito tempo não se assistia. O programa eleitoral está publicado, para que quem quiser o leia e discuta, o compare com o da coligação de direita que, a reboque da iniciativa do PS, se sentiu na obrigação de apresentar propostas.
O PS, segundo as várias sondagens que vão sendo conhecidas, não consegue uma maioria absoluta. Os valores de abstenção da última sondagem da AXIMAGE situam-se em 35%. É aqui que António Costa e a sua equipa se devem concentrar.
É indispensável que o PS convença o eleitorado da importância de conseguir uma maioria absoluta. Como se esperava, o PCP e o BE (não falando noutras formações mais ou menos folclóricas, mais ou menos bem intencionadas) continuam a atacar o PS colando-o ao PSD e CDS. Esta legislatura não lhes ensinou nada, tal como não ensinaram nada as décadas que decorreram desde o 25 de Novembro de 1975, em Portugal e no resto do mundo. Para conseguir aplicar o seu programa, aquele que vai defender em campanha eleitoral, o PS tem de convencer o País a dar-lhe autonomia e a responsabilidade não partilhada para os próximos 4 anos.
As alianças pós eleitorais estão nas mãos dos eleitores. Mas os eleitores têm que ser bem esclarecidos do significado da ausência de uma maioria absoluta, tanto para a esquerda como para a direita.
A grande diferença é que, à esquerda, não há interlocutores que permitam uma coligação com coerência e com o mínimo de estabilidade. Por muito que o PS se esforce, a sua natureza intrinsecamente democrática e a sua opção por uma economia aberta afasta-o das formações que se dizem de esquerda, defensoras de uma utopia que apenas se materializou em totalitarismos. A sua opção por um Estado que garanta os direitos e os apoios sociais aos cidadãos, um estado promotor de igualdade e desenvolvimento em vez de um Estado mínimo e anémico, afasta-o desta direita trauliteira e retrógrada.
Não é entre Passos Coelho e António Costa que os eleitores hesitam mas sim entre António Costa e a demissão de votarem. António Costa, os seus mais próximos conselheiros, os órgãos dirigentes, os militantes e os simpatizantes terão que, persistente e aplicadamente, vencer a propaganda diária dos comentadores, dos alinhamentos noticiosos e da desinformação permanente.
O País precisa de um governo decente, para que se recupere a dignidade de viver com segurança e com confiança no futuro. Não há margem para falhar. É urgente a mudança.
Hoje é sábado, amanhã é domingo.
(...)
O dia é sábado.
(...)*
É o melhor dia da semana. Então quando solarengo e quente, à beira rio, nada melhor para nos apaziguarmos com o mundo. Além disso, para além de não haver nada como o tempo para passar*, há sempre a apreciação das regatas, do sol coado pelas lentes escuras, do brilho reflectido no Tejo e dos passeantes.
E se há gente nestes dias, uma classe de gente que se multiplica e prolifera por todas as cidades turísticas – os turistas. De todas as etnias, de todos os continentes, de todas as idades, em comum a ser e estar-se turista.
Essa comunhão no ser e no estar forma uma espécie de irmandade com os seus códigos de conduta. Desde o aspecto vincadamente despreocupado e alegre à estudada indumentária para passear, usufruindo das delícias indígenas e documentando aplicadamente momentos para publicar nas redes sociais, os turistas cumprem a sua função com um profissionalismo empenhado.
E assim podemos distinguir aqueles que se passeiam obrigatoriamente vestidos de calções, blusas fluidas de cores berrantes, preferencialmente com motivos florais, óculos escuros coloridos de verde, rosa choque, azul ou preto, sempre espelhados, chapéus que se evidenciam pela enormidade das abas (mesmo a ausência das copas) e nos pés as globalizadas havaianas, sandálias rasas de sola fina, totalmente incómodas, fazendo com que cada pedra da calçada seja sentida pelos doridos pés (a modalidade sandálias-com-meias reduz este problema); em alternativa há ténis com as cores o mais diferentes possível das flores das blusas. Não esquecer as mochilas, as garrafas de água e os telemóveis para as selfies. Há uma minoria mais sofisticada que se passeia com máquinas fotográficas (retro) a tiracolo.
Importantíssima a atitude de boca escancaradamente aberta em sorrisos admirativos, a voz suficientemente alta para se ouvirem as arrebatadas exclamações de felicidade. Podemos imaginar qualquer pacata e discreta criatura, no seu dia-a-dia de trabalhadora, comedida no falar e no vestir, transfigurada neste estado turístico passageiro e cíclico, tal qual as estações do ano.
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