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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Desde o fim do Conselho de Estado que Portugal tem um governo fantasma. O Primeiro-ministro está refém do Presidente, do CDS e das manifestações. Foi desautorizado por todos e arrastar-se-á até à próxima manifestação, crise da coligação ou vontade de Cavaco Silva.
A porta para a ingovernabilidade está definitivamente escancarada. E a substituição de alguns ministros não resolverá nada. Como diz Pedro Marques Lopes, quem deveria ser remodelado era Passos Coelho.
Continuamos sem saber muito bem o que significa o recuo da TSU. Na sua famosa comunicação ao país, Passos Coelho anunciou que seria devolvido apenas um subsídio aos funcionários públicos, que o outro seria distribuído pelos restantes doze meses, e que o aumento da contribuição para a segurança social, por parte dos trabalhadores, seria de 7%, equivalente a um ordenado. Ou seja, os funcionários públicos perderiam mais do que dois ordenados num ano e os trabalhadores do sector privado mais de um. Isto para além das alterações dos escalões do IRS e de outras medidas.
Em que ficamos agora? São devolvidos os dois subsídios retirados à função pública? Como vão ficar os escalões do IRS? Haverá redução de subsídios igualmente para ambos os sectores? Impostos adicionais?
Depois de uma intensa barragem de propaganda, para nos fazer crer que o dinheiro só seria disponibilizado pela troika se fossem cumpridas as alterações na TSU, tudo se volta ao contrário, mas sem se perceber onde irá terminar.
A remodelação é urgente, mas não do governo. Os partidos se esquerda devem tirar as suas ilações de toda esta trapalhada. Há que mudar e encontrar líderes e soluções à altura das circunstâncias. As eleições antecipadas estão no horizonte próximo. Quem assegurará o governo, se o PS não consegue capitalizar o descontentamento do povo, para além da avassaladora descrença na democracia?
Não posso aceitar que se cerquem os Conselheiros de Estado, o Presidente da República, os governantes. Espero que políticos responsáveis, líderes políticos de partidos democráticos se demarquem dos gritos de gatunos e da intimidação que está em curso, por muito pouco popular que sejam essas tomadas de posição.
As razões de descontentamento e de desespero são imensas, mas isto não se admite em regimes democráticos. Espero ainda que a polícia se continue a comportar como uma verdadeira polícia de segurança, dos cidadãos todos, manifestantes e governantes.
A manifestação de 15 de Setembro ensinou-me muitas coisas que, ou nunca tinha percebido, ou já tinha esquecido.
Ensinou-me que as pessoas são menos manipuláveis do que eu sempre penso. Independentemente das motivações políticas que estavam nos bastidores da convocação da manifestação, bem expressos no slogan Que se lixe a troika! Queremos as nossas vidas!, a amálgama de gente que foi para a rua, também com uma enorme mistura de razões, fê-lo sem se deixar conduzir para a violência ou para o pseudo terrorismo urbano, com um civismo que não é novo, mas sempre espantoso e comovente.
Confirmou-me que o espaço para o nosso regime partidário é cada vez mais estreito, pois os líderes dos partidos políticos estão, se calhar tal como eu, ultrapassados e sem saberem como conduzir todo este manancial de indignação, frustração, raiva e desesperança, não se mostrando capazes de responderem com a vitalidade que é necessária à crise, que não é só de agora, da própria democracia.
Ensinou-me que, apesar da minha descrença, as manifestações de massas ainda podem mudar o curso dos acontecimentos. Na verdade estou mesmo convencida de que, tanto o esticar da corda do CDS como a convocatória do Conselho de Estado pelo actual Presidente, só aconteceram por causa do clamor e da enorme demonstração de repúdio aos últimos anúncios de austeridade. Até internacionalmente isso parece ter sido compreendido e os sinais de alerta multiplicam-se.
A suposta vigília em frente ao Palácio de Belém, de imediato marcada para hoje, não é mais do que a continuação das convocatórias que pretendem manobrar e intimidar as instituições. No entanto, ao ouvir esta manhã, na TSF, que uma cantora lírica irá entoar, em conjunto com centenas de pessoas, a canção heróica Acordai! de Fernando Lopes Graça e José Gomes Ferreira, enchi-me de orgulho.
Não há melhor vigília que este alerta aos homens que dormem, em Portugal e na Europa. Enquanto é tempo, cantemos mesmo em uníssono – Acordai! Cavaco Silva, Passos Coelho, Paulo Portas e Vítor Gaspar. Acordai! António José Seguro, Francisco Louçã, Jerónimo de Sousa. Acordai! Economistas e comentadores, que o tempo é já. É agora.
Nota: Continuo a pensar que os governos não se demitem na rua mas com os votos em eleições livres. Continuo a pensar que o radicalismo dos partidos (que se dizem) de esquerda, como o BE e o PCP, tem raíz antidemocrática. Continuo a não querer pactuar com frentismos ideológicos e antitroikistas, numa unanimidade que desafia o próprio conceito da possibilidade de alternativas.
Fernando Lopes Graça & José Gomes Ferreira
Acordai
acordai
homens que dormis
a embalar a dor
dos silêncios vis
vinde no clamor
das almas viris
arrancar a flor
que dorme na raíz
Acordai
acordai
raios e tufões
que dormis no ar
e nas multidões
vinde incendiar
de astros e canções
as pedras do mar
o mundo e os corações
Acordai
acendei
de almas e de sóis
este mar sem cais
nem luz de faróis
e acordai depois
das lutas finais
os nossos heróis
que dormem nos covais
Acordai!
O PCP e o BE começam a escalada. A Grécia está aqui mesmo à mão. Já se combinam vigílias em frente à Presidência da República. Este conceito de democracia vigiada e comités do povo, que vigiam e guiam as decisões, não é o meu.
Por outro lado, começam a circular notícias de que haverá empresários que devolverão o dinheiro da TSU aos seus trabalhadores, o que acho óptimo. O que demonstra, mais uma vez, que esta medida promove a desigualdade, pois o sector estatal não devolverá absolutamente nada. Ou seja, serão os funcionários públicos, se alguém ainda tinha dúvidas disso, a arcar com a amior fatia do corte salarial.
O país aguarda o Conselho de Estado e a declaração do Presidente. Esperemos que ele faça uso da sua tão propagandeada experiência de economista e, mais importante, que use o poder que tem de ter sido eleito para o colocar ao serviço de quem o elegeu.
Não estava em Portugal a 1 de Maio de 1974, portanto não posso fazer comparações entre o número de manifestantes dessa época e o de ontem. Nem percebo muito bem a comparação. Porque mesmo que tenha sido menor, a quantidade de pessoas nas de ontem foi gigantesca. Considero, no entanto, que as semelhanças acabam mesmo aí.
As manifestações do 1º de Maio de 1974 aconteceram após quatro décadas de um regime ditatorial, num Portugal liberto que reencontrava a capacidade de se expressar sem medo. As manifestações de 15 de Setembro de 2012 foram um grito de revolta e uma demonstração do desespero de um país que se vê no meio de uma crise que não acaba, governado por uma coligação que não o mobiliza, que não lhe dá esperança, que reaviva o que há de mais conservador na ideia do estado, que substitui, como dizia Maria de Belém, o primado do direito e do contrato social pelo primado da economia.
Mas Portugal vive em liberdade e é uma democracia pluralista. Há uma Constituição e um Tribunal Constitucional, há uma Assembleia da República para a qual o povo elegeu representantes, há um governo legítimo e um Presidente da República. Até agora, as Instituições democráticas têm funcionado. Mesmo que não concorde com o governo, mesmo que não tenha votado neste Presidente, nada no meu país pode ser comparável com o que existia antes do 25 de Abril, portanto nada pode ser comparável ao que representou, para os que então se manifestaram, a possibilidade de o fazerem.
Não sei se o dia de ontem foi histórico. Parece-me muito cedo para se saber o que fica ou não na História. Também as manifestações dos professores, na altura de Maria de Lurdes Rodrigues eram históricas, tal como a da geração à rasca. Foi seguramente um dia em que milhares de pessoas saíram à rua para gritarem contra a troika, o governo, a austeridade. Não devemos, no entanto, confundir o direito de manifestação e o desejo de mudança com o desencadear da queda de um qualquer governo.
A comunicação de Paulo Portas, a entrevista de António José Seguro e a declaração de Jorge Moreira da Silva demonstram que ainda não é desta que o governo cai. E não cairá tão cedo porque não há oposição. Não devemos confundir as manifestações, por grandes que sejam, com a vontade expressa do povo. É através de eleições que se renovam os governos. E para isso são necessárias alternativas. A este, infelizmente, ainda não há.
(...) Há ocasiões em que a intermediação política às vontades de um poder exterior acaba por se revelar um logro em que só o próprio acredita. (...)
Olho para as imagens das várias manifestações com um misto de emoções. Por um lado a satisfação de ver que tanta gente se mobilizou. Por outro a certeza do meu divórcio com a repetição destas palavras de ordem, com a mescla de razões e motivações, com o apelo ao que de mais primário nós temos, com o uso e abuso do conceito de sociedade civil. Comovem-me as histórias que ouço, revolta-me a estupidez e a crueldade da política deste governo. Mas lembro-me muito bem das últimas eleições legislativas em que o povo, livremente, deu a maioria a esta coligação. E se fosse chamado a votar agora, muito provavelmente o resultado seria semelhante.
Não tenho a ilusão da mudança do governo. Tenho é esperança que tenha algum respeito pela que pode acontecer - a resistência passiva, a pequena fuga diária aos impostos, o aumento do desespero que leva aos desacatos e à violência primária a que temos assistido ultimamente, a desistência total que quebre os ânimos, o afundamento da economia e o aumento da recessão.
O Presidente resolveu dar um sinal ao convocar o Conselho de Estado. Perante a gravidade da situação aguardo uma centelha de bom senso por parte de Passos Coelho. E espero que o Presidente nos surpreenda e assuma as suas responsabilidades. A troika não pode ser a desculpa do descalabro a que assistimos.
Os partidos políticos são os veículos para a representação dos cidadãos. Diabolizar os políticos, os militantes e o regime pluripartidário é perigoso. As acusações populistas de gatunos que se ouvem e se usam como bandeiras, as manifestações agora conhecidas como inorgânicas, tão aplaudidas por responsáveis políticos, jornalistas e anónimos cidadãos, não são mais puras do que as convocadas por partidos ou por centrais sindicais e não são alternativas aos partidos. Até hoje, e apesar de todos os seus defeitos, este é o melhor regime, com assembleias constituídos por deputados eleitos, com formação de governos por gente que venha dos partidos, ou das empresas, ou das academias, ou dos sindicatos.
Olho para o dia de hoje com um misto de pena por ter perdido a capacidade de acreditar que esta revolta signifique mudança.
Ouvi Nuno Ramos de Almeida explicar à SIC notícias o percurso da manifestação, que passaria em frente à sede do FMI para protestar contra a troika e o memorando. Que era uma manifestação em consonância com outras noutros locais da Europa e que era preciso mudar de políticas.
A minha manifestação é contra o governo, não é contra a troika, nem contra o memorando, nem a favor de um internacionalismo manifestante, por muito interessante que seja. Não vou engrossar uma manifestação com objectivos que não subscrevo, por muito que me apeteça manifestar-me. Esta não é a minha manifestação. E não aceito apenas duas vias: ou se está connosco ou se pertence à reacção. Eu ainda acredito em terceiras, quartas, enésimas alternativas.
Não é contra a troika que me manifesto mas contra o governo. Não me revejo nas palavras demagógicas do BE e desconfio das suas motivações. Não concordo com as irrelevâncias das indignações do PCP, idênticas a todas as indignações contra todos os governos desde 1975.
Mas não posso acomodar-me no desconforto que me causam estas companhias, não posso assustar-me com as inaceitáveis atitudes de arremessos de ovos, tomates, pedras ou seja o que for aos governantes, nem com a hipocrisia e a encenação das manifestações caçadoras de ministros, não posso esperar que todos sejam iguais e tenham exactamente os mesmos sentimentos que eu, todos os sentimentos.
Não poderei alhear-me da revolta que tenho e que temos. Com todas as reticências do mundo, cada vez estou mais reticente em ficar em casa no próximo sábado.
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