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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Ouvi uma amostra do som deste grupo na FNAC, enquanto ensaiavam a atuação a minutos de acontecer. Não conhecia, mas passei a conhecer.
A verdade é que não me apetece. Não me apetece escrever sobre nada do que ouço, vejo, penso, sinto. Não me apetece repetir à exaustão, todos os dias, aquilo que já outros disseram.
Não me apetece reflectir sobre a reforma curricular, não me apetece dizer que concordo com os exames nos fins de ciclo, que não percebo em que é que isso é mau para o ensino nem para os alunos, não percebo porque é que a esquerda se associa a este tipo de discussões estéreis. Também não percebo o que vai acontecer aos alunos que não passarem nos exames, como vão ser acompanhados, como se vai investir na sua aprendizagem, demonstrado que está à saciedade que as retenções não melhoram o aproveitamento. Não percebo se as turmas vão continuar a ser feitas da mesma forma que já o foram (são?), juntando os alunos com mais dificuldades, maiores problemas de disciplina e integração, em turmas que sobram para os professores inexperientes e menos qualificados. Não percebo a razão da redução horária da disciplina de Ciências. Não percebo a razão da falta de empenho, por parte do PS, na verdadeira discussão sobre a qualidade do ensino na escola pública.
Não me apetece indignar-me com a manipulação da informação, com os comentadores, com as inacreditáveis manchetes sobre Sócrates, sobre a caça às bruxas que se instalou na sociedade e nos órgãos de representação política, e da caça às bruxas que se instalou a partir dos órgãos de representação de juízes, não me apetece preocupar-me com as múltiplas e variadas comissões parlamentares de inquérito, com a hipocrisia dos partidos da dita esquerda grande. Não me apetece lidar com a falta de nível do maior partido de oposição que se envergonha do que de positivo e ousado se fez nos governos anteriores, para se acoitar em silêncios que embaraçam as pessoas que têm memória e que aumentam a desesperança por uma alternativa que não se adivinha.
Não me apetece continuar sem vislumbrar a saída da crise, não me apetece não perceber se a descida dos juros das dívidas, das yield, tudo aquilo de que todos falam com ar sisudo e sabedor, é positivo, não me apetece ouvir a recessão, a execução orçamental, as desculpas esfarrapadas e mentirosas sobre o triplo da dívida comparada com o ano anterior, não me apetecem os telejornais, as taxas moderadoras, a irresponsável ligação das mortes no pico da gripe com a crise.
A verdade é que não me apetece. Aguardo a gestação de outra vontade interior. De força, de raiva ou de medo, que a cobardia também se renova em cada ano que nos somamos.
(...) Há mais de vinte anos, o historiador Roger Griffin contribuiu para a caracterização dos regimes antiliberais e antidemocráticos que assolaram a Europa no período entre-guerras do século XX, com um importante livro (The Nature of Fascim, 1991) onde recorreu ao mito da criação do «homem novo» para elaborar um conceito de «fascismo». Segundo a definição ideal-típica de fascismo elaborada por esse autor, a ideologia fascista seria marcada por um «ultranacionalismo populista palingenético» – de «palin» (restauração) e «genesis» (criação, nascimento) –, cujo mínimo denominador comum seria precisamente o mito da criação do «homem novo» e de um «mundo novo», necessários, após décadas de liberalismo dissolvente e decadentista. Tal como o regime fascista italiano de Mussolini utilizou esses conceitos, elaborando até um calendário novo que se iniciava a partir do momento da «Marcha sobre Roma», em 1922, também o regime português de Salazar, em início de carreira, recorreu frequentemente aos termos de «regeneração nacional» ou «reconstrução nacional», nos anos 30 e 40 do século XX. Através deles, pretendia-se mostrar que o Estado «Novo» era um «novo» regime regenerador, restaurador e reconstrutor, que se propunha enterrar a decadência nacional promovida pelo liberalismo, pelo parlamentarismo, pelo socialismo e pelo comunismo. As célebres comemorações do duplo centenário e da Exposição do Mundo Português, de 1940, celebravam precisamente três importantes datas: 1140 (fundação e Portugal); 1640 (restauração de Portugal) e 1940 (regeneração de Portugal), através do Estado «Novo». (...)
Um dia as razões de ser da perseguição encarniçada que se continua a fazer a Sócrates, aos seus governos e aos seus ministros serão, com certeza, matéria de teses de doutoramento.
Sindicatos de Juízes a interferirem politicamente, um Presidente da República que utiliza as suas funções de Estado para se vingar de um Primeiro- ministro, jornalistas que especulam sobre a forma como Sócrates vive em Paris, há algo de inacreditável neste encarniçamento, nesta tentativa de destruir pessoas que exerceram o poder para que foram democraticamente eleitas, que lutaram e defenderam as suas convicções e as suas políticas, sufragadas livremente pelos cidadãos.
Além de inaceitável é também assustador. E mais ainda quando o próprio PS tem receio de assumir a defesa do seu património, de assumir a defesa dos governos anteriores, colando-se silenciosamente aos perseguidores de Sócrates, pensando que só assim poderão angariar alguns votos.
A Polícia exerce a autoridade do Estado democrático. Por isso mesmo um Estado democrático não pode deixar de averiguar e punir os actos de violência da polícia, seja em que circunstâncias forem. Não é porque as vítmias são jornalistas, mas porque são pessoas. A Polícia pode e deve conter provocações e desacatos, nomeadamente impedir que haja arruaceiros mascarados de manifestantes que se apelidam Plataforma 15 de Outubro ou Indignados, agridam quem lhes apetece. Mas a intervenção policial não pode ser desproporcionada, como foi o caso.
A greve geral foi um fracasso e o baptismo de Arménio Carlos, badalada como um ritual de iniciação por todos os media, teve uma amplificação, resultante destas atitudes antidemocráticas, que nem o próprio Arménio Carlos podia sonhar.
Em democracia é inadmissível que haja cargas policiais sobre manifestantes, tal como é inadmissível que haja manifestantes que atirem pedras sobre polícias e outros cidadãos, tal como é inadmissível que haja piquetes de greve a pressionar cidadãos e a impedi-los de, livremente, não fazerem greve.
Isto é a crónica da Grécia anunciada. Tantos já o tinham previsto, avisado, explicado.
Quando chegarmos a um défice muito superior ao que deveríamos ter, este ano, onde vai o governo cortar mais? Ou será que o périplo de Vítor Gaspar pelos EUA e os elogios da Comissão Europeia são o anúncio da renegociação da dívida, do alargamento dos prazos, por parte do tolerante professor ante a aplicação do aluno?
Robert B. Howard
Todos os dias uma encruzilhada
escolhas de bem ou mal
por muito que aprendamos os matizes da vida.
Decisões tremendas ou sinuosas
entre palavras de circunstância e confortos de preguiça
a dor do corpo que não se dobra.
Todos os dias uma encruzilhada
escolhas de ficar bem ou mal
por muito que aprendamos a flexibilidade do mundo.
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