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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Tarsila do Amaral: Operários
Não concordo com tolerâncias de ponto nem com pontes, por todos os motivos e a toda a hora, com os múltiplos feriados, com greves às 6ªs e às 2ªs feiras. Não concordo com a cultura de aproveitamento de todas as razões para não se trabalhar. Detesto aquela conversa de lamúria permanente contra a ideia do trabalho. Acho muito bem que se autorize a abertura de lojas, hipermercados ou outras, aos Domingos e Feriados.
Mas há alguns dias que, pelo forte simbolismo e pela importância deste devem ser respeitados como dias feriados, para todos. Um deles é o 1º de Maio. Todos os trabalhadores têm o direito de gozar esse feriado. A pressão que alguns empresários têm feito, em tempo de escassez de emprego, é inaceitável, é aproveitamento e exploração do mais fraco. Isso sim, é resquício do capitalismo selvagem.
(...) Quem vier dizer que consegue garantir o acesso sem restringir não está a falar verdade. É necessário fazer tudo para que nos próximos três, quatro anos a despesa se mantenha controlada (crescimento de zero ou um por cento, no máximo), o que implica um trabalho muito intenso na eficiência interna. Mas é importante que não sejam impostas mais medidas de carácter cego e que não se avance numa espiral de agravamento. Dois milhões de portugueses vivem abaixo do limiar de pobreza e quatro milhões não pagam IRS. São pessoas que dependem do sistema público. Entrar num processo de acionamento em saúde significa passar uma fronteira muito perigosa.
(...) O BE, o partido da grande esquerda, recusou-se a negociar o pacote de medidas com a UE e FMI, só para descobrir que continuava em queda nas sondagens, para além de ver aumentada a contestação interna a Louçã. De repente, quer saltar para dentro do comboio em andamento, perto da estação de chegada, para poder dizer que não negociou com os malandros mas tinha propostas magníficas que os malandros recusaram. (...)
Ainda bem que algumas coisas vão encontrando a sua justa medida. A coligação negativa que decidiu suspender a avaliação de desempenho dos professores teve o seu epílogo com o chumbo do Tribunal Constitucional.
Outras continuam no descaminho do inenarrável, como a declaração de Eduardo Catroga, ao dizer que as gerações mais jovens deviam pôr este Governo em tribunal.
O nível da campanha eleitoral e de quem a faz é bem patente.
Também é interessante ouvir os vários porta-vozes do PSD a pedir ao país a responsabilização dos 6 anos de governo do PS, para além da exigência da prestação de contas por 6 anos de governação socialista.
Esquecem-se convenientemente que o PS já prestou contas em 2009, indo a eleições e tendo-as vencido. Prestá-las-á novamente a 5 de Junho. O programa que tem, bom, mau, assim-assim, com TGV ou sem ele, fora da realidade ou dentro dela, será sufragado pelos eleitores.
A democracia é assim. Os tribunais devem servir para julgar crimes. Seria bom que Eduardo Catroga e outros como ele se lembrem da separação de poderes e, já agora, da decência.
Kansuke Yamamoto: Cronicles of drifting
A um qualquer dia de uma qualquer noite
chegaremos ao mar
e o incêndio de quem caminha reduzirá a mosto
os frutos do tempo.
A uma qualquer noite de um qualquer dia
procuraremos desenhar
o que falta do navio as fogueiras dos instantes
que sabemos naufragar.
Se o resultado eleitoral destas legislativas for idêntico ao quadro parlamentar existente – maioria simples do PS - esta pode ser a única das dissoluções da Assembleia da República em que a leitura da realidade feita pelo Presidente Cavaco Silva não terá sido a mais apropriada, ao contrário do que aconteceu nas anteriores dissoluções protagonizadas pelos outros Presidentes da República:
A noção de democracia de alguns dos nossos representantes partidários é estranha. Não entendo como é possível dizer-se com quem vai e com quem não vai negociar antes de conhecer os resultados das eleições.
Quem for a votos terá, obrigatoriamente, de respeitar o resultado das eleições, quer as ganhe quer as perca.
As notícias que dão como provável o pagamento dos 13º e 14º mês em títulos do tesouro (manobra de desinformação?) não são surpresa, mas são mais uma certeza de que os salários vão continuar a reduzir-se, que temos que saber olhar para prioridades nos gastos, nos investimentos, nos valores e naquilo que consideramos profundamente importante e necessário.
Começa a ser intolerável assistir à vergonha de acusações, propaganda, cartas escritas a representantes políticos que são enviadas à comunicação social, grandiloquências retrógradas, justificações disparatadas e oportunismos vários da parte de quem, por obrigação de função e moral, deveria ter respeito por aqueles que votaram.
A personalização das frustrações, das incapacidades e dos erros, em vez da discussão de verdadeiras opções políticas apenas aumenta a impossibilidade da resolução dos problemas. As figuras que representam os partidos e as várias facções políticas são importantes, como é óbvio, mas não são donas dos partidos nem dos votos de quem os elege. É absolutamente indispensável, tanto como a participação maciça dos cidadãos nas próximas eleições, que Sócrates e Passos Coelho entendam que não são os seus egos, as suas vitórias e as suas derrotas que importam. É imperioso que as principais figuras do Estado se respeitem. A linguagem da taberna é para a taberna, não para a Assembleia da República.
Não é admissível que se chame foleiro ao Presidente da República, ter na lista de candidatos a deputados pessoas que roubam microfones aos jornalistas, ministros que usam a televisão para enviar recados a outros, cartas e mensagens de políticos uns aos outros na comunicação social, que o Primeiro-ministro e o líder o principal partido da oposição não se cumprimentem em cerimónias públicas.
Basta da falta de decoro generalizada, da inenarrável má educação, grosseria e incompetência na resolução dos problemas que todos temos que resolver. Quero votar em gente que tenha como principal preocupação o país. Onde está?
Tenho a dizer-te que tudo me incomoda. A roupa demasiado justa por sobre o corpo molhado, sempre a enrolar-se de um calor súbito e preciso, distribuído pela ansiedade de quem personifica a revolta contra o tempo. O peso que já não se reparte pelas várias zonas que ocupa, mas que se fixa inexoravelmente no apoio que falta. O cansaço mole dos movimentos presos, das noites em claro, dos pensamentos em círculos contínuos e fechados.
Tenho a dizer-te que a Primavera não está apenas nos perfumes que se misturam, nas ervas que crescem, no azul e verde que desponta a cada manhã. Não está ainda no caminho que faço junto ao mar, nas mãos que vou apertando e sentindo frias, nas portas teimosamente entreabertas. Sempre um biombo invisível.
Tenho a dizer-te que tardam os sinais da mudança, que desmaia o vermelho das flores, que se calam os filhos, que desistem os velhos, que se entulham as vontades, que se somam os silêncios, que arrefecem as bandeiras.
Tenho a dizer-te que Abril está mas não chegou, que Abril ainda não chega, que Abril congela nos abraços adiados, que Abril semeou mas não colheu, fartura de esperança sem Maio à vista.
1.
Se olhares por fora
dissecares os hábitos de quem vive
neste pequeno centro sem cor,
se olhares para o negro
que afunda de maré vaza
as nossas praias
se olhares de dentro
fechas definitivamente a fronteira.
2.
Raízes de sal e algas sem terra firme
construímos as pontes do mundo.
Barcos e cruzes devotos de horizontes
Misturas e raças que nos entranham
sempre em busca do que não temos.
Em frente ao mar o desespero não tem lei.
(...) Amanhã, gostava de regressar à Avenida da Liberdade. De levar os meus filhos e com eles me sentir próximo de gente - estarão poucos ou nenhum - que ainda se lembra dos verdadeiros valores de Abril. Sobretudo da tal sensação de tudo ser possível, de sermos capazes, do futuro ser nosso. Não me lembro doutra ocasião, em trinta e sete anos, em que fosse tão necessário relembrarmos o que sentimos no dia 25 de Abril de 1974.
(...) Talvez tenha precisado de 37 anos inteirinhos para perceber que é meu dever lá estar, que não chega saber para comigo que foi um dos melhores, maiores dias da minha vida, mesmo se tinha só 10 anos, mesmo se o que vi da revolução ao vivo foram soldados na ponte Marechal Carmona (que ainda se chama assim, já agora), e que o que sou, como o que somos, as escolhas que pudemos e podemos fazer, o que podemos e pudemos sonhar e rejeitar, se fundou aí, se iniciou aí, se ancora aí. Que é altura de engrossar o número dos que celebram e não capitular na entrega disto a seja quem for, e muito menos ao olvido. Coincidência que seja este o ano em que se tornou comum, banal, quase normal ouvir e ler que “antes era melhor” ou que “não valeu a pena”. Coincidência que seja este o ano em que a Assembleia da República não festeja. Coincidência, sem dúvida, mas feliz, digo eu: é agora que é mais preciso, e é agora que faz mais falta. Fazer a marcha do orgulho do 25 de Abril. Embora.
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