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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Tenho seguido com estupefacção uma espécie de discussão entre dois blogues iniciada a propósito de uma avaliação de desempenho dos deputados europeus proposta por um eurodeputado italiano, publicada num site que, dois dias depois, fechou.
O post que desencadeou as hostilidades fez uma análise dos dados disponibilizados no dito site e concluiu que:
Após o esclarecimento do autor do post em relação ao facto de se ter levado em conta o tempo de mandato, e que o que se pretendia era uma avaliação da pessoa e não de um grupo de pessoas, Sérgio Ribeiro avança com a estratégia da vitimização, acusando A. Teixeira de ser incorrecto e de insinuar, de ser enfatuado e preconceituoso, mais adiante escrevendo O resto é ou analfabetismo, ou iliteracia, ou ignorância, ou estupidez, ou má-fé, ou um pouco de tudo.
Sérgio Ribeiro escreveu então um indignado texto remetendo-se ao post de A. Teixeira como disse coisas evidentemente erradas, e tirou conclusões "avaliadoras" eivadas de profunda má-fé e primário anti-comunismo, como acabo de concluir em definitivo., tentando explicar que a sua prestação tinha sido excelente, considerando o mandato como a soma dos mandatos dos deputados. Na caixa de comentários, para além da resposta de A. Teixeira desmontando a argumentação de Sérgio Ribeiro
Tome agora em atenção os resultados quantitativos do seu trabalho – retirados do site recomendado por si… – quando comparados com o eurodeputado Duarte Freitas (PSD) comparando-os com o seu: Perguntas: Sérgio Ribeiro – 13 Duarte Freitas – 23; Propostas de Resolução: Sérgio Ribeiro – 3 Duarte Freitas – 2; Relatórios: Sérgio Ribeiro – 1 Duarte Freitas – 7; Pareceres: Sérgio Ribeiro – 0 Duarte Freitas – 2; Intervenções: Sérgio Ribeiro – 26 Duarte Freitas – 139: A Conclusão aparente: Duarte Freitas tem uma prestação quantitativamente muito superior à de Sérgio Ribeiro, logo deverá estar muito melhor classificado… Mas a Conclusão está errada. Na realidade, na classificação do Parlorama que tanto se tem afadigado a contestar, Duarte Freitas encontra-se em 781º lugar, 63 lugares depois de si, o que prova que, ao contrário das suas justificações, o factor tempo foi levado em conta para aquela classificação que tanto o embaraça, a si e ao seu partido.(...),
encontram-se reacções de camaradas seus que, desde lombriga a enviar o A. Teixeira para o México, valeu de tudo.
Este episódio caricato é bem um exemplo da discussão típica de um determinado grupo de pessoas, treinadas a responder primeiro com ataques agressivos, denegrindo o carácter, a atitude e a boa-fé de quem discorda, assumindo uma pose de superioridade moral, depois atirando com dados que pretendem desviar o oponente do cerne da questão, demonstrando o seu superior conhecimento e capacidade intelectual. Neste grupo estão os comunistas e aqueles que já o foram, durante muito ou pouco tempo, simpatizantes ou filiados. Assim discutem Sérgio Ribeiro, Vital Moreira, Pacheco Pereira e Francisco Louçã, para citar alguns.
A vanguarda esclarecida guarda as pérolas da verdade e da iluminação mental, com um desprezo absoluto por todos os que põem em causa a sua dedicação à causa, seja ela qual for. Não há responsabilidade individual pois esta dilui-se na colectiva. Assim falava Mário Nogueira a propósito da avaliação dos professores.
Um eurodeputado deve prestar contas pelo seu desempenho, deve ser avaliado e essa avaliação deverá ser escrutinada pelos eleitores. Aceito perfeitamente que haja outros parâmetros que não foram considerados e que são tão ou mais importantes que aqueles. Mas, mais uma vez, o melhor sistema é aquele que não existe.
Sérgio Ribeiro e os controleiros de serviço, com a barragem de comentários a desqualificar o atrevido A. Teixeira, só mostraram o quanto é necessário encontrar urgentemente um sistema de avaliação dos eurodeputados.
E não, não sou anticomunista, nem primária nem secundária. Mas se calhar devia ser, pois também sou antifascista. Se calhar sou mesmo preconceituosa ao aceitar que há posturas antidemocráticas melhores, as de esquerda, e posturas antidemocráticas piores, as de direita.
Nota: sublinhados meus.
(pintura de Jared Klusner: Ghost Ship)
Não tenho como medir as fontes
que me rodeiam de água ou de letras
consoantes desalinhadas
num perpétuo sentir diferente.
Faltam-me as réguas que arrumo
lado a lado na memória da solidão
as balanças de precisão onde posso comparar
lenços e mãos livros e mágoas.
Nem tenho como controlar as pequenas moléculas
que se agitam a necessária oxidação de radicais
permanentemente livres.
Vou dedilhando pacientemente nos muros
em códigos que desconheço.
(schistosomíase; carcinoma ductal invasivo Her-2 +++)
Ao contrário do que é habitual, este é um post de alerta e em defesa da corporação dos Anatomopatologistas, a que eu pertenço.
Os Anatomopatologistas são médicos especialistas em diagnosticar as nossas doenças, olhando para o microscópio, olhando para os tecidos e as células, tentando ver cada vez mais além, havendo até já formas de olharem para as moléculas.
Aos Anatomopatologistas é-lhes pedido que distingam entre uma malformação congénita, uma infecção ou um tumor, entre um tumor benigno e maligno. É-lhes pedido que, a meio de uma operação, decidam entre a malignidade e a benignidade de um tumor, se este está totalmente extirpado ou se é preciso fazer uma cirurgia mais agressiva.
Depois, para além do diagnóstico e da avaliação das margens cirúrgicas, têm que fazer o estadiamento do tumor, ou seja, têm que dizer até que ponto o tumor está avançado porque isso condiciona o tipo de tratamentos que serão necessários, para além da perspectiva do tempo e da qualidade de vida do doente.
À medida que vão sendo descobertos os mecanismos moleculares de alteração das células e se vão desenvolvendo medicamentos dirigidos a cada uma dessas moléculas, o que significa terapêuticas individualizadas, tendo em conta os diferentes comportamentos dos tumores e as diferentes formas de que eles se revestem, o trabalho dos Anatomopatologistas é também de orientação quanto ao exacto medicamento a administrar.
Os Anatomopatologistas estão na base de cerca de 80% de todos os actos médicos, cirúrgicos e terapêuticos dos sistemas de saúde. A eles se exige conhecimentos especializados da sua especialidade, adaptação a tecnologias cada vez mais específicas, permanente interacção com as outras especialidades clínicas e cirúrgicas para a abordagem multidisciplinar dos doentes, estudo e monitorização permanente do seu próprio trabalho, controlo de qualidade, investigação clínico-patológica, formação dos mais novos, documentação iconográfica do seu trabalho, coordenação e participação nas bases de dados do registo oncológico, realização de rastreios de vários tipos de neoplasia (colo do útero, mama, cólon, etc).
Os Anatomopatologistas respondem a todos os serviços dos hospitais (públicos e privados), não têm listas de espera e têm objectivos de rapidez e qualidade nos tempos de resposta. Como a sua actividade depende da actividade dos outros serviços os anatomopatologistas parecem invisíveis. Se houver incentivos aos cirurgiões para operarem mais, aos gastrenterologistas para fazerem mais consultas, etc, não se pensa que desse trabalho resultam mais peças cirúrgicas, mais biopsias e mais citologias para os mesmos Anatomopatologistas, que não recebem incentivos nenhuns.
Há cada vez menos Anatomopatologistas e os que existem estão cada vez mais envelhecidos e com cada vez maior carga de trabalho. Enquanto não houver uma revisão da forma como se remuneram estes especialistas, a especialidade, cada vez mais necessária até pelo aumento das doenças oncológicas, continuará a ser preterida por outras menos trabalhosas e melhor remuneradas.
A medicina de qualidade depende tanto de serviços de cirurgia altamente especializados como de oncologistas, pediatras, obstetras, gastrenterologistas, como de anatomopatologistas em número, motivação e competência suficientes para que possam cumprir um papel central na prestação de cuidados de saúde.
É extremamente importante que os decisores políticos e administrativos, a nível central e periférico entendam esta urgência e tudo façam para promover a melhoria das condições de trabalho destes especialistas, e para incentivar a escolha desta especialidade.
(linfoma de Bürkitt; lesão intraepitelial de baixo grau)
Nota: Report of the Review of NHS, Pathology Services in England, Chaired by Lord Carter of Coles, 2006
(pintura de Vieira da Silva)
Começo pelo trabalho mas não sei
o que se passa na terra da fraternidade.
Um dia como os outros talvez mais cedo
mas não sei o que murmura a cidade.
Estico a corda até ao peito
estalo o chicote da memória
mas não sei o que se passou na sombra
das noites que já atravessámos.
Começo pelo calendário
mas não sei quem mais ordena em mim.
Talvez a liberdade.
Há hoje uma tristeza alicerçada na incerteza, na revolta pelo que não se conseguiu com a revolução de 25 de Abril de 1974.
Mas hoje podemos revoltar-nos ou sermos felizes, falarmos ou permanecer em silêncio, cantar, gritar, escrever, perguntar, podemos resistir, podemos até tentar ser felizes, sem que ninguém nos cale, sem que ninguém sequer se lembre de nos calar.
Somos poucos ou muitos, satisfeitos ou azedos, temos o direito de o ser.
A liberdade está no ar que respiramos. Não existia para os nossos pais. Esquecer que a música, os olhares, até as palavras de amor eram vigiadas, é um passo para o apagamento da memória do que é uma ditadura.
Vivemos em democracia e liberdade. Vale a pena lembrar que houve um punhado de militares a quem devemos a comemoração do dia de hoje. Independentemente das razões posteriores de desagrado, essa é uma dívida que não se apaga.
Este é um desafio diferente.
Que aconteceu nas nossas vidas a 24 de Abril de 1974? Quem se apercebeu da revolução? Quem foi comprar cigarros e viu soldados? Que precisava de companhia e ouviu a "Grândola, vila morena"? Quem ouviu zunzuns do que se ia passar? Quem dormiu o sono dos justos e acordou sem qualquer suspeita? Quem quis ir toma café e deu com ele fechado?
A minha noite foi tranquila e inocente, como todas as outras noites anteriores. Apenas o dia seguinte me despertou para algo de diferente e muito bom.
Mas, parafraseando Baptista Bastos: onde estavas no 24 de Abril?
Lanço o desafio a quem quiser, obviamente, indigitando desde já:
Nota: Esta noite a Liberdade é o título de um livro de Dominique Lapierre e Larry Collins
(Rodrigo Leão & Cinema Ensemble)
Hoje temos o Portugal de Rodrigo Leão, melancólico e romântico, em tons esbatidos, aqui e ali com ruídos e gargalhadas, cruzando estradas, em áreas de lentas e mortíferas pás eólicas.
Há 35 anos éramos o Portugal de Carlos Paredes e das suas baladas a preto e branco, caras fechadas e malas às costas, espingardas em mãos rudes por essas terras longínquas de um império a desfazer-se.
Como passámos essa noite, essa longa noite de analfabetismo de joelhos e mãos postas? Como acordámos para a luz, o ruído e a festa? Como transformámos as casas, as vidas, os campos? Como marchámos em direcção aos novos descobrimentos europeus? Como mantivemos a melancolia?
Amanhã já passaram 35 anos, mas continua um frémito de emoção quando se ouve Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Carlos Paredes. Ultrapassamos os verdes anos para o novo retrato musical. Mas ainda a esbater o som e as cores, continuamos de ombros curvados.
Mas caminhamos.
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