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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Ontem houve 66% de eleitores americanos que votaram. O povo escolheu um homem que não pertence a famílias presidenciáveis, um homem comum, um homem negro, deu-lhe o poder de governar o país que governa o mundo.
O mundo tem aquilo que desejou.
(foto do Público)
Nacionalizou-se o BPN, tal como já se nacionalizaram vários bancos noutros países da Europa civilizada.
Mas por cá foi pouco civilizada a reacção. Aliviados só mesmo os clientes.
Esta noite eleitoral é quase um reviver das memoráveis noites das primeiras eleições em Portugal. Grupos de amigos e conhecidos reúnem-se, os menos badalados nas suas casas, com o aquecedor, cervejas e amendoins, os democratas mediáticos m hotéis, com os obrigatórios convidados americanos.
Para além do disparate do espectáculo fácil e do enchimento das horas televisivas, não há dúvida de que o resultado das eleições presidenciais nos EUA serão um marco na nossa próxima história globalizada.
Hoje até nos podemos esquecer do Magalhães, esse prodígio ibero-americano que todos os assessores de Sócrates usam, do Banco de Portugal que vai de ingenuidade em ingenuidade até ao descrédito final.
Porque hoje, com a vitória de Obama, vai começar o fim da crise.
Os EUA e a Europa anseiam pelo sinal de mudança. Mudança nos discursos e nas atitudes. É bom que nos convençamos que, em Portugal, as coisas também podem mudar.
É bom que José Sócrates se ouça a si mesmo e perceba que, mais tarde ou mais cedo, esta onda o alcançará.
À medida que o tempo passa os factos vão-se acomodando àquilo que vivemos, que pensámos, mas sobretudo que sentimos, e que se transforma na única verdade que conhecemos.
Os momentos de vida que nos parecem, agora, de indizível felicidade, foram depurados dos sentimentos do quotidiano, do frio, do medo, da ânsia, da esperança.
Regredimos nas capacidades motoras mas cristalizamos as memórias que nos interessam e vemos apenas o que nos cabe na procura da felicidade.
Não me tenho referido à polémica que estalou à volta das declarações do General Loureiro dos Santos, a propósito da suposta ameaça velada que por seu intermédio, estaria a ser feita pela Forças Armadas ao país e à democracia, pelo facto de entender que não seria suficientemente objectiva, pois a ele me ligam estreitos laços familiares.
No entanto, visto que fui directamente questionada num comentário de Quintanilha feito no post anterior, vou apenas reproduzir um texto que escrevi neste blogue a 30 de Novembro de 2006, e que penso manter toda a pertinência.
Em Portugal, apesar de muito se falar pouco se decide e quase nada se faz de acordo com o que se promete. As Forças Armadas portuguesas, depois de um período áureo após o 25 de Abril, em que foram consideradas heroínas nacionais, com a consolidação da democracia e com a natural subordinação ao poder político, foram sendo esquecidas, abandonadas, desprezadas e vilipendiadas.
Hoje em dia é frequente ler e ouvir diversas personagens interrogarem qual as funções dos militares, discorrerem sobre a inutilidade do financiamento do Exército, Marinha ou Força Aérea, dando a entender, implícita ou explicitamente, que o conjunto dos militares são sobejamente dispensáveis na nossa sociedade democrática, e que qualquer arremedo de protesto da parte da própria Instituição deve ser esmagada arrogante e exemplarmente.
Com frequência são as mesmas pessoas que sugerem a importância da representação de Portugal no exterior, nomeadamente com a presença das mesmas Forças Armadas em terrenos de conflito internacional, como parte de corpos de manutenção da paz, congratulando-se com o elevado profissionalismo e qualidade desses corpos especiais.
Ontem, a propósito da divulgação de uma carta ou memorando do Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas (Almirante Mendes Cabeçadas) ao Ministro da Defesa, Jorge Coelho, na Quadratura do Círculo, defendeu que os militares deveriam acatar as decisões do governo e que era natural que não gostassem quando lhes tiravam regalias, o que acontecia com todas as outras classes profissionais. E ainda que era preciso cumprir a lei. E ainda que não é por eles terem armas que se deve recuar.
É claro que o país é pobre e tem muitas dificuldades. Mas os militares não têm uma profissão idêntica às outras profissões, não são funcionários públicos como todos os outros. São servidores do Estado com deveres muito específicos, entre os quais a disponibilidade completa do seu tempo, da sua pessoa, por vezes da sua própria vida. Não têm os mesmos direitos cívicos que todos os outros cidadãos, visto não poderem manifestar-se, criar sindicatos que tratem dos seus problemas laborais, que reivindiquem aumento de ordenados ou pagamentos de horas extraordinárias (para eles não há horas extraordinárias), não podem pertencer a partidos ou candidatar-se a cargos políticos, têm algumas das suas liberdades cívicas cerceadas.
Parece-me natural que o Estado deva dar algumas contrapartidas a estes seus servidores. Sou a favor da extinção da ADSE, das caixas de previdência dos magistrados, dos juízes, dos advogados, dos médicos, dos jornalistas, até de toda a função pública. Com excepção do subsistema de saúde para os elementos das Forças Armadas, da Guarda Nacional Republicana e da Guarda Fiscal. Sou totalmente a favor de se olhar para as remunerações e para os fundos de pensões destes cidadãos de forma distinta da utilizada noutros grupos profissionais.
Esta é a chamada “condição militar”, que é tão importante que tem forma de lei (Lei n.º 11/89 de 1 de Junho - Bases gerais do estatuto da condição militar) aprovada por Cavaco Silva enquanto primeiro-ministro. Será que esta lei está a ser cumprida?
Será que nos outros países da União Europeia os militares têm o mesmo estatuto que em Portugal? Será que o nível remuneratório, a protecção na saúde e na doença e a protecção às famílias são comparáveis?
Eu também acho as manifestações, associações, passeios e sindicatos absolutamente inaceitáveis, além de ilegais, a pedirem uma resposta firme e imediata da parte do governo. Mas será que um governo que quer ser respeitado tem tido o mesmo respeito pela instituição militar?
Aos militares pede-se que honrem o seu compromisso. Ao Estado pede-se que honre os seus cidadãos, entre os quais aqueles que são o último garante da existência do próprio Estado.
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