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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Ouvi, muito de raspão, S. José Almeida, no Rádio Clube Português, defender que Sócrates não teria maioria absoluta, facto que se depreendia por existirem muitíssimos insultos ao Primeiro-Ministro, na forma de cartazes, assobios, manifestações e urros (a forma pela qual se processavam os insultos são uma adenda minha).
Gostava de saber quais foram os Primeiros-ministros , das Finanças, da Saúde, da Educação, do Trabalho, da Agricultura, de tudo o resto, que não foram insultados, apelidados de gatunos, vigaristas, incompetentes e outros mimos, por anónimos cidadãos e por digníssimos representantes da Nação, desde a alvorada da liberdade.
Também ouvi, boquiaberta, que o tema do fórum TSF de hoje era a reforma das relações laborais, documento de trabalho apresentado ontem aos parceiros sociais. É claro que todo o povo passou a noite de ontem a estudar e a digerir o dito documento e está apta a declamar opiniões avisadas numa rádio perto de si.
Seriedade, é o que é, seriedade nos debates e nas opiniões, para que todos lucremos com o espectáculo a que temos direito.
(Link disponibilizado aqui.)
Tem que se retirar a demagogia da discussão da área da Saúde e transformá-la num compromisso sério e solidário para que todos os portugueses tenham acesso ao sistema nacional - Pedro Nunes, Bastonário da Ordem dos Médicos
Bem prega Frei Tomás: faz o que ele diz, não faças o que ele faz.
Será hoje ratificado, na Assembleia da República, o Tratado de Lisboa.
Não foi referendado nem discutido. Ninguém sabe o que vai acontecer depois da ratificação. Ninguém se deu ao trabalho, muito menos o governo ou o PS, de promover a discussão pública do documento, de promover a discussão na Assembleia, de informar.
Nem os pensadores, nem os jornalistas, nem os comentadores, nem os analistas, e muito menos os partidos que nos deveriam representar, do CDS ao PCP.
Somos todos europeus, mas alguns são menos europeus que outros.
Adenda: Este tipo de afirmações são absolutamente lamentáveis.
Outra adenda: é verdade. Mas não altera nada.
Ao organizarmos uma sociedade que confia em grupos para lhe providenciar apoio social, segurança, educação, justiça, o que é que esses grupos quererão em troca desse tipo de serviços?
Para quem não tem poder económico para os comprar, esses serviços passam a ser encarados como dádivas de alguns, sendo o preço a pagar por eles a fidelidade e a clientelização, mesmo que os que provêm às necessidades sejam movidos por algo como a noção religiosa e moral do bem e do mal.
Se a sociedade encarar esses serviços como um direito dos cidadãos, tenderá a criar organismos que os assegurem, sem ser em troca de gratidão ou de dinheiro (utilizador/pagador) com a contribuição obrigatória de todos os cidadãos. Ou seja é um dever quando chega a hora de pagar e é um direito quando chega a hora de receber. É pedida a solidariedade de todos para todos, através dos impostos, não dependendo ninguém da bondade ou da caridade cristã de qualquer dos seus concidadãos.
O Estado não é uma entidade abstracta e não serve apenas para assegurar a existência de um país. Tem outros deveres e outras obrigações. Ao querermos esvaziar as funções do Estado, retirando-lhe o dever de prover determinados serviços aos cidadãos, chamando-lhe estado regulador e não prestador, estamos a correr o risco de passarmos a depender totalmente dos detentores do poder económico e/ou religioso.
Será que não aprendemos nada?
Há sempre uma casa antiga na infância
lá para cima
um passo de desarmonia
um vestígio de escadas retiradas
na primeira oportunidade
um lago, há também um lago
na infância sem barco que o possa
atravessar e uma pedreira branca
ambos sem utilidade
e algumas crianças
que pintam a vaga pocilga de pedra
e riem e apanham rãs em vez de fruta
e apanham uvas, também apanham uvas
de outra nacionalidade
e antes de se escrever durante a noite
contra o sono
havia um caminho de terra
incerto apenas nas suas pedras
na útil ambiguidade do solo
(poema de Filipa Leal)
abraçar mesmo o mundo
o mesmo que trepar a um cedro
solto como destino a pulso
à força dos braços por dentro
amar a sério o centro o corpo
sério como coração e nervo
se abrirem ao tempo incerto
que passa o tempo entretanto
querer viver a vida no entanto
sem vivê-la instante a momento
é declarar morto o que está vivo
esperar pela morte como o vento
esperar que tudo passe ao lado
sem vivos nos termos sentido
(poema de Joaquim Castro Caldas)
Bem, parece que a fama que vem de longe sempre avança. Acho bem, quantos mais melhor. Mas penso que as grandes esperanças vão ser defraudadas. Nem sequer é justo para a própria Manuela Ferreira Leite. Mas pode ser que se clarifique o partido, ou que se parta em mil pedacinhos até não ficar nenhum.
Manuela Ferreira Leite é histórica, pertence a um Cavaquismo que se reduziu a Barrosismo e encolheu em Mendismo.
Avançará o PSD para o Leitismo?
Qual a noção que temos da organização da sociedade como um bem colectivo, que existe para o bem-estar colectivo, para que se possa assegurar a todos uma vivência digna, em segurança, com igualdade de oportunidades e acesso à saúde, à justiça, à educação, a um apoio social para que todos melhorem as suas condições de vida?
E se não apetecer à sociedade civil tratar os doentes que não têm dinheiro, os que estão desempregados, os velhos que não têm família? E se a sociedade civil não estiver para a filantropia?
Que acontece se a sociedade civil só quiser ensinar os filhos dos seus mais dilectos representantes? E se a sociedade civil se estiver nas tintas para os imigrantes?
Que acontecerá a uma sociedade civil tão desagregada, compartimentada, espartilhada? Não será a perpetuação das desigualdades sociais, dos desequilíbrios? Não será a negação da próprio Estado? Ou será o Mercado que virá substituir o Estado?
Preocupamo-nos todos os dias com os mercados, o preço do petróleo, o crescimento económico, o aumento das taxas de juro, o endividamento das famílias, a desvalorização do dólar, a insegurança, o desemprego.
Preocupamo-nos todos os dias com a qualidade da democracia. Parte do discurso político, se é que se lhe pode chamar assim, tem a ver com a descredibilização da classe política, com a promiscuidade entre os cargos públicos e privados, numa verve demagógica ela própria geradora de desinteresse e afastamento dos cidadãos da vivência política.
A qualidade da democracia está intrinsecamente ligada ao desenvolvimento económico de um país. Quando a taxa de desemprego é tão alta como agora está, não há verdadeira liberdade de expressão de pensamento, não há verdadeira liberdade de associação sindical, não há verdadeira liberdade de reivindicação de direitos e de salários.
A ausência de trabalho e a inflação do trabalho precário reduz a capacidade de intervenção cívica dos cidadãos. Ao ouvir Pedro Passos Coelho dizer que o Estado se deve retirar das empresas e que deveria ser a sociedade civil a substituí-lo pergunto-me o que fazer quando a sociedade civil não quiser resolver os assuntos, porque não lhe interessa, porque não lhe dá lucro, porque não está para aí virada.
Neva sempre, nos ombros, nos casacos, nos gorros, nos olhos, nas almas, nos corações cobertos de branco.
Alguns cenários com poucos adereços, em tons de cinzento, branco e azul, com excepção do bar, que tem tons vibrantes, feéricos, tão tristes como a imobiliária, a casa de Lionel , e as casas que Dan e Nicole visitam, a pedido dela, para viverem uma vida a dois que sabem que nunca acontecerá.
As vidas de algumas pessoas, solitárias e carentes, de Thierry , esperançosamente espantado com a luxúria da sua colega de trabalho, de Gaëlle , que todas as noites se transforma numa secreta heroína de flor na lapela, ao encontro do amor que tarda, de Charlotte , que se purifica com a Bíblia, todos com alguns apontamentos de loucura mansa, quase burlesca, de desejos reprimidos e penitências repetidas.
É um filme docemente triste, com o realismo das relações trocadas, dos desencontros que parecem planeados, do abandono, da solidão. É um filme sobre nós, o mais íntimo e absoluto de nós, o que somos e o que desejaríamos ser.
De Alain Resnais , claro, numa adaptação da peça de Alan Ayckbourn : Private Fears in Public Places .
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