por Sofia Loureiro dos Santos, em 22.06.07
Aqui há uns tempos mudei a estação de rádio com que acordo: estava sintonizado na TSF, passou a estar no RCP. A voz de João Adelino Faria é menos gritante e sobressaltada que as dos locutores da TSF.
Mas o estilo e o rigor noticioso, infelizmente, são os mesmos.
Ninguém entende porque é que o Ministro da Saúde não divulga o famoso relatório, que encomendou, sobre a sustentabilidade financeira do SNS. É um documento com certeza fundamental para a definição de uma política sustentada de saúde, uma base para a reorganização do SNS, estabelecimento de prioridades de modelos de funcionamento.
Mas, tal como o gato escondido com o rabo de fora, o estudo não se publica mas há muita gente que o vai publicando, aos bocadinhos, orientando a discussão política para onde mais lhe interessa.
Através do que raio de saúde a nossa tive acesso ao documento, cuja primeira página está pouco legível. Ainda não li o documento todo, mas li o sumário executivo. Vou transcrever a parte final (realces meus):
L. A discussão de possíveis alterações à forma como o financiamento do SNS se encontra organizado gerou duas grandes conclusões:
Conclusão 1: Para garantir a sustentabilidade financeira do SNS é necessário adoptar diversas medidas simultaneamente, não sendo identificável uma que, por si só, a assegure.
Conclusão 2: Há uma grande dependência da sustentabilidade financeira do SNS em relação a factores exógenos ao sector da saúde, como sejam a evolução da restante despesa pública e das receitas do Estado.
M. Após a apreciação das várias alternativas de financiamento do SNS, a Comissão recomenda ao Governo:
- Manutenção do sistema público de financiamento do SNS, como garantia do seguro básico público, universal e obrigatório, assente no pagamento de impostos.
Adopção de medidas que assegurem maior eficiência na prestação de cuidados de saúde, traduzidos por menor despesa pública em saúde e menor taxa de crescimento.
Utilização abrangente de mecanismos de avaliação clínica e económica para estabelecimento de prioridades e definição das intervenções asseguradas pelo seguro público.
Revisão do regime vigente de isenção das taxas moderadoras, com uma sua redefinição baseada em dois critérios: capacidade de pagamento e necessidade continuada de cuidados de saúde.
Actualização do valor das taxas moderadoras, como medida de disciplina da utilização do SNS e de valorização dos serviços prestados.
Redução dos benefícios fiscais associados às despesas em saúde, aproximando a realidade portuguesa da observada na generalidade dos países da OCDE.
Retirar do espaço orçamental os subsistemas públicos, sendo evoluções possíveis a sua eliminação ou a sua auto-sustentação financeira.
N. Numa situação extrema de insustentabilidade financeira do SNS, a Comissão faz uma recomendação especial, que se traduz na imposição de contribuições compulsórias, temporárias, determinadas pelo nível de rendimento, utilizando o sistema fiscal e direccionando as verbas obrigatoriamente para o SNS.
Por isso qual não foi o meu espanto ao ouvir, logo pela manhã, João Adelino Faria informar o auditório que o relatório recomendava um novo imposto para a saúde, seguido de declarações indignadas do pai do SNS, António Arnaut, dizendo que antes dos impostos talvez fosse melhor rentabilizar o que há.
Como tenho a certeza que João Adelino Faria sabe ler, só posso concluir que não leu o relatório e que acreditou naquilo que alguém lhe soprou, sem ter tido o cuidado de verificar a informação.
Mais uma vez ficamos com a sensação de sermos totalmente manipulados, ou porque nos dão informação enviesada (caso do RCP), ou porque tentam não nos fornecer a informação (caso do Ministro da Saúde).