por Sofia Loureiro dos Santos, em 26.05.07
Talvez por conflito intrínseco com tudo o que me pareça autoritarismo, sempre desconfiei das maiorias absolutas, principalmente desde as do PSD, conseguidas por Cavaco Silva.
Por um lado as maiorias absolutas facilitam a implementação das medidas preconizadas pelo partido ou coligações no poder, com a responsabilização directa, pelos cidadãos, da sua actividade governativa, e o respectivo julgamento eleitoral.
Por outro lado, e não sei se por fado português ou se por fado dos seres humanos, mas acredito que mais por este último, as maiorias absolutas tendem a transformar-se em absolutismo, autoritarismo, bajulação dos chefes e abuso do poder, principalmente pelas chefias intermédias que usam a confiança política que têm ou pensam ter para calarem quaisquer vozes discordantes ou incómodas.
Instala-se em todo o lado um clima subliminar de intimidação e as pessoas passam a pensar várias vezes antes de exprimirem as suas opiniões, não só sobre o dia a dia, a sociedade, a política, mas inclusivamente sobre opções técnicas e profissionais que, quando não são do agrado do chefe, podem servir como pretexto para manobras de intimidação e represálias.
Como as estruturas hierárquicas se apoiam cada vez mais em compadrios e conhecimentos, as nomeações sobrepõe-se aos concursos e os amigos são sempre para as ocasiões, os trabalhadores ficam sem qualquer capacidade de se defenderem das eventuais arbitrariedades dos seus superiores hierárquicos.
É claro que têm sempre a hipótese de recorrer às associações sindicais e aos tribunais, no nosso hipotético estado de direito. No entanto, e sem que qualquer um de nós se espante, preferem não arrastar a sua situação e o seu nome durante anos nos tribunais, para nada se provar, concretizar, indemnizar, repor ou punir, preferindo calarem-se ou mudarem de emprego, caso seja possível.
A função pública é o paradigma de tudo isto. Em vez de um conjunto de profissionais que pugnem pelo serviço público, pela competência profissional, pelo mérito, está transformada num labirinto de posso, quero e mando pequenos e mesquinhos, que usam e abusam dos seus pretensos subordinados, usam e abusam do erário público, distribuindo prémios e facilidades a quem lhes confere o estatuto de inatacáveis, a quem lhes demonstra fidelidade.
A verdade é que, no geral, este governo tem governado bem, com determinação e coragem. Mas estes sinais são todos preocupantes da parte de que detém o poder, embora me pergunte, ao ver as sondagens que vão saindo, se não estamos nós os que se procupam, totalmente desfasados da realidade, tal como acusamos os políticos de o estarem.
A oposição é lamentável, e o caso da OTA é exemplificativo da falta de opções dos partidos que deveriam questionar e vigiar o exercício governamental. Não tenho conhecimentos técnicos sobre engenharia, ambiente ou aviação, para ter uma opinião sobre a melhor localização do novo aeroporto, como não tinha sobre a melhor localização da segunda ponte sobre o Tejo. Mas ao fim de décadas de estudos pagos a peso de ouro, aceites por governos de várias cores partidárias, o aeroporto deveria já estar construído, em vez de continuarmos a pedir mais estudos, também pagos a peso de ouro, sobre os prós e contras de outras eventuais localizações para o novo aeroporto. Qual a credibilidade de um PSD que teve dois governos anteriores a concordar com esta solução, vindo agora exigir transparência no caso da OTA? E qual o objectivo do Presidente da República em alimentar este lamentável e artificial facto político?
Em vez de dizerem graçolas e se comportarem como comentadores de café, talvez fosse uma boa ideia os ministros desencadearem quando tal é necessário, discussões abertas sobre os verdadeiros problemas a resolver.
Nomeadamente sobre a sustentabilidade financeira do SNS. Correia de Campos não abandona o estilo provocador, ora dizendo que sim ora dizendo que não, ora negando impostos, ora sugerindo alteração das isenções das taxas moderadoras.
É este estilo prepotente, errático numas coisas, teimoso noutras, que inaugura uma nova época de descrença e suspeição, pouco democrática e eticamente doente.